Da possibilidade de retroação dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento

Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  1671422-SP, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, ser possível a retroatividade dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento.

Na hipótese, o casal buscava a alteração do regime de bens inicialmente escolhido (separação total de bens) para o da comunhão universal, sob o argumento de que todo o patrimônio existente foi construído em conjunto e que o regime de bens inicialmente escolhido não mais atendia seus interesses.

Na origem, em decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a alteração de regime foi deferida, mas com efeitos “ex nunc”, ou seja, incidentes a partir do trânsito em julgado da decisão de deferimento, o que ensejou o manejo do recurso ao STJ.

Nas razões recursais, o casal argumentou que a modificação do regime de bens deve produzir efeitos “ex tunc”, requerendo que o regime da comunhão universal de bens adotado pelas partes retroaja à data do casamento, importando na “comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas”.

Inicialmente, em decisão monocrática, o Ministro Relator Rafael Araújo entendeu por negar provimento ao recurso, contudo, após novo recurso dos recorrentes, reconsiderou a decisão afirmando que a questão devia “ser submetida a julgamento perante o colegiado da Quarta Turma, a qual poderá realizar mais percuciente análise da relevante quaestio iuris.”

Submetida à análise do colegiado, em voto de relatoria de Araújo que foi acolhido por unanimidade, ponderou-se que as partes estavam voluntariamente casadas no regime de separação e, valendo-se da autonomia da vontade, pediram a alteração após anos de convivência, com o objetivo de ampliar a união. Pontuou-se, ainda, que a alteração para comunhão universal dificilmente terá prejuízo a terceiros, já que o casamento se fortalece com o novo regime adotado e todos os bens passam a ensejar penhora por eventuais credores.

“Não há porque o Estado-juiz criar embaraços à decisão do casal se eles reconhecem que foi de esforço comum que construíram o patrimônio”, concluiu o magistrado.

Abrindo mão do formalismo, o STJ acertadamente analisou a realidade fática da demanda, concluindo pela inexistência de razões legais e fáticas para a manutenção do indeferimento do pleito autorial. Decerto que o entendimento pela retroação dos efeitos deve ser analisado caso a caso, entendendo-se por seu deferimento se esta for benéfica à coletividade e não importar em prejuízo a terceiros, como no caso em comento.

Ação anulatória de auto de infração: Meio adequado e eficaz para combater excessos por parte dos auditores fiscais no trabalho

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) incumbiu aos Auditores Fiscais do Trabalho competência para promover a fiscalização das empresas em prol do cumprimento das normas de proteção ao trabalho, legitimando-os a promover a lavratura de autos de infração sempre que constatadas violações trabalhistas que acabam por culminar na imposição de multas, algumas com valores exorbitantes.

É bem verdade que as empresas podem apresentar defesa e recurso administrativo para combater os autos lavrados, mas é verdade, também, que raros são os casos em que tais medidas são exitosas, com a improcedência ou anulação do auto de infração impugnado. Nesse cenário, empresas autuadas devem avaliar a possibilidade de ingresso de ação judicial anulatória na Justiça do Trabalho, já que muitos são os casos em que os fiscais não atenderam as exigências legais como, por exemplo, capitular o fato, mediante citação expressa do dispositivo legal infringido. É o que se chama de erro de capitulação.

A tipificação das infrações à legislação trabalhista exige uma subsunção rigorosa do fato apurado pelo fiscal do trabalho à norma supostamente violada, sob pena de abuso ao princípio da legalidade. A aplicação da penalidade exige que o fato se enquadre à descrição normativa, sendo vedada qualquer interpretação excessivamente ampliativa.

A mera previsão genérica em Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego ou nos seus ementários não se sobrepõe à Lei e não tem o condão de ampliar o espectro punitivo das normas trabalhistas que as empresas devem observar.

Para o direito administrativo, a observância ao princípio da legalidade é mandatória. A diferença do princípio da legalidade para os particulares e para a administração pública está no fato de que aqueles podem fazer tudo que a lei não proíba, já a administração pública só pode fazer o que a lei determine ou autorize.

E é justamente por isso que, para que o auditor fiscal do trabalho possa atuar, não basta a inexistência de proibição legal, é necessária a existência de determinação ou autorização expressa para sua atuação administrativa, o que muitas vezes não é observado.

Imperioso que se reforce que não é de competência do MTE e, consequentemente do auditor fiscal do trabalho, “julgar” questões jurídicas ou invalidar normas coletivas, porquanto tal prerrogativa se insere no âmbito do Poder Judiciário.

Necessário, então, que o auto de infração lavrado seja analisado de forma acurada, a fim de detectar eventuais excessos por parte do auditor fiscal do trabalho, seja identificando erro de capitulação ou interpretação extensiva do dispositivo legal supostamente violado pela empresa.

Estas situações viabilizam a propositura de ação anulatória do auto de infração com pedido liminar de suspensão da multa imposta até julgamento da ação, com o fito de tornar viável a emissão de certidões negativas de débito pela empresa autuada. Em caso de êxito da ação judicial, a União Federal é condenada na obrigação de anular definitivamente a autuação em questão, eximindo a empresa do pagamento da multa respectiva.

Multa imposta pela Receita Federal em pedido de compensação não homologado é declarada inconstitucional

Em sessão virtual encerrada no dia 17/03/23, o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 796.939/RS (Tema 736 da Repercussão Geral) e declarou inconstitucional a multa isolada de 50%, aplicada pela RFB sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.

Como é sabido, o Código Tributário Nacional estabelece ao contribuinte que apurar crédito relativo a tributo administrado pela RFB o direito de utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou a vencer, no prazo de cinco anos contados do recolhimento indevido.

Como regra geral na esfera federal, esse procedimento tem como marco inicial a apresentação do PER/DCOMP à RFB, que, após análise, terá cinco anos para homologar o pedido ou formalizará o indeferimento da restituição ou a não homologação da compensação efetuada.

Quando a compensação não era homologada, a Receita Federal estava autorizada a exigir do contribuinte uma multa isolada de 50%, calculada sobre o débito que originou a compensação não homologada, com acréscimo de juros (Artigo 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96).

Após anos de discussão acerca da ilegalidade da multa nesses casos, cuja manutenção vinha criando riscos financeiros ao contribuinte que agiu de boa-fé ao apurar indébito e proceder com a compensação dos valores, finalmente o STF pacificou a matéria para fixar a seguinte tese: “É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

A partir de então, caso o contribuinte não obtenha êxito na homologação de compensações, a RFB apenas poderá aplicar a multa moratória, a ser fixada em patamar máximo de 20% (Art. 61, caput e §2º, da Lei 9.430/96).

De igual forma, o precedente deverá ser aplicado a todos os casos que versem sobre a matéria, bem como poderá ser utilizado como fundamento para a restituição dos valores pagos indevidamente pelos contribuintes nos últimos cinco anos.

– Letícia Gibson

Home care: O custeio dos insumos indispensáveis ao tratamento se limita ao valor diário da internação hospitalar (STJ)

A expressão home care significa “atendimento domiciliar”. Trata-se na verdade de uma internação realizada na casa do paciente, onde o objetivo é dar continuidade ao tratamento realizado em ambiente hospitalar. Normalmente, é indicado para pessoas que passaram por longos períodos de internamento hospitalar, funcionando como um meio de aproximação do tratamento com a família e reduzindo o risco de infecção hospitalar.

A prestação deste serviço é regulada pela Resolução Normativa nº 465/2021 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece que caso a operadora de saúde ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, deverá obedecer às exigências da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitário e ao previsto no artigo 12, inciso II da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Importante destacar que o fornecimento do referido serviço deve cumprir o disposto na Resolução 1.668/03 do Conselho Federal de Medicina que faz a previsão expressa de quais são os profissionais de saúde que devem compor a equipe de atendimento multidisciplinar.

Dessa forma, no dia 14/02/2023, a 3ª Turma do STJ, ao julgar qual seria a extensão dos insumos do home care que deveriam ser custeados pelas operadoras de saúde, decidiu que os referidos insumos devem ser norteados pela prescrição médica e limitados ao custo diário de uma internação hospitalar.

A partir desse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o Recurso Especial nº 2.017.759/MS, que fora interposto por uma idosa que sofre de tetraplegia, para reformar a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) que embora exigisse a prestação do tratamento domiciliar, dispensava a operadora de fornecer diversos insumos, uma vez que tais itens seriam particulares e não encontravam respaldo contratual.

Em primeiro grau, a Sentença obrigou a operadora, no âmbito da internação domiciliar, a fornecer nutrição enteral, bomba de infusão, consultas ou sessões de fisioterapia e de fonoterapia, conforme a indicação médica. A decisão, entretanto, não impôs ao plano de saúde a obrigação de arcar com fraldas geriátricas, mobílias específicas, luvas e outros itens que o julgador considerou de “esfera unicamente particular”.

Em sede de Apelação, o TJMS negou o pedido de inclusão dos insumos. Além de reforçar o caráter particular desses materiais, o Tribunal salientou que a falta de especificação contratual não dava amparo legal para responsabilizar a operadora pelo fornecimento de tais itens.

Contudo, ao analisar o referido Recurso Especial, a relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a jurisprudência do STJ considera abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar. Para ela, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário, inclusive aqueles que receberia se estivesse no hospital.

Segundo a ministra, a adoção de procedimento diferente representaria o “desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio” e comprometeria seus benefícios.

Ainda de acordo com a ministra, as exigências mínimas para internações previstas na referida lei se aplicam ao caso e incluem a cobertura de despesas de honorários médicos, serviços gerais de enfermagem, alimentação, fornecimento de medicamentos, transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia e de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, conforme previsto na prescrição médica. E limitado o custo do atendimento domiciliar por dia ao custo diário de uma internação hospitalar. Por todo o exposto, percebe-se que todos os atores envolvidos na internação domiciliar de um paciente devem estar atentos ao que foi decidido pelo STJ, pois apesar de garantir aos pacientes a inclusão de insumos indispensáveis ao tratamento domiciliar, expôs a necessidade de: 1) ser a referida internação domiciliar uma alternativa à internação hospitalar, e não uma escolha do paciente; 2) a necessidade de tais insumos estarem correlatos ao tratamento do paciente e constarem na prescrição do médico assistente; e, 3) o custeio diário da internação domiciliar pelas operadoras de plano de saúde ficar limitado ao valor diário da internação hospitalar.

– Caio Santana

ANPD – DOSIMETRIA E APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Desde a entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709), em setembro de 2020, e, embora, desde então, já existam diversas demandas judiciais com base na nova legislação, a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) vem se estruturando e preparando o terreno para, de fato, garantir seu cumprimento no Brasil. Por ser fruto de uma discussão muito recente no cenário nacional, bem como diante da ausência da cultura de proteção de dados no país, surge o questionamento: como irá a ANPD auxiliar neste estágio inicial de adaptação através de suas diretrizes e sanções?

A LGPD visa nortear o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, moeda da economia digital e, cuja proteção foi incluída no rol de garantias fundamentais pela Emenda Constitucional nº 115. Nos últimos meses, a ANPD publicou o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, bem como divulgou a primeira lista de processos sancionatórios em curso, últimos passos preparatórios à fiscalização e implementação prática da lei.

 A agência reguladora vem manifestando-se de acordo com a transparência e o diálogo necessários para o aculturamento, a regulamentação e a fiscalização a serem implementadas, por meio da participação em diversos Workshops, seminários online, abertura de consultas públicas e publicações de resoluções, notas técnicas e guias regulatórios em seu site. A aplicação das sanções administrativas, portanto, é apenas uma das ferramentas à disposição da ANPD, que, em alinhamento ao artigo 52 da LGPD, bem como ao Regulamento de Dosimetria publicado, configura o estágio final de correção de conduta indesejada.

Restam previstas a aplicação das penalidades de Advertência, multa proporcional, publicização da infração apurada, bloqueio/eliminação dos dados pessoais objeto da infração, suspensão parcial do funcionamento do banco de dados/do serviço ou da atividade empresarial e até a suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais.

Para a aplicação efetiva dessas sanções, a dosimetria leva em consideração a gravidade e a natureza da infração, os danos causados aos titulares dos dados, a vantagem auferida/pretendida, a reincidência e, também, o porte econômico do infrator, visando garantir a proporcionalidade da penalidade de acordo com o caso concreto e suas particularidades.

Cediço que a ANPD levará em conta as medidas adotadas pela empresa com fim de corrigir as irregularidades e mitigar os danos causados aos titulares dos dados, sob a lógica de incentivos ao regulado, observando-se as condutas atenuantes para embasar os percentuais de multa, por exemplo, tendo em mente o caráter educativo e punitivo da sanção.

Quanto aos agentes já investigados, a lista de processos publicada, que consta apenas com procedimentos em estágio posterior ao despacho sancionador, revela o parâmetro inicial que servirá de base para futuros entendimentos jurisprudenciais, inicialmente conflitantes. Dos 8 agentes regulados, 7 são entes/órgãos públicos, restando evidente a intenção da ANPD em dar o exemplo com base no Estado, maior colecionador de dados pessoais de massa e patente modelo e garantidor no tocante às condutas de tratamento de dados.

 Importante visualizar que, 5 das ocorrências tratam sobre o não atendimento à requisição ou determinação da ANPD, outras 4, em respeito à ausência de comunicação do incidente ao dono dos dados, e, as demais 4, à ausência de medidas de segurança durante o tratamento dos dados.

Enquanto ainda não há, de fato, nenhuma condenação e aplicação de sanções administrativas, cabe aos agentes rumar à adequação e observar o cumprimento do previamente acordado e publicizado pela agência, a fim de que seja instituído um ambiente saudável e promotor da proteção de dados. A perspectiva, portanto, é de que a ANPD, por meio de suas diretrizes, notas técnicas, guias e, quando necessário, sanções, promova o aculturamento do ambiente de proteção de dados nacional, reforce a segurança jurídica quanto ao tema e estabeleça a estrutura viável aos entes brasileiros, públicos ou privados, no sentido favorável à economia global e padrões internacionais, nesta fase de estruturação e adaptação à nova lei.

– André Garcia

Eventos de SST no eSocial x Financiamento da Aposentadoria Especial

Os recentes eventos implementados no eSocial de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, quais sejam S-2210, S-2220 e S-2240, constituem a nova forma de cumprimento das obrigações acessórias referentes ao dever de emissão da CAT, da elaboração e atualização do PPP, do acompanhamento da saúde do trabalhador durante o seu contrato de trabalho por meio dos Atestados de Saúde Ocupacional – ASOs, da exposição ou não do trabalhador aos agentes nocivos principalmente para fins de aposentadoria especial etc.

O cruzamento de dados pelo Sistema ganhou transparência, facilitando as autuações pela Receita Federal do Brasil e pelo Ministério do Trabalho caso a empresa deixe de enviar ou não envie corretamente as informações dos eventos do eSocial.

Um dos principais impactos na esfera de tributação previdenciária é a necessidade de recolhimento da contribuição adicional ao SAT para fins de financiamento da aposentadoria especial, sendo as alíquotas de 12%, 9% ou 6% incidentes sobre a remuneração mensal dos trabalhadores expostos aos agentes nocivos (físicos, químicos ou biológicos) que permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.

O assunto também ganha relevância a partir do julgamento do Tema nº 555 pelo Supremo Tribunal Federal – STF, que fixa a seguinte tese:

“1. O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.

2. Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.”

A partir da decisão do STF em repercussão geral, é possível surgir algumas dúvidas, como: (i) Todos os trabalhadores que são expostos a agentes nocivos devem ser informados no eSocial e realizado o recolhimento do financiamento da aposentadoria especial? (ii) E se o EPI ou EPC for eficaz, neutralizando a exposição? (iii) Só é preciso informar àqueles que recebem adicional de insalubridade ou periculosidade? (iv) Sendo a atividade insalubre ou periculosa, é preciso custear o financiamento da aposentadoria especial? (v) No caso de exposição a ruído acima de 85dB, o EPI é capaz de neutralizar a exposição?

Cada situação deve ser analisada em sua particularidade, sendo recomendável que o assunto seja tratado por um especialista na área, estando a nossa equipe à disposição.

Provimento 141/2023 do CNJ. Simplificação do Processo de Reconhecimento de União Estável

No último dia 21, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou o Provimento 141/2023, que regulamenta a união estável perante o Registro Civil, alterando o Provimento 37/2014 para adequá-lo à Lei 14.382/2022.

O ato trata do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável perante o Registro Civil, bem como dispõe sobre a alteração do regime de bens na união estável e a sua conversão extrajudicial em casamento.

Entre seus considerandos, elenca a “necessidade de facilitar aos companheiros a declaração da existência de união estável, a sua conversão em casamento e de se esclarecer os efeitos pessoais e patrimoniais dela decorrentes, bem como a sua dissolução, e, acima de tudo, tornar fácil a localização dessas declarações para fins da respectiva comprovação”.

Neste propósito de desjudicialização e desburocratização, traz algumas novidades, merecendo destaque a inclusão de capítulos específicos que versam sobre o procedimento para o registro da união estável, a alteração do regime de bens em união estável e a conversão da união estável em casamento perante o Registro Civil.

Quanto ao registro, trouxe a possibilidade da elaboração de uma nova espécie de instrumento público, o chamado termo declaratório, passível de registro junto ao cartório de Registro Civil e que passa a coexistir com as figuras já existentes, a exemplo das escrituras públicas declaratórias de reconhecimento, que são lavradas no tabelionato de notas.

Possibilita, ainda, que sejam realizados perante o registrador civil a alteração do regime de bens da união estável e o procedimento de certificação eletrônica, que tem por escopo a comprovação do tempo de duração da união, indicando-se a data do início da convivência e da sua efetiva dissolução.

No que tange à conversão extrajudicial da união estável em casamento, pontua que esta modalidade não é obrigatória, sendo possível a conversão na seara judicial.

Ainda sobre a conversão, segundo o Provimento 141/2023, a mudança implica na manutenção do regime de bens que vigorava anteriormente à conversão.

Acaso se pretenda adotar novo regime, necessário apresentar pacto antenupcial, salvo na hipótese em que o novo regime for o de comunhão parcial de bens, situação que demandará apenas declaração expressa dos companheiros formalizando esta opção.

Por fim, ressalta-se que, no caso de dissolução da união estável, o ato exige a assistência dos companheiros por advogado ou defensor público, o que também ocorre quando houver requerimento de alteração de regime de bens com proposta de partilha, dada a complexidade que estas disposições podem alcançar.

– Amanda Figueirôa

A insegurança jurídica gerada com a nova redação da OJ 394 da SBDI-I

O Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento de incidente de recurso repetitivo (IRR) do processo 10169-57.2013.5.05.0024, por maioria dos votos, decidiu que o aumento do valor do repouso semanal remunerado (RSR) decorrente da integração das horas extras habituais deve repercutir sobre outras parcelas salariais, como férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS.

É preciso observar que a nova decisão do TST fala em horas extras habituais (e não eventual). Então, o que seria considerada habitualidade para fins dessa nova decisão do TST?

O novo entendimento marca a alteração da redação da Orientação Jurisprudencial 394 da Seção de Dissídios Individuais I para seu sentido oposto. Quando o verbete foi aprovado no ano de 2010, previa que a majoração do repouso semanal remunerado (RSR), em razão da integração das horas extras habitualmente realizadas, não repercutiria sobre essas parcelas, pois havia o entendimento de representaria uma dupla incidência (bis in idem).

No entanto, o Relator do incidente de recurso repetitivo (IRR), Ministro Amaury Rodrigues, explicou que a questão seria aritmética e por isso as duas devem ser consideradas no cálculo de parcelas que têm como base a remuneração: “O cálculo das horas extras é elaborado mediante a utilização de um divisor que isola o valor do salário-hora, excluindo de sua gênese qualquer influência do repouso semanal remunerado pelo salário mensal, de modo que estão aritmeticamente separados os valores das horas extras e das diferenças de RSR apuradas em decorrência dos reflexos daquelas horas extras (cálculos elaborados separada e individualmente)”

A tese jurídica aprovada para o Tema Repetitivo 9, que orienta a nova redação da OJ 394 da SBDI-I, foi a seguinte:

REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS.

I. A majoração do valor do repouso semanal remunerado decorrente da integração das horas extras habituais deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS.

II. O item I será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20.03.2023.

O TST modulou os efeitos da decisão de modo que o novo critério seja aplicado para apuração de horas extras habitualmente trabalhadas a partir do dia 20/03/2023. Contudo, restou silente acerca do critério da habitualidade.

A falta da fixação sobre o conceito de “hora extra habitual” trouxe insegurança jurídica aos operadores desse novo direito, principalmente pela divergência existente na própria jurisprudência. A legislação trabalhista não estabelece um parâmetro para a configuração da habitualidade, incumbindo aos julgadores balizar de forma razoável e proporcional o que seria habitual dentro do período apurado para cada caso concreto.

Ainda que sem qualquer parâmetro normativo, a regra trazida com a nova redação da OJ 394 determina que o RSR resultante da prestação das horas extras habituais tenha reflexos nas férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS.

Nesse cenário de incerteza, o Acordo Coletivo de Trabalho – ACT surge como ferramenta importante na construção e fixação desses parâmetros, principalmente pela segurança jurídica do acordado com o Sindicato, trazida com a Reforma Trabalhista.

Mesmo sem um parâmetro definido, havendo habitualidade na prestação das horas extras a partir de 20/03/2023, as empresas terão a necessidade de corrigir os seus sistemas de folha de pagamento, a partir dessa data, para que o RSR resultante das horas extras habituais tenha reflexos nas férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS. É imprescindível que a equipe da folha de pagamentos da empresa esteja atenta aos novos requisitos para que, a partir de 20/03/2023, a apuração não seja efetuada incorretamente, gerando passivo trabalhista ao empregador.

Prazo de Vigência da Nova Lei de Licitações será prorrogado

No dia 30 de março de 2023, a Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, anunciou a decisão do governo em adiar, por mais um ano, a implementação da Lei 14.133/2021, que estabelece as novas regras para as licitações e contratos administrativos. Como é de conhecimento, a data até então estabelecida para entrar em vigor a nova lei de licitações, seria amanhã, 01 de abril de 2023. Com a decisão tomada, uma Medida Provisória será editada pelo governo federal para disciplinar o novo prazo, que ainda será definido.

A medida tomada pelo governo gerou intensos debates e discussões sobre os possíveis impactos dessa decisão. Embora alguns argumentem que a prorrogação é necessária para garantir a implementação completa da nova Lei e adequação, sobretudo, pelos municípios de pequeno porte, há pontos críticos a serem considerados na tomada da decisão.

Um dos principais pontos de crítica em relação à prorrogação do prazo é a possibilidade de perpetuação de práticas pouco transparentes com aumento de incertezas e inseguranças para os agentes econômicos que atuam no setor de licitações e contratos administrativos. Igualmente, empresas e fornecedores que investiram tempo e recursos na adaptação à nova Lei, podem se sentir prejudicados pela prorrogação, uma vez que isso pode representar um atraso na execução de contratos e um prolongamento da instabilidade no setor.

Por outro lado, é possível argumentar que a prorrogação é uma medida necessária para garantir a implementação completa da Lei 14.133/2021, uma vez que ainda há desafios e obstáculos a serem superados nesse processo de transição. A criação de um Portal Nacional de Contratações Públicas, por exemplo, é uma tarefa complexa que demanda recursos e investimentos significativos, e que ainda precisa ser finalizado. Além disso, a capacitação dos agentes públicos para lidar com as novas regras, é um ponto nevrálgico para a dilação do prazo, dado que a nova lei traz mudanças significativas em relação aos procedimentos de licitação e contratação. Isto posto, é fundamental que os servidores públicos estejam preparados para implementá-las de forma adequada. Todavia, demanda investimentos em treinamentos e capacitações, bem como a necessidade de mudança de uma cultura que, bem ou mal, está construída há décadas.

Em resumo, a prorrogação do prazo de vigência da Lei 14.133/2021 é uma medida controversa, que gera diferentes reações e perspectivas entre os atores envolvidos. Embora seja importante garantir a implementação completa da nova Lei, é fundamental também considerar os possíveis impactos negativos da prorrogação, especialmente em relação à insegurança jurídica e perda de credibilidade quanto à virada de chave para o novo modelo das contratações públicas.

– João Leite

Governo estuda mudança na tributação de compras de produtos asiáticos por plataformas digitais

Desde o início da pandemia de COVID-19, as compras relacionadas ao e-commerce cresceram exorbitantemente devido ao distanciamento social, principalmente relacionadas aos sites asiáticos, em razão do baixo preço.

A importação desses produtos por pessoas físicas vem sendo analisada pelo Governo com atenção, em decorrência da falta de tratamento isonômico quando comparado com a carga tributária suportada por empresas brasileiras que vendem mercadorias similares, estando estas em evidente desvantagem.

Nos últimos dias, várias pessoas estão relatando uma maior fiscalização dessas operações, de forma que muitas compras adquiridas internacionalmente estão sendo tributadas com mais frequência quando entram no país. Além disso, sabe-se que o Governo Federal está verificando alternativas fiscais para aumentar a tributação dessas operações, tendo o Ministério da Fazenda mencionado, na última sexta-feira (24/03), que algumas propostas já estão sendo analisadas internamente. O tema possivelmente será contemplado na Reforma Tributária em discussão no Congresso, porém, como as propostas de reforma preveem uma transição duradoura e gradativa, há uma pressão por parte das empresas brasileiras para a solução ser implementada o mais breve possível.

– Felipe Barros