União e estados-membro são obrigados a fornecer medicamento à base de Canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com TEA e Epilepsia

Em recente decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2006118, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que União e Estados-membros devem fornecer medicamento à base de canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e epilepsia.

Trata de uma Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal contra União e o Estado de Pernambuco, pleiteando o fornecimento de medicamento à base de canabidiol, necessário ao tratamento da síndrome de West, síndrome de Beckwith-Wiedmann e Transtorno do Espectro Autista.

O pedido do MPF fundamenta-se no cenário em que o paciente já esgotou todos os tratamentos disponíveis no território nacional, todos sendo ineficazes para o caso clínico. Portanto, o medicamento pretendido, ou seja, o CDB ainda que não tenha registo na ANVISA e não esteja contemplado na lista daqueles que são fornecidos pelo SUS, foi prescrito pelo neuropediatra da criança como um tratamento alternativo a fim de garantir uma melhora na qualidade de vida da paciente.  

A ação foi inicialmente julgada procedente, tendo a decisão sido mantida em sede de segundo grau pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Entretanto, a União e o Estado de Pernambuco interpuseram recurso especial alegando, dentre outros fatores, a impossibilidade de fornecimento do medicamento visto que este não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como, não integra o protocolo dos medicamentos ofertados pelo SUS, além de atuar como um tratamento experimental.

Em decisão, a Segunda Turma negou provimento ao recurso especial da União e do Estado de Pernambuco que buscava reverter a decisão que condenou ambos os réus em sede de primeiro grau, e posteriormente, em grau recursal, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Segundo o relator, o Ministro Francisco Leão, é dever do Estado fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, conforme o tema 1.161 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, a discussão quanto a eventual ineficácia dos tratamentos tradicionais já experimentados pela paciente, bem como, da excepcionalidade da situação e de todo o arcabouço probatório dos autos, tais como laudos e prescrições médicas esbarraria na Súmula nº 7 do STJ.

Por: Maria Laura Vasconcelos

A Obrigatoriedade da Ata Notarial no Procedimento de Adjudicação Compulsória Extrajudicial

Inicialmente, é importante elucidar que a Adjudicação Compulsória trata-se de um procedimento estabelecido por Lei, visando a regularização do registro de um imóvel, através da autorização para a sua transferência ao credor.

O artigo 1.418 do Código Civil estabelece que o promitente comprador, ou seja, aquele que é titular do direito real, pode exigir do promitente vendedor ou a quem os direitos forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e caso haja recusa, deverá requerer a adjudicação do imóvel. Em palavras mais compreensíveis, este termo se refere a uma situação em que alguém adquire um imóvel, através do contrato de compra e venda, e, no final, no momento de lavrar a escritura, o vendedor se recusa a outorgar a escritura.

É válido ressaltar que com o advento da Lei 14.382 de 2022, o legislador trouxe a possibilidade de realizar o aludido procedimento através da via extrajudicial, conforme aduz o artigo 216-B: “Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo”.

É importante salientar que a possibilidade de realizar a adjudicação compulsória extrajudicialmente trouxe inovação e melhoria para a sociedade, promovendo maior agilidade e desafogando o judiciário.

No que tange aos requisitos para realizar o procedimento, podemos observar a obrigatoriedade da Ata Notarial, a qual pode ser entendida como uma espécie de documento necessário para comprovar algo. Este documento é lavrado em um Tabelionato de Notas, através de um tabelião profissional, que atestará evidências ou provas que foram vivenciadas por ele.

A Ata Notarial está conceituada no artigo 384 do Código de Processo Civil, aduzindo a aludida Lei: a existência de algum fato deverá ser atestada ou documentada, através do requerimento da pessoa interessada e diante de uma Ata lavrada por tabelião.

Diante disso, é relevante e imprescindível a disposição da Ata Notarial na Adjudicação Compulsória que ocorre no formato Extrajudicial, pois este procedimento é realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis e a Ata facilitará na comprovação de documentos importantes, sejam eles: a quitação da dívida, o contrato particular, a mora do devedor, entre outros.

Vale dizer, ainda, que este tema já foi considerado um tanto polêmico no meio jurídico, tendo em vista existir mais de uma reformulação quanto ao texto disposto no artigo 216-B, da Lei de Registros Públicos. O inciso terceiro, do artigo mencionado, abordava que a Ata notarial seria caracterizada como um documento fundamental para requerer a Adjudicação Extrajudicial, sendo ela lavrada por tabelião de notas, atestando a posse do requerente, a prova do pagamento da obrigação do comprador, conferindo-lhe a pretensão de adquirir a propriedade do imóvel e, a regular constituição em mora do promitente vendedor.

Ocorre que, este inciso havia sido vetado, sob a alegação de que a Ata Notarial iria encarecer e burocratizar o procedimento, porém, o Congresso Nacional derrubou o veto e, no dia 5 de janeiro de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou a obrigatoriedade da Ata Notarial, fazendo com que haja a exigência da aludida Ata para este procedimento, assim como ocorre na Usucapião.

Escrito pela equipe de Direito Imobiliário

Quais medidas podem ser adotadas em caso de falta dos empregados decorrente de greve do transporte público?

Com a greve dos rodoviários deflagrada à meia-noite do dia 26/07/2023 na cidade do Recife, alguns trabalhadores não conseguiram se deslocar até seus postos de trabalho, outros acabaram chegando após o horário de início de suas atividades, situações que acabam por gerar transtornos dentro do ambiente de trabalho. De um lado os trabalhadores que dependem do transporte público para se deslocar, do outro o empregador que depende desses empregados para operar.

Esse cenário se agrava ainda mais com a promessa de que a greve deve perdurar de forma indeterminada, acabando por gerar dúvidas:

  1. O dia não trabalhado deve ser considerado falta injustificada?
  2. Pode haver desconto no salário nesse dia?
  3. O atraso no início das atividades pode ser descontado?
  4. Como fica o cálculo do descanso semanal remunerado (DSR)?
  5. A falta deve ser abonada?

A legislação trabalhista não traz norma especifica quanto ao tema, suscitando controversa entre doutrinadores e juristas. De um lado, o artigo 473 da CLT, que traz de forma taxativa as situações que o empregado pode deixar de comparecer ao trabalho sem prejuízo do salário, não elencando a paralização dos serviços de transporte público como motivo justificador para ausência ao trabalho.

Ou seja, olhando por essa perspectiva, caso não tenha previsão em norma coletiva em sentido contrário, a empresa, em tese, estaria acobertada em proceder com desconto no salário pelos dias não trabalhados, inclusive no que tange ao DSR.

Por outro lado, o argumento utilizado para os que defendem que a falta é justificada, é de que a empresa, por força do artigo 2º da CLT, assume o risco do negócio, não podendo o trabalhador, que utilizada transporte público, ser penalizado em razão de greve pela qual não deu causa, principalmente porque fez a opção pelo recebimento do vale transporte.

A experiência tem mostrado que o melhor caminho é o bom senso, analisando caso a caso e buscando encontrar mecanismos que reduzam os prejuízos para trabalhadores e empresários. O primeiro passo é olhar a norma coletiva da categoria e, em não havendo previsão em sentido contrário, as empresas que adotam Banco de Horas podem realizar a compensação dos atrasos ou dias não trabalhados. Já para as empresas que não possuem Banco de Horas regularmente instituído, nos moldes do artigo 59, §6º da CLT, poderão realizar acordo para a compensação das horas dentro do mesmo mês. As empresas também podem fornecer transporte nesses dias ou até mesmo acordar o labor em regime de home office, quando a atividade desempenhada assim permitir. Tais possibilidades, conduto, só podem ser adotadas para os trabalhadores que optaram pela utilização de transporte público, não sendo aplicada para os que se deslocam por outros meios, ocasião em que a falta não é justificada.

Por: Felipe Medeiros e Paula Saldanha

STF determina a suspensão de processos em que houve inclusão de empresa integrante de Grupo Econômico na fase de execução

No último dia 25 de novembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas que se encontram na fase de execução e que tenham como discussão a inclusão de empresa integrante de Grupo Econômico apenas na fase de execução.

A decisão foi prolatada pelo Min. Dias Toffoli, no Recurso Extraordinário n

º 1.387.795, em que foi reconhecida a repercussão geral do tema relacionado a “inclusão de empresa integrante de grupo econômico em execução trabalhista, sem que ela tenha participado do processo de conhecimento”.

O Tema 1.232, objeto da análise pelo Supremo Tribunal Federal, possui a seguinte descrição: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal, acerca da possibilidade da inclusão, no polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em alegado afastamento do artigo 513, § 5º, do CPC, em violação à Súmula Vinculante 10, e, ainda, independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC)”.

Neste ponto, apesar de o tema ser objeto de discussão na Justiça do Trabalho há mais de duas décadas, ainda sem um posicionamento uniforme no âmbito da Justiça Especializada, há notória insegurança jurídica quanto ao tema.

Tal discussão surgiu após o cancelamento da Súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ocorrido em novembro de 2003, que tinha a seguinte redação:

“GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE.

O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.

Observação: (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 20, 22 e 25.04.2005”

Importante destacar que, com o advento do Novo Código de Processo Civil, sobreveio uma alteração legislativa importante sobre o tema, no artigo 513, §5º[1]. Tal dispositivo traz à tona a orientação que estava estampada na Súmula 205 do TST, já revogada. No entanto, na Justiça do Trabalho, inexiste, atualmente, um posicionamento firmado a respeito da aplicabilidade de tal dispositivo no âmbito do processo do trabalho, em razão de decisões divergentes quanto ao tema.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão prolatada pelo Min. Gilmar Mendes, ao apreciar o tema no ARE 1.160.361, cassou a decisão prolatada pelo TST e determinou que outra fosse proferida, observando a cláusula de reserva de plenário e a Súmula Vinculante nº 10, uma vez que a decisão desconsiderou o artigo 513, §5º do CPC.

Importante destacar que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, estão em trâmite as ADPF 488 (que possui como objeto a inclusão “no cumprimento de sentença ou na fase de execução, pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de conhecimento dos processos trabalhistas e que não constaram dos títulos executivos judiciais, sob alegação de que fariam parte de um mesmo grupo econômico”) e 951 (cuja discussão envolve a “responsabilidade solidária às empresas sucedidas, diante de simples inadimplemento de suas sucessoras ou de indícios unilaterais de formação de grupo econômico, a despeito da ausência de efetiva comprovação de fraude na sucessão e independentemente de sua prévia participação no processo de conhecimento ou em incidente de desconsideração da personalidade jurídica”).

Considerando toda a celeuma envolvendo o assunto em referência, o Min. Dias Toffoli determinou a “suspensão nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.232 da Gestão por Temas da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário”.

Alguns juízes, inclusive, estão mencionando a possibilidade de ultrapassar a suspensão determinada pelo STF, sob a alegação de o óbice estaria superado em caso de instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) na fase de execução, oportunidade em que seria possível a realização do contraditório e produção de provas sobre o alegado Grupo Econômico.

No entanto, a produção de provas no âmbito do IDPJ não é tão ampla quanto na fase cognitiva, bem como, a limitação recursal para a interposição de recurso para o TST é gigantesca, considerando que o Recurso de Revista, na fase de execução, só é permitida por afronta direta e literal à Constituição Federal[2].

Neste sentido, ainda que instaurado o IDPJ, eventuais processos que se enquadrem na situação estampada na decisão devem ser suspensos. Por outro lado, a decisão não impede que o processo prossiga em desfavor dos devedores das reclamações trabalhistas que participaram da ação desde o seu nascedouro.

De toda sorte, apesar de tal decisão ser de observância obrigatória por todos os Juízes e Tribunais, é importante que as empresas demonstrem que se encontram na situação indicada na decisão, pugnando pela suspensão do processo e da realização de atos expropriatórios porventura em curso.


[1] Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

[2] Art. 896 – Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

§ 2o Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal

A Geração Distribuída de Energia na Lei nº 14.300/22

Diante da necessidade de adoção de meios de geração de energias sustentáveis e como forma de incentivar e regulamentar esta prática, a ANEEL publicou, em 2012, a Resolução Normativa n° 482/2012, estabelecendo as condições gerais para a geração e a compensação de energia elétrica. Com o crescente aumento da adesão às modalidades de geração de energia previstas, surgiu a necessidade de nova regulamentação, o que resultou na publicação da Lei nº 14.300/2022.

A referida lei, conhecida também como Marco Legal da Geração Distribuída de Energia, entrou em vigor em 7 de janeiro de 2022, a fim de regular as condições gerais para o acesso à microgeração e à minigeração de energia, isto é, em suma, para a geração de energia elétrica pelos consumidores com a consequente obtenção de compensações, notadamente, a partir de fontes renováveis, a exemplo da energia solar e da eólica.

As regras do Marco Legal passaram a valer a partir de 07 de janeiro de 2022, mas possibilitaram que os consumidores que, na forma das Resoluções Normativas 482/2012 e 687/2015 da ANEEL, já geravam e compensavam energia ou passaram a fazê-lo até 07 de janeiro de 2023, permaneçam sob o regime previsto pelas Resoluções por mais 25 anos, isto é, até o ano de 2045.

A legislação prevê o desconto referente à energia que foi gerada e injetada na rede pela unidade geradora e consumidora, com a possibilidade de compensação de energia excedente ao consumo desta unidade nas contas de outras unidades consumidoras que estejam na mesma rede de distribuição, de acordo com a modalidade que se adota.

Dentre as modalidades previstas, tem-se o autoconsumo remoto, em que a compensação do excedente ocorrerá em unidade consumidora diversa, mas de titularidade da mesma pessoa física ou jurídica titular unidade geradora. Outra modalidade prevista é a geração compartilhada de energia, em que consumidores diversos se reúnem em consórcio, cooperativa ou outras formas de associação, com o objetivo de compartilhar o excedente oriundo de uma unidade geradora de energia.

Na forma da Lei 14.300/22, o consumidor terá a opção de criar uma ordem de preferência para as outras unidades consumidoras. Assim, se uma pessoa jurídica gera energia a partir de sua matriz e o consumo daquela unidade é inferior à energia injetada na rede, através da opção de preferência, a empresa poderá indicar a sua filial “b”, que irá se beneficiar da compensação antes da filial “c”. 

Importante mencionar que se encontra em tramitação o Projeto de Lei n° 2.703/2022, que prevê dilação do prazo de requerimento aos consumidores que desejam realizar a instalação do sistema solar e terem direito à isenção das taxas previstas no Marco Legal até o mês de julho de 2023. O Projeto, no entanto, ainda não possui data definida para apreciação pelo Senado Federal, sendo incerta a prorrogação.

Mesmo com a incidência de tarifas, que serão aplicadas de forma escalonada até 2029, a geração distribuída de energia proporciona economias significativas e consiste, ainda, em oportunidade de negócios para as empresas do setor energético, exigindo investimentos iniciais que tendem a ser recuperáveis a curto prazo.

– Kristiny Brito e Jamille Santos

LGPD e o PL das Fake News

A recente pauta nacional em torno do Projeto de Lei n° 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, é mais um dos aspectos a ser observado à luz do debate público e suas implicações no ambiente digital. Há controvérsias, porém, quanto à sua eficácia, inclusive em desacordo com a LGPD. Mesmo com a retirada de pauta para votação, ocorrida no último dia 02, mister compreender qual é, de fato, a correlação entre os mencionados institutos.

Alega-se que a nova lei busca combater à desinformação, ao discurso de ódio e a outros conteúdos criminosos no ambiente digital. Por outro lado, apontam-se riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão, bem como de enevoar o ambiente digital e suas diretrizes, com afronta à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e princípios da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

O PL, de fato, busca atribuir responsabilidade às plataformas digitais quanto aos conteúdos ilícitos ou ofensivos postados por seus usuários, citando por diversas vezes em seu relatório o Digital Services Act (DSA), aprovado no fim do ano passado pela União Europeia.

Assim como a LGPD, o projeto visa tratar a privacidade e a segurança dos dados digitais, buscando atender às necessidades atuais do mundo digital e abordar as preocupações crescentes sobre o uso inadequado das informações pessoais dos usuários na internet, garantindo que as pessoas tenham controle sobre seus dados pessoais e que possam navegar na internet sem serem expostas a conteúdos falsos ou maliciosos.

Após a migração do centro das discussões políticas para a Internet, as redes sociais tornaram-se uma extensão da realidade, bem como, em contrapartida, um dos pilares da desordem informacional. Na mesma medida, os dados pessoais são o combustível que move a rede algorítmica de distribuição de informações nas redes sociais, e as big techs coletam e analisam os dados pessoais dos seus usuários, a fim de construir modelos de predição e identificar tendências de comportamento, atraindo o marketing direcionado. Daí a interseção a ser pormenorizada neste artigo.

O PL propõe, por exemplo, a criação de um cadastro nacional de usuários de redes sociais e serviços de mensagem privada, o que poderia exigir o armazenamento de dados pessoais sensíveis dos usuários. Essa coleta e armazenamento de dados deveriam ser feitas em conformidade com a LGPD, garantindo a privacidade e a segurança das informações.

Também é proposto o estabelecimento de regras quanto à proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à “entidade autônoma de supervisão”, levantando a possibilidade de conflito com as competências da ANPD previstas na LGPD e a eventual criação de um novo órgão regulador ou a atribuição de competências a outra entidade, o que pode ter como efeito a fragmentação regulatória e a sobreposição da ANPD, responsável por nortear, através da LGPD, o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, cuja proteção foi recentemente incluída no rol de garantias fundamentais.

Já o caráter punitivo do PL das fake News, em confronto com o intento primordial educativo da LGPD, pode exigir que as plataformas digitais forneçam informações mais detalhadas sobre como esses dados são utilizados para o compartilhamento de notícias falsas, tendo como principais alvos as grandes empresas do ramo tecnológico.

Esse e mais temas que estão previstos na LGPD e sob a tutela da ANPD, foram abordados pelo setor empresarial, representado por grandes Associações de Classe do país, dentre elas a ANPPD e a FECOMÉRCIO/SP, em manifesto pela segurança jurídica e em desacordo com o PL das fake news, uma vez que feriria diretamente a LGPD em pontos nevrálgicos, por pretender legislar sobre temas relacionados.

*Link* em anexo https://abes.com.br/manifesto-do-setor-empresarial-quanto-ao-pl-2630-2020-e-a-lgpd/#:~:text=As%20empresas%2C%20inclusive%20as%20de,na%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20problemas%20sociais.

As entidades defendem a necessidade de se manter a centralidade da LGPD e da ANPD quanto ao tema “proteção dos dados pessoais” como medida necessária e essencial para a segurança jurídica e harmonização do ambiente regulatório nacional, reconhecendo a importância da discussão sobre novas normas voltadas a combater a disseminação de informações falsas na internet, e mitigando o risco de insegurança à LGPD, amplamente debatida no processo legislativo e social.

Atualmente, conforme o Marco Civil da Internet, as big techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos impróprios em caso de decisão judicial.

Em caso de aprovação do PL, as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem em crimes já tipificados na lei brasileira, sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, estímulo à remoção de discursos legítimos, resultando, possivelmente, em um bloqueio excessivo e uma nova forma velada de censura. Entende-se, portanto, que a linha tênue entre a benevolência no dever de proteção do ambiente público e o exagerado amontoado de entraves às plataformas digitais carrega, obviamente, diversas controvérsias. O consenso da necessidade de atitudes para conter a disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e mensagens criminosas, bem como o do uso indiscriminado dos dados pessoais dos usuários pode e deve ser alinhado, com observância ao cumprimento da legislação já vigente e sua utilização de acordo com os parâmetros em construção.

– André Garcia Filho

Multa imposta pela Receita Federal em pedido de compensação não homologado é declarada inconstitucional

Em sessão virtual encerrada no dia 17/03/23, o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 796.939/RS (Tema 736 da Repercussão Geral) e declarou inconstitucional a multa isolada de 50%, aplicada pela RFB sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.

Como é sabido, o Código Tributário Nacional estabelece ao contribuinte que apurar crédito relativo a tributo administrado pela RFB o direito de utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou a vencer, no prazo de cinco anos contados do recolhimento indevido.

Como regra geral na esfera federal, esse procedimento tem como marco inicial a apresentação do PER/DCOMP à RFB, que, após análise, terá cinco anos para homologar o pedido ou formalizará o indeferimento da restituição ou a não homologação da compensação efetuada.

Quando a compensação não era homologada, a Receita Federal estava autorizada a exigir do contribuinte uma multa isolada de 50%, calculada sobre o débito que originou a compensação não homologada, com acréscimo de juros (Artigo 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96).

Após anos de discussão acerca da ilegalidade da multa nesses casos, cuja manutenção vinha criando riscos financeiros ao contribuinte que agiu de boa-fé ao apurar indébito e proceder com a compensação dos valores, finalmente o STF pacificou a matéria para fixar a seguinte tese: “É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

A partir de então, caso o contribuinte não obtenha êxito na homologação de compensações, a RFB apenas poderá aplicar a multa moratória, a ser fixada em patamar máximo de 20% (Art. 61, caput e §2º, da Lei 9.430/96).

De igual forma, o precedente deverá ser aplicado a todos os casos que versem sobre a matéria, bem como poderá ser utilizado como fundamento para a restituição dos valores pagos indevidamente pelos contribuintes nos últimos cinco anos.

– Letícia Gibson

Home care: O custeio dos insumos indispensáveis ao tratamento se limita ao valor diário da internação hospitalar (STJ)

A expressão home care significa “atendimento domiciliar”. Trata-se na verdade de uma internação realizada na casa do paciente, onde o objetivo é dar continuidade ao tratamento realizado em ambiente hospitalar. Normalmente, é indicado para pessoas que passaram por longos períodos de internamento hospitalar, funcionando como um meio de aproximação do tratamento com a família e reduzindo o risco de infecção hospitalar.

A prestação deste serviço é regulada pela Resolução Normativa nº 465/2021 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece que caso a operadora de saúde ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, deverá obedecer às exigências da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitário e ao previsto no artigo 12, inciso II da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Importante destacar que o fornecimento do referido serviço deve cumprir o disposto na Resolução 1.668/03 do Conselho Federal de Medicina que faz a previsão expressa de quais são os profissionais de saúde que devem compor a equipe de atendimento multidisciplinar.

Dessa forma, no dia 14/02/2023, a 3ª Turma do STJ, ao julgar qual seria a extensão dos insumos do home care que deveriam ser custeados pelas operadoras de saúde, decidiu que os referidos insumos devem ser norteados pela prescrição médica e limitados ao custo diário de uma internação hospitalar.

A partir desse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o Recurso Especial nº 2.017.759/MS, que fora interposto por uma idosa que sofre de tetraplegia, para reformar a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) que embora exigisse a prestação do tratamento domiciliar, dispensava a operadora de fornecer diversos insumos, uma vez que tais itens seriam particulares e não encontravam respaldo contratual.

Em primeiro grau, a Sentença obrigou a operadora, no âmbito da internação domiciliar, a fornecer nutrição enteral, bomba de infusão, consultas ou sessões de fisioterapia e de fonoterapia, conforme a indicação médica. A decisão, entretanto, não impôs ao plano de saúde a obrigação de arcar com fraldas geriátricas, mobílias específicas, luvas e outros itens que o julgador considerou de “esfera unicamente particular”.

Em sede de Apelação, o TJMS negou o pedido de inclusão dos insumos. Além de reforçar o caráter particular desses materiais, o Tribunal salientou que a falta de especificação contratual não dava amparo legal para responsabilizar a operadora pelo fornecimento de tais itens.

Contudo, ao analisar o referido Recurso Especial, a relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a jurisprudência do STJ considera abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar. Para ela, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário, inclusive aqueles que receberia se estivesse no hospital.

Segundo a ministra, a adoção de procedimento diferente representaria o “desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio” e comprometeria seus benefícios.

Ainda de acordo com a ministra, as exigências mínimas para internações previstas na referida lei se aplicam ao caso e incluem a cobertura de despesas de honorários médicos, serviços gerais de enfermagem, alimentação, fornecimento de medicamentos, transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia e de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, conforme previsto na prescrição médica. E limitado o custo do atendimento domiciliar por dia ao custo diário de uma internação hospitalar. Por todo o exposto, percebe-se que todos os atores envolvidos na internação domiciliar de um paciente devem estar atentos ao que foi decidido pelo STJ, pois apesar de garantir aos pacientes a inclusão de insumos indispensáveis ao tratamento domiciliar, expôs a necessidade de: 1) ser a referida internação domiciliar uma alternativa à internação hospitalar, e não uma escolha do paciente; 2) a necessidade de tais insumos estarem correlatos ao tratamento do paciente e constarem na prescrição do médico assistente; e, 3) o custeio diário da internação domiciliar pelas operadoras de plano de saúde ficar limitado ao valor diário da internação hospitalar.

– Caio Santana

ANPD – DOSIMETRIA E APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Desde a entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709), em setembro de 2020, e, embora, desde então, já existam diversas demandas judiciais com base na nova legislação, a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) vem se estruturando e preparando o terreno para, de fato, garantir seu cumprimento no Brasil. Por ser fruto de uma discussão muito recente no cenário nacional, bem como diante da ausência da cultura de proteção de dados no país, surge o questionamento: como irá a ANPD auxiliar neste estágio inicial de adaptação através de suas diretrizes e sanções?

A LGPD visa nortear o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, moeda da economia digital e, cuja proteção foi incluída no rol de garantias fundamentais pela Emenda Constitucional nº 115. Nos últimos meses, a ANPD publicou o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, bem como divulgou a primeira lista de processos sancionatórios em curso, últimos passos preparatórios à fiscalização e implementação prática da lei.

 A agência reguladora vem manifestando-se de acordo com a transparência e o diálogo necessários para o aculturamento, a regulamentação e a fiscalização a serem implementadas, por meio da participação em diversos Workshops, seminários online, abertura de consultas públicas e publicações de resoluções, notas técnicas e guias regulatórios em seu site. A aplicação das sanções administrativas, portanto, é apenas uma das ferramentas à disposição da ANPD, que, em alinhamento ao artigo 52 da LGPD, bem como ao Regulamento de Dosimetria publicado, configura o estágio final de correção de conduta indesejada.

Restam previstas a aplicação das penalidades de Advertência, multa proporcional, publicização da infração apurada, bloqueio/eliminação dos dados pessoais objeto da infração, suspensão parcial do funcionamento do banco de dados/do serviço ou da atividade empresarial e até a suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais.

Para a aplicação efetiva dessas sanções, a dosimetria leva em consideração a gravidade e a natureza da infração, os danos causados aos titulares dos dados, a vantagem auferida/pretendida, a reincidência e, também, o porte econômico do infrator, visando garantir a proporcionalidade da penalidade de acordo com o caso concreto e suas particularidades.

Cediço que a ANPD levará em conta as medidas adotadas pela empresa com fim de corrigir as irregularidades e mitigar os danos causados aos titulares dos dados, sob a lógica de incentivos ao regulado, observando-se as condutas atenuantes para embasar os percentuais de multa, por exemplo, tendo em mente o caráter educativo e punitivo da sanção.

Quanto aos agentes já investigados, a lista de processos publicada, que consta apenas com procedimentos em estágio posterior ao despacho sancionador, revela o parâmetro inicial que servirá de base para futuros entendimentos jurisprudenciais, inicialmente conflitantes. Dos 8 agentes regulados, 7 são entes/órgãos públicos, restando evidente a intenção da ANPD em dar o exemplo com base no Estado, maior colecionador de dados pessoais de massa e patente modelo e garantidor no tocante às condutas de tratamento de dados.

 Importante visualizar que, 5 das ocorrências tratam sobre o não atendimento à requisição ou determinação da ANPD, outras 4, em respeito à ausência de comunicação do incidente ao dono dos dados, e, as demais 4, à ausência de medidas de segurança durante o tratamento dos dados.

Enquanto ainda não há, de fato, nenhuma condenação e aplicação de sanções administrativas, cabe aos agentes rumar à adequação e observar o cumprimento do previamente acordado e publicizado pela agência, a fim de que seja instituído um ambiente saudável e promotor da proteção de dados. A perspectiva, portanto, é de que a ANPD, por meio de suas diretrizes, notas técnicas, guias e, quando necessário, sanções, promova o aculturamento do ambiente de proteção de dados nacional, reforce a segurança jurídica quanto ao tema e estabeleça a estrutura viável aos entes brasileiros, públicos ou privados, no sentido favorável à economia global e padrões internacionais, nesta fase de estruturação e adaptação à nova lei.

– André Garcia

Provimento 141/2023 do CNJ. Simplificação do Processo de Reconhecimento de União Estável

No último dia 21, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou o Provimento 141/2023, que regulamenta a união estável perante o Registro Civil, alterando o Provimento 37/2014 para adequá-lo à Lei 14.382/2022.

O ato trata do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável perante o Registro Civil, bem como dispõe sobre a alteração do regime de bens na união estável e a sua conversão extrajudicial em casamento.

Entre seus considerandos, elenca a “necessidade de facilitar aos companheiros a declaração da existência de união estável, a sua conversão em casamento e de se esclarecer os efeitos pessoais e patrimoniais dela decorrentes, bem como a sua dissolução, e, acima de tudo, tornar fácil a localização dessas declarações para fins da respectiva comprovação”.

Neste propósito de desjudicialização e desburocratização, traz algumas novidades, merecendo destaque a inclusão de capítulos específicos que versam sobre o procedimento para o registro da união estável, a alteração do regime de bens em união estável e a conversão da união estável em casamento perante o Registro Civil.

Quanto ao registro, trouxe a possibilidade da elaboração de uma nova espécie de instrumento público, o chamado termo declaratório, passível de registro junto ao cartório de Registro Civil e que passa a coexistir com as figuras já existentes, a exemplo das escrituras públicas declaratórias de reconhecimento, que são lavradas no tabelionato de notas.

Possibilita, ainda, que sejam realizados perante o registrador civil a alteração do regime de bens da união estável e o procedimento de certificação eletrônica, que tem por escopo a comprovação do tempo de duração da união, indicando-se a data do início da convivência e da sua efetiva dissolução.

No que tange à conversão extrajudicial da união estável em casamento, pontua que esta modalidade não é obrigatória, sendo possível a conversão na seara judicial.

Ainda sobre a conversão, segundo o Provimento 141/2023, a mudança implica na manutenção do regime de bens que vigorava anteriormente à conversão.

Acaso se pretenda adotar novo regime, necessário apresentar pacto antenupcial, salvo na hipótese em que o novo regime for o de comunhão parcial de bens, situação que demandará apenas declaração expressa dos companheiros formalizando esta opção.

Por fim, ressalta-se que, no caso de dissolução da união estável, o ato exige a assistência dos companheiros por advogado ou defensor público, o que também ocorre quando houver requerimento de alteração de regime de bens com proposta de partilha, dada a complexidade que estas disposições podem alcançar.

– Amanda Figueirôa