A primeira multa aplicada pela ANPD

No mês de comemoração do 5º (quinto) aniversário da data de promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) aplicou a sua 1ª (primeira) multa.

De fato, o Diário Oficial da União (DOU), trouxe na sua Edição n° 127, publicada em 06/07/2023, o detalhamento da 1ª (primeira) multa aplicada pela ANPD, contra uma microempresa, que sofreu: (i) uma advertência, sem imposição de medidas corretivas, por infração ao artigo 41 da LGPD (indicação de encarregado pelo tratamento de dados pessoais ou DPO); (ii) uma multa simples,  no valor de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais), por infração ao artigo 7º da LGPD (tratamento irregular de dados pessoa); e, (iii) outra multa simples, também estipulada em R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais), por infração ao artigo 5º do Regulamento de Fiscalização (Resolução CD/ANPD nº 1, de 28 de outubro de 2021).

Segundo a ANPD, a microempresa, durante a fiscalização deveria:

I – fornecer cópia de documentos, físicos ou digitais, nas condições estabelecidas pela ANPD;

II – permitir o acesso às instalações e todos os ativos de informação para a avaliação das atividades de tratamento de dados pessoais, em seu poder ou em poder de terceiros;

III – possibilitar que a ANPD tenha conhecimento dos sistemas de informação utilizados e as informações oriundos destes instrumentos;

IV – submeter-se a auditorias realizadas ou determinadas pela ANPD; e,

V – manter os documentos físicos ou digitais durante todo o prazo de tramitação de processos administrativos nos quais sejam necessários

O Despacho possibilitou, ainda, caso o autuado resolva, renunciar expressamente ao direito de recorrer da decisão de 1ª (primeira) instância, fará jus a um fator de redução de 25% (vinte e cinco por cento) no valor da multa aplicada.

Fato curioso para os operadores do Direito que atuam com a temática é que a multa aplicada pela ANPD não registra a fórmula da dosimetria da pena. Isso porque muito se tratou a respeito do cálculo da pena a ser imposta pela Autoridade, com amplo debate social sobre o tema. E, ao aplicar a 1ª (primeira) multa, a Autoridade não consignar o seu racional, deixa a lamentável impressão de que algum lapso ocorreu.

Outra curiosidade é que a própria ANPD, por meio da Resolução CD/ANPD n° 2, de 27 de janeiro de 2022, regulamentou, no seu artigo 11, que as microempresas não são obrigadas a indicar o encarregado pelo tratamento de dados pessoais exigidos pelo artigo 41 da LGPD. Aplicar uma multa, neste sentido, é um contrassenso ao que a própria ANPD regulou.

Inobstante, uma coisa é fato, as empresas precisam correr para se adequar aos ditames da LGPD (que não ocorre da noite para o dia, é preciso tempo), especialmente, porque a ANPD já começou a atuar e aplicar as penas autorizadas para tanto. É preciso cuidar dos dados pessoais que circulam nas empresas e órgãos públicos, observando os ditames da LGPD.

Lei nº 14.611/2023: a igualdade salarial entre homens e mulheres

Foi publicada no dia 04/07/2023, a Lei nº 14.611/2023 que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.

A lei em referência alterou o §6º e acrescentou o §7º do artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para possibilitar o pedido de indenização por danos morais àquelas pessoas que são discriminadas por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, podendo ser cumulado com o pedido de diferenças salariais em razão da equiparação salarial. E, sem prejuízo no caso de infração, aumenta a multa administrativa para o equivalente a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência.

Neste ponto, importante ressaltar que o artigo 461 da CLT já continha previsão expressa para garantir a igualdade salarial, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade e idade,  apontando os seguintes requisitos para a análise da equiparação salarial: (i) identidade de função; (ii) trabalho de igual valor, com igual produtividade e mesma perfeição técnica, prestado ao mesmo empregador e no mesmo estabelecimento empresarial; (iii) diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não superior a quatro anos; e (iv) diferença de tempo na função não superior a dois anos. Neste sentido, a regra contida na norma já proibia distinção salarial em decorrência do sexo.

O ponto de maior destaque foi a determinação da publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Nos relatórios deverão conter dados anonimizados, que são aqueles dados desvinculados aos seus titulares, e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens. Além disso, as informações sobre raça, etnia, nacionalidade e idade também deverão ser fornecidas.

Caso seja identificada disparidade salarial ou de critérios remuneratórios, a empresa deverá implementar plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.

Conforme visto acima, a análise jurídica para eventual equiparação salarial depende de quatro requisitos e não apenas do cargo ocupado e do nível salarial. Contudo, é certo que o relatório dará maior visibilidade à empresa caso alguma irregularidade esteja sendo praticada, facilitando a aplicação de eventual penalidade por parte do Estado.

Na hipótese de descumprimento com relação ao relatório de transparência, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários-mínimos.

Além de aumentar a fiscalização, a Lei estabelece uma maior transparência e aplicação de medidas afirmativas, a exemplo de promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados, além da disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial.

Ainda não foi publicado nenhum ato do Poder Público regulamentando a transmissão de informação para a publicação em plataforma digital de acesso público do relatório de transparência, nem a atribuição de responsabilidade acerca das medidas afirmativas, se ficará a cargo das empresas ou do Poder Executivo. No entanto, certamente haverá um aumento na fiscalização sobre esse assunto perante as empresas.

Por: Eduarda Medeiros e Felipe Medeiros

Da negativa de reembolso solicitado por clínica particular em nome do paciente

Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  1.959.929-SP, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, não ser possível a cessão de direitos de reembolso das despesas médico-hospitalares em favor de clínica particular, não conveniada à operadora do plano de saúde, que prestou atendimento aos pacientes sem exigir pagamento.

Na hipótese, conforme registro dos autos, uma clínica e um laboratório particulares captavam pacientes anunciando que atendiam por todos os convênios médicos, todavia, ao buscar atendimento, os pacientes eram informados que este ocorreria na modalidade particular, mas que não realizariam qualquer pagamento, pois este se daria mediante reembolso a ser solicitado pelas próprias empresas às operadoras de planos de saúde.

Após identificar alguns pedidos de reembolso nesse formato, uma operadora de plano de saúde ajuizou ação contra as duas empresas, requerendo que fossem obrigadas a divulgar que prestavam apenas serviços particulares, bem como que proibidas de solicitar reembolso em nome de seus pacientes.

A decisão de primeira instância, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendeu pela improcedência do pleito da operadora, sob o fundamento de que não haveria ilegalidade na cessão dos direitos de reembolso para a prestadora de serviço, uma vez que operadora teria que reembolsar, de qualquer forma, os valores desembolsados pelo usuário.

Por sua vez, ao analisar a controvérsia em sede de Recurso Especial, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, ponderou que nos termos do artigo 12, inciso VI, da Lei 9.656/1998, o reembolso deverá ser realizado nos limites das obrigações contratuais e de acordo com as despesas efetuadas pelo beneficiário, afirmando que: “O direito ao reembolso depende, por pressuposto lógico, que o beneficiário do plano de saúde tenha, efetivamente, desembolsado valores com a assistência à saúde, sendo imprescindível, ainda, o preenchimento dos demais requisitos legais, como a comprovação de que se tratava de caso de urgência ou emergência ou que não foi possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras”.

Na decisão, asseverou-se que inexiste permissão ou regulamentação da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) acerca do tema, entendendo-se não ser razoável que clínicas e laboratórios não credenciados criem uma nova forma de reembolso, sob pena de desvirtuamento da lógica do sistema preconizado na Lei 9.656/1998.

De igual modo, pontuou-se que o beneficiário do plano de saúde, ao ser comunicado que poderá realizar o atendimento sem efetivar nenhum desembolso, mas apenas assinar o contrato de cessão de crédito, não necessariamente estará atento à efetiva necessidade dos exames e consultas realizados, bem assim ao valor praticado pelo prestador do serviço, que, na situação em discussão, poderá sempre buscar o valor máximo da tabela de reembolso.

Este recente precedente do STJ merece especial atenção de usuários e estabelecimentos de saúde, aos quais não se recomenda fazer uso da cessão dos direitos de reembolso como forma de pagamento por atendimentos prestados na modalidade particular. Referido procedimento, conforme demonstrado, vem sendo rechaçado pelo judiciário sob o entendimento de que o argumento de que se trata de facilidade para efetivação do pagamento dos serviços médicos pelos respectivos pacientes não pode servir de justificativa para desvirtuar a cobertura garantida por lei.

ANTAQ regulamenta procedimento de mediação para resolução de conflitos no setor portuário

Em sua agenda regulatória para o triênio 2022-2024, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ estipulou, dentre as prioridades para o período, a regulamentação de procedimento para harmonizar conflitos de interesse entre os agentes que atuam nos setores regulados pela Agência (Tema 4.2).

Em cumprimento ao objetivo previsto, a ANTAQ publicou, no dia 01/06/2023, a Resolução nº 98/2023, que estabeleceu o procedimento administrativo de mediação em serviços portuários, de navegação e de afretamento de embarcações para resolução de conflitos entre os agentes sujeitos à regulação da Agência.

A norma, que está em período de vacância de 180 dias e entrará em vigor em 28/11/2023, traz a possibilidade de tais agentes requererem o procedimento de mediação para solucionar eventuais conflitos, sem a necessidade de intervenção do poder judiciário ou de juízo arbitral, que demandam desgastes financeiros e, muitas vezes, enfraquecem as relações negociais das partes.

Ademais, essa forma de autocomposição em que um terceiro imparcial apenas auxilia no diálogo entre os envolvidos no conflito tende a trazer resultados mais satisfatórios em relação aos interesses dos envolvidos no conflito, frise-se, sem a necessidade dos desgastes que envolvem um processo judicial ou arbitral.

De acordo com o procedimento instituído, as empresas, entidades ou usuários do setor portuário podem solicitar o início do processo de mediação de maneira simples. Basta que uma das partes envolvidas no conflito elabore requerimento com o detalhamento da questão controvertida, apresentando as devidas evidências e o contato das partes envolvidas e direcione para a Agência.

A partir de então, dá-se início ao processo de admissibilidade, quando a ANTAQ, através da área técnica responsável pela matéria do conflito, analisará questões preliminares e, estando o requerimento dentro do escopo da mediação regulatória, serão convidados os demais envolvidos para integrarem o processo de mediação, que será conduzido por servidor efetivo da área técnica competente.

Exemplos de situações que o artigo 6º da norma elenca como passíveis de resolução por meio do procedimento são a aplicação de regras contratuais, o fornecimento de serviços portuários e de transporte aquaviário, os preços de serviços prestados em regime de liberdade de preços e a instalação de infraestrutura dentro ou fora do porto organizado.

É importante ressaltar que, apesar de trazer um rol exemplificativo, o mesmo dispositivo delimita que os conflitos que podem ser objeto do processo de mediação são somente os que tratem de direitos patrimoniais disponíveis. Assim, em razão do princípio da indisponibilidade do patrimônio estatal, é possível depreender que, por enquanto, os conflitos que envolvam relações com o poder concedente não serão contemplados pela mediação regulatória.

Ainda assim, a normativa reflete passo importante para promover o diálogo, as soluções consensuais e os seus diversos benefícios, dentre os quais, a redução do risco de que as situações conflituosas resultem em prejuízos de maiores dimensões e transtornos para os envolvidos e para os usuários do setor portuário.

Por: Bruna Lima e Jamille Santos

Partilha de bens definida em ação divórcio. Competência do juízo cível e empresarial para decidir discussão remanescente de cunho patrimonial

Trata-se de conflito de competência suscitado pela MMª. Juíza de Direito da Vara de Sucessões, Empresarial e de Registros Públicos da Comarca de Juiz de Fora em face da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara de Família da Comarca de Juiz de Fora, a qual declinou da competência para julgamento do Cumprimento de Sentença instaurado nos autos da Ação Cautelar onde se pretendia a fiscalização da sociedade familiar comum.


Antes de tecer maiores considerações acerca do tema, cumpre esclarecer que a competência é o critério de distribuição das atividades exercidas entre os vários órgãos do Poder Judiciário, em razão do qual haverá a limitação da prestação jurisdicional com vistas ao seu melhor desempenho.
Dentre os diversos critérios estabelecidos para distribuição da competência, tem-se a realizada em razão da matéria a qual, em regra, após realizadas as devidas considerações face à Constituição Federal, é estabelecida por normas de organização judiciária local, não sendo passível de modificação por vontade das partes, sendo assim absoluta.


Em suas razões, a MM. Juíza da Vara de Sucessões, Empresarial e de Registros Públicos da Comarca de Juiz de Fora suscitou que a controvérsia da lide versava a respeito de matéria de partilha de bens resolvida em processo que visava extinção do núcleo familiar e o simples fato de existir partilha de cotas de empresa não seria determinante para transferir a competência para a Vara Empresarial, devendo tramitar onde a questão foi resolvida.


Doutro lado, o MM. Juiz da Vara de Família reconheceu a sua incompetência, haja vista o exaurimento da discussão acerca da matéria familiar, remanescendo apenas questões de natureza patrimonial.
Ao analisar o conflito em apreço, a Desembargadora Relatora Ângela De Lourdes Rodrigues considerou que, ainda que proveniente de confronto em ação de divórcio, o Cumprimento de Sentença instaurado nos autos de Ação Cautelar que visava fiscalização da sociedade familiar que foi partilhada deve ser processado e julgado perante uma das Varas Cíveis e Empresariais.


Para além da matéria em discussão, foi considerada a previsão contida no artigo 60 da Lei Complementar nº 59, que dispõe sobre a Organização e a Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais e estabelece que compete ao Juiz de Vara de Família processar e julgar as causas relativas ao estado das pessoas e ao Direito de Família, respeitada a competência do Juiz de Vara da Infância e da Juventude, bem como o Enunciado 54, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que em exemplo elucidativo estabelece que a discussão relativa à matéria que não está inserida no campo do direito de família não atrai a competência das Câmaras Cíveis de Direito Público, ainda que tenha origem em ação de divórcio e partilha de bens.
Realizada a aplicação analógica de enunciado utilizado para julgamento das causas em segunda instância, foi possível concluir que, superada as questões acerca do direito de família propriamente dito, a lide buscava o cumprimento de uma obrigação de fazer relativa à demanda de cunho eminente patrimonial/obrigacional que envolve Direito Empresarial, devendo ser reconhecida a competência para processamento e julgamento das Varas Cíveis/Empresariais ainda que surgida em discussões travadas em ação de divórcio, separação, união estável.


Desta forma, considerando as particularidades da ação, em que pese proveniente de discussão originada no direito de família, por ter perdido sua essência de contexto familiar e estado das pessoas, a lide fundou-se em obrigação de natureza patrimonial razão pela qual seu processamento e julgamento será doravante realizado perante a Vara de Sucessões, Empresarial e de Registros Públicos da Comarca de Juiz de Fora.

TCU analisa a (im)possibilidade de reverter relicitações e manter concessionários

Recentemente, o Ministério de Portos e Aeroportos e Ministério dos Transportes formulou consulta ao TCU (TC 008.877/2023-8), em que questiona a possibilidade de encerramento de processo de relicitação pelo Poder Concedente e de manutenção do atual concessionário, bem como quais seriam as exigências para seguir-se este caminho.

Prevista na Lei nº 13.448/2017, a relicitação é o procedimento pelo qual se realiza a extinção amigável de contratos de parceria dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário, quando a concessionária demonstra incapacidade de permanecer na execução contratual nos moldes que se comprometeu, permitindo à Administração promover nova licitação.

Para a sua ocorrência, o concessionário deve manifestar interesse na “devolução” do contrato em virtude da impossibilidade de cumprimento das obrigações nele pactuadas, renunciar expressamente à participação em novo certame para o mesmo objeto e formalizar o acordado com o Poder Concedente, que dará início ao novo processo licitatório para o objeto do contrato.

Diante da consulta formulada, os técnicos do TCU apresentaram entendimentos divergentes.

Em um primeiro Parecer, o Auditor manifesta o entendimento de que acatar esta possibilidade apenas beneficia o concessionário inadimplente, prejudica a eficiência do contrato de concessão e viola a isonomia, pois estaria ocorrendo uma renegociação da inadimplência e, em paralelo, persistiria a impossibilidade de execução das obrigações de forma eficaz pelo concessionário.

Entende ser improvável que um novo acordo com o atual concessionário possa atender ao interesse público e superar os benefícios da relicitação. Assim, conclui que a Administração deverá ficar vinculada a seguir com a relicitação após iniciada e, em caso de descumprimento do Termo Aditivo, licitação deserta e/ou decurso do prazo de 24 meses para a relicitação, instaurar ou dar continuidade ao processo de caducidade (encerramento da concessão).

Apesar disso, pontua que, caso os Ministros entendam em sentido diverso, deverão ser estabelecidos requisitos a serem cumpridos, como a apresentação de fatos supervenientes que justifiquem a continuidade da concessão, a demonstração de sua viabilidade e vantagem em relação à relicitação e da capacidade da concessionária.

Por sua vez, o segundo Auditor que apresentou opinativo no processo entende pela possibilidade de renegociar a concessão, retornando-se ao momento imediatamente anterior ao início da relicitação, desde que o contrato não seja desvirtuado com as novas condições e que esta medida seja devidamente justificada. Em ponto de concordância com o parecer anterior, enfatizou a necessidade de estudos que demonstrem a qualificação econômico-financeira da concessionária para a manutenção da concessão em vigor.

Após os pareceres técnicos, a próxima etapa é a decisão do Plenário do Tribunal. A apreciação do processo deverá ocorrer em breve, sobretudo, considerando que existem nove relicitações em andamento e, logo, há pressões externas pela celeridade na definição do entendimento.

– Kristiny Brito e Jamille Santos

Do descabimento da cobrança de custas complementares quando o pedido de desistência ocorre antes da citação do réu

Em decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  2.016.021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, ser ilícita a cobrança de custas processuais complementares após homologação de pedido de desistência, formulado pelo autor antes da citação da parte contrária, por ocasião de sua intimação para complementar as custas iniciais.

Na hipótese, quando da distribuição da ação o autor realizou o recolhimento das custas iniciais, as quais foram consideradas insuficientes pelo Juízo, em razão da incompatibilidade entre o valor atribuído à causa e o conteúdo econômico envolvido na demanda. Em sequência, foi determinada a intimação do demandante para emendar a inicial retificando o valor da causa e realizar o pagamento das custas complementares. Em resposta, todavia, e antes que fosse determinada a citação, o autor da ação requereu desistência do feito.

Nesse cenário, após homologar a desistência, o juízo de origem entendeu ser devido o recolhimento das custas complementares, em sentença posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça das Minas Gerais.

Interposto Recurso Especial, não houve entendimento unânime sobre o tema, tendo a Desembargador Relatora ministra Nancy Andrighi, em voto vencido, defendido que “se o autor dá à causa valor subdimensionado e, portanto, recolhe as custas em montante inferior ao devido, nada impede que o juiz, de ofício, no ato de homologação do pedido de desistência, corrija o valor da causa e determine a intimação do autor desistente para recolher as custas complementares”.

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio Bellizze, cujo voto prevaleceu no julgamento, mencionou o entendimento firmado pela Primeira Turma do STJ no AREsp 1.442.134, de que a desistência, em regra, obriga a parte autora a pagar as custas processuais, a menos que ela ocorra antes da citação.

Ainda segundo Beliizze, o não recolhimento das custas iniciais em sua integralidade, após a intimação para este fim, enseja o indeferimento da petição inicial e, nessa hipótese, a consequência legal é o cancelamento do registro de distribuição, o que não gera efeitos para o autor.

Defendeu que deve ser realizada, assim como no precedente citado, uma interpretação sistemática dos artigos 90 e 290 do Código de Processo Civil, compatibilizando o preceito de que a desistência da ação não exonera o pagamento das custas e despesas gerais com o regramento legal que versa sobre o cancelamento da distribuição.

Imóvel utilizado para moradia com paralelo uso comercial permite usucapião especial urbana, conforme STJ

Bastante conhecida e comentada, a usucapião é o modo de aquisição originária de direitos reais pela posse continuada em um certo período de tempo determinado por lei. Diversos são os tipos da usucapião, contudo, pode-se apontar como comuns a todos eles os seguintes requisitos: a) posse própria (o indivíduo deve possuir a coisa como se sua fosse), mansa e pacífica (isto é, exercida sem a oposição do proprietário do bem), além de contínua (que não sofre interrupções); b) decurso do tempo, que varia de 2 a 15 anos, a depender da espécie de usucapião de que se tratar; c) bem apto a ser usucapido.

A modalidade neste texto analisada foi a da usucapião especial urbana, para a qual o legislador estabeleceu o lapso temporal de 5 anos de posse, e que, em adição aos requisitos gerais acima citados, demanda que o bem imóvel seja utilizado para moradia e limita a área do bem a 250 m², além de proibir que aquele que invocar esse instituto seja proprietário de qualquer outro imóvel.

Acerca do assunto, chegou ao Judiciário brasileiro o caso de dois irmãos do estado de Tocantins que se mudaram para Palmas em 1993 em busca de melhores perspectivas de vida na capital. Afirmaram que acabaram por tomar posse de um imóvel vago, de 159,95 m². Desde o início do ano da mudança, além de morarem no local, um dos irmãos iniciou um pequeno negócio de conserto de bicicletas dentro desta propriedade. Em 2003, entraram com uma ação para declaração da usucapião do imóvel. Contudo, foi de entendimento tanto em primeiro grau quando pelo Tribunal de Justiça de Tocantins que somente era devido o direito à área utilizada exclusivamente para moradia. Interpuseram, então, recurso ao Superior Tribunal de Justiça, alegando violação ao art. 1.240 do Código Civil, que trata da usucapião especial urbana, com o argumento de que a lei apenas exige que haja moradia no imóvel, não excluindo a prática simultânea de atividade comercial.

A Terceira Turma do STJ, nesse sentido, deu provimento ao Recurso Especial, o REsp 1.777.404, decidindo pela declaração da usucapião sobre a área integral do imóvel, através do posicionamento de que não há vedação legal de que o uso do imóvel abranja também fins outros para além do residencial, sendo possível, assim, a utilização de parte do imóvel para comércio.

– Maria Gabriela Magalhães e Ana Carolina Barbosa

LGPD e o PL das Fake News

A recente pauta nacional em torno do Projeto de Lei n° 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, é mais um dos aspectos a ser observado à luz do debate público e suas implicações no ambiente digital. Há controvérsias, porém, quanto à sua eficácia, inclusive em desacordo com a LGPD. Mesmo com a retirada de pauta para votação, ocorrida no último dia 02, mister compreender qual é, de fato, a correlação entre os mencionados institutos.

Alega-se que a nova lei busca combater à desinformação, ao discurso de ódio e a outros conteúdos criminosos no ambiente digital. Por outro lado, apontam-se riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão, bem como de enevoar o ambiente digital e suas diretrizes, com afronta à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e princípios da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

O PL, de fato, busca atribuir responsabilidade às plataformas digitais quanto aos conteúdos ilícitos ou ofensivos postados por seus usuários, citando por diversas vezes em seu relatório o Digital Services Act (DSA), aprovado no fim do ano passado pela União Europeia.

Assim como a LGPD, o projeto visa tratar a privacidade e a segurança dos dados digitais, buscando atender às necessidades atuais do mundo digital e abordar as preocupações crescentes sobre o uso inadequado das informações pessoais dos usuários na internet, garantindo que as pessoas tenham controle sobre seus dados pessoais e que possam navegar na internet sem serem expostas a conteúdos falsos ou maliciosos.

Após a migração do centro das discussões políticas para a Internet, as redes sociais tornaram-se uma extensão da realidade, bem como, em contrapartida, um dos pilares da desordem informacional. Na mesma medida, os dados pessoais são o combustível que move a rede algorítmica de distribuição de informações nas redes sociais, e as big techs coletam e analisam os dados pessoais dos seus usuários, a fim de construir modelos de predição e identificar tendências de comportamento, atraindo o marketing direcionado. Daí a interseção a ser pormenorizada neste artigo.

O PL propõe, por exemplo, a criação de um cadastro nacional de usuários de redes sociais e serviços de mensagem privada, o que poderia exigir o armazenamento de dados pessoais sensíveis dos usuários. Essa coleta e armazenamento de dados deveriam ser feitas em conformidade com a LGPD, garantindo a privacidade e a segurança das informações.

Também é proposto o estabelecimento de regras quanto à proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à “entidade autônoma de supervisão”, levantando a possibilidade de conflito com as competências da ANPD previstas na LGPD e a eventual criação de um novo órgão regulador ou a atribuição de competências a outra entidade, o que pode ter como efeito a fragmentação regulatória e a sobreposição da ANPD, responsável por nortear, através da LGPD, o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, cuja proteção foi recentemente incluída no rol de garantias fundamentais.

Já o caráter punitivo do PL das fake News, em confronto com o intento primordial educativo da LGPD, pode exigir que as plataformas digitais forneçam informações mais detalhadas sobre como esses dados são utilizados para o compartilhamento de notícias falsas, tendo como principais alvos as grandes empresas do ramo tecnológico.

Esse e mais temas que estão previstos na LGPD e sob a tutela da ANPD, foram abordados pelo setor empresarial, representado por grandes Associações de Classe do país, dentre elas a ANPPD e a FECOMÉRCIO/SP, em manifesto pela segurança jurídica e em desacordo com o PL das fake news, uma vez que feriria diretamente a LGPD em pontos nevrálgicos, por pretender legislar sobre temas relacionados.

*Link* em anexo https://abes.com.br/manifesto-do-setor-empresarial-quanto-ao-pl-2630-2020-e-a-lgpd/#:~:text=As%20empresas%2C%20inclusive%20as%20de,na%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20problemas%20sociais.

As entidades defendem a necessidade de se manter a centralidade da LGPD e da ANPD quanto ao tema “proteção dos dados pessoais” como medida necessária e essencial para a segurança jurídica e harmonização do ambiente regulatório nacional, reconhecendo a importância da discussão sobre novas normas voltadas a combater a disseminação de informações falsas na internet, e mitigando o risco de insegurança à LGPD, amplamente debatida no processo legislativo e social.

Atualmente, conforme o Marco Civil da Internet, as big techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos impróprios em caso de decisão judicial.

Em caso de aprovação do PL, as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem em crimes já tipificados na lei brasileira, sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, estímulo à remoção de discursos legítimos, resultando, possivelmente, em um bloqueio excessivo e uma nova forma velada de censura. Entende-se, portanto, que a linha tênue entre a benevolência no dever de proteção do ambiente público e o exagerado amontoado de entraves às plataformas digitais carrega, obviamente, diversas controvérsias. O consenso da necessidade de atitudes para conter a disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e mensagens criminosas, bem como o do uso indiscriminado dos dados pessoais dos usuários pode e deve ser alinhado, com observância ao cumprimento da legislação já vigente e sua utilização de acordo com os parâmetros em construção.

– André Garcia Filho

Da possibilidade de retroação dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento

Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  1671422-SP, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, ser possível a retroatividade dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento.

Na hipótese, o casal buscava a alteração do regime de bens inicialmente escolhido (separação total de bens) para o da comunhão universal, sob o argumento de que todo o patrimônio existente foi construído em conjunto e que o regime de bens inicialmente escolhido não mais atendia seus interesses.

Na origem, em decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a alteração de regime foi deferida, mas com efeitos “ex nunc”, ou seja, incidentes a partir do trânsito em julgado da decisão de deferimento, o que ensejou o manejo do recurso ao STJ.

Nas razões recursais, o casal argumentou que a modificação do regime de bens deve produzir efeitos “ex tunc”, requerendo que o regime da comunhão universal de bens adotado pelas partes retroaja à data do casamento, importando na “comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas”.

Inicialmente, em decisão monocrática, o Ministro Relator Rafael Araújo entendeu por negar provimento ao recurso, contudo, após novo recurso dos recorrentes, reconsiderou a decisão afirmando que a questão devia “ser submetida a julgamento perante o colegiado da Quarta Turma, a qual poderá realizar mais percuciente análise da relevante quaestio iuris.”

Submetida à análise do colegiado, em voto de relatoria de Araújo que foi acolhido por unanimidade, ponderou-se que as partes estavam voluntariamente casadas no regime de separação e, valendo-se da autonomia da vontade, pediram a alteração após anos de convivência, com o objetivo de ampliar a união. Pontuou-se, ainda, que a alteração para comunhão universal dificilmente terá prejuízo a terceiros, já que o casamento se fortalece com o novo regime adotado e todos os bens passam a ensejar penhora por eventuais credores.

“Não há porque o Estado-juiz criar embaraços à decisão do casal se eles reconhecem que foi de esforço comum que construíram o patrimônio”, concluiu o magistrado.

Abrindo mão do formalismo, o STJ acertadamente analisou a realidade fática da demanda, concluindo pela inexistência de razões legais e fáticas para a manutenção do indeferimento do pleito autorial. Decerto que o entendimento pela retroação dos efeitos deve ser analisado caso a caso, entendendo-se por seu deferimento se esta for benéfica à coletividade e não importar em prejuízo a terceiros, como no caso em comento.