Publicado Decreto Nº 56.586/2024 que dispõe sobre o procedimento de dispensa eletrônica no Estado de Pernambuco

No último dia 09 de maio foi publicado decreto que regulamentou a dispensa eletrônica para a contratação de obras, bens e serviços, que trata o artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, no âmbito do Poder Executivo Estadual.

O normativo foi publicado sob a justificativa da necessidade de regulamentação dos procedimentos licitatórios internos no que tange à dispensa de licitação prevista na Lei Federal nº 14.133, bem como para instituir procedimento eletrônico com vistas a aperfeiçoar o controle administrativo e gerencial dessas contratações, conferindo maior celeridade e transparência, nas contratações realizadas pelo Poder Executivo do Estado de Pernambuco.

As dispensas deverão ser realizadas por meio de sistema eletrônico oficial, observando-se a segurança por meio de recursos de criptografia manutenção da integração com o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP e com a Plataforma +Brasil.

Cumpre destacar que o artigo 6º do decreto dispõe sobre os documentos necessários para realização do procedimento da dispensa eletrônica.

Art. 6º O procedimento de dispensa eletrônica de que trata este decreto será instruído em sistema eletrônico oficial, no mínimo, com os seguintes documentos:

 I – solicitação de contratação, acompanhada do documento de formalização da demanda (DFD), quando for o caso;

II – estudo técnico preliminar (ETP) e análise de riscos, quando for o caso;

III – termo de referência (TR), projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso, em observância às disposições do Decreto nº 53.384, de 22 de agosto de 2022, ou do Decreto nº 54.884, de 20 de junho de 2023;

IV – minuta do termo de contrato ou de instrumento equivalente, bem como da ata de registro de preços, se for o caso;

V – ato de designação dos agentes públicos responsáveis;

VI – estimativa da despesa;

VII – previsão de recursos orçamentários compatíveis com o compromisso a ser assumido;

VIII – proposta final da pessoa física ou jurídica a ser contratada;

IX – razões de escolha do contratado, com base nas propostas recebidas;

X – comprovação de que a pessoa física ou jurídica a ser contratada preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária; XI – justificativa do preço a ser contratado, nos termos do art. 14;

XII – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos; e XIII – autorização da autoridade competente.

Dessa forma, toda a administração pública no âmbito do Poder Executivo do Estado de Pernambuco, compreendendo os órgãos da Administração Pública direta, os fundos especiais, as fundações públicas e as autarquias deverão seguir os ritos procedimentais elencados no Decreto nº 56.586, de 8 de maio 2024.


Por: Camila Soares

Decisão do CNJ restringe o número de autorizados a constituir alienação fiduciária de imóveis através de instrumento particular

A alienação fiduciária é uma das garantias reais mais seguras, motivo pelo qual é amplamente adotada pelas instituições que fazem parte do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), bem como pelas Cooperativas de Crédito e pelas Administradoras de Consórcio de Imóveis. Entre particulares, também é viável, contudo, a sua formalização deve ser feita por meio de instrumento público.

Esse foi o entendimento adotado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 05 de junho de 2024, que modificou o Código de Normas Nacional, através do Provimento nº 172/2024, incluindo uma previsão explícita sobre o assunto. Antes dessa decisão definitiva do CNJ, havia divergências interpretativas entre os Estados. Em Minas Gerais, por exemplo, a alienação fiduciária entre particulares só poderia ser feita por meio escritura pública, enquanto em São Paulo era permitida por meio de instrumento particular.

Dessa forma, a possibilidade de formalizar a alienação fiduciária, por instrumento particular, passou a ser exclusiva para os participantes do SFI e do SFH, bem como para as Cooperativas de Crédito e para as Administradoras de Consórcio de Imóveis. Considerando que as exceções devem ser interpretadas de maneira restritiva, a regra geral é a utilização de escritura pública para transações imobiliárias que envolvam valores superiores a 30 salários mínimos.

A respeito desse tema, o CNJ já havia se pronunciado, em 09 de agosto de 2023, por meio do Procedimento de Controle Administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.0000, afirmando que a lavratura de escritura pública é indispensável para a realização de alienações fiduciárias por organizações que não integram o SFI e o SFH.

Vale destacar que a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP), através do Provimento nº 21/2024, estabeleceu que no Estado, os contratos de alienação fiduciária celebrados por instrumento particular, antes da vigência do Provimento nº 172/2024 do CNJ, serão admitidos com força de escritura pública, mesmo que formalizados por particulares.

Em linhas gerais, portanto, a consequência mais relevante dessa decisão do CNJ é o aumento considerável dos custos associados às transações e operações garantidas por alienação fiduciária. Além disso, os procedimentos necessários para a lavratura e registro de escrituras públicas tendem a ser mais burocráticos e demorados, mas argumenta o CNJ que dada decisão traz mais segurança jurídica para o setor imobiliário, além da uniformização da prática entre os tribunais estaduais.

Confira na íntegra a decisão: CN-CNJ. Pedido de Providências n. 0008242-69.2023.2.00.0000, Relator Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, julgada em 05/06/2024.

A importância do respeito ao sigilo médico

O sigilo profissional na relação médico-paciente não é apenas um pilar fundamental para a prestação de qualquer serviço de saúde, sendo também uma obrigação legal que todo profissional de saúde deve cumprir, aplicável a todas as informações obtidas em razão da função ou cargo que exerce.

No Código de Ética Médica, por exemplo, há um capítulo destinado exclusivamente ao tema do sigilo profissional, tamanha a sua importância, e no referido capítulo IX há a previsão expressa, no artigo 73, de que “é vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

Inclusive resta consignado ainda no Código de Ética Médica e na Resolução nº 1.605/2000 do CFM que a proibição da disponibilização das informações permanece i) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; ii) quando for prestar depoimento como testemunha, tendo que declarar o seu impedimento ao Juízo; e, iii) na investigação de suspeita de crime, quando o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Assim, para que seja possível a disponibilização das informações com segurança, deve o profissional de saúde se certificar de que existe a autorização expressa do paciente, ou de seus responsáveis legais em caso de menor; ou, quando houver necessidade da notificação compulsória de doenças transmissíveis com a comunicação realizada exclusivamente à autoridade competente.

Ademais, ratificando o que aqui se expõe, interessante citar as recentes decisões proferidas pelos tribunais pátrios onde foi reconhecida a nulidade das provas obtidas em ofensa ao sigilo médico, veja-se:

  • Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus (RHC 181.907/MG) para trancar ação penal contra uma mulher acusada de tentativa de aborto diante das provas obtidas mediante quebra de sigilo profissional entre médico e paciente.
  • Há também decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de condenar o profissional de saúde ao pagamento de indenização por dano moral em razão da disponibilização indevida das informações da saúde do paciente.

Nesse cenário, fica clara a necessidade de todos os profissionais de saúde permanecerem vigilantes quanto ao cuidado com as informações obtidas em razão de sua atividade, posto que a inobservância pode acarretar desde a responsabilidade civil ao pagamento de indenizações aos pacientes, como a denúncia aos Conselhos de Classe e ao Ministério Público, e aplicação de penas judiciais e administrativas.

TST valida uso de provas digitais de geolocalização para verificação de alegação de jornada extraordinária

Na última semana, a Subseção II Especializadas em Dissídios Individuais (SDI-II) proferiu decisão no sentido de deferir, por maioria, a utilização de prova digital de geolocalização no processo do trabalho em ações que versem sobre a realização (ou não) de jornada extraordinária.

A temática tem sido bastante discutida nos últimos anos por ser alvo de controvérsia em relação a sua violação (ou ausência dela) de princípios constitucionais ligados, principalmente, à privacidade e intimidade do empregado.

Contudo, é de se destacar que a partir da informatização do processo judicial, desde a implementação do PJE, bem como da sua brusca intensificação advinda da pandemia da COVID-19, a realidade processual no âmbito nacional vem sendo modificada, fazendo com que se torne ilógico que, com tantas mudanças, as relações trabalhistas e suas relativas regras estejam limitadas à interpretação dada pelo entendimento de legisladores contemporâneos da década de 40 de 80.

É incontestável a necessidade de que os preceitos Constitucionais e Trabalhistas grafados no século passado estejam alinhados à realidade contemporânea, na qual a utilização de mecanismo tecnológicos jamais se tornou algo intrínseco à realidade laboral da maior parte da população nacional. Assim, segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal, sendo consubstancial a sua utilização em demandas que versem sobre a realização de jornada extraordinária.

A ação trabalhista que seu ensejo à brilhante decisão foi ajuizada em 2019 por um bancário que laborou na Banco Santander por 33 anos e pedia o pagamento de horas extras. Em sua defesa, o banco afirmou que empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada, sendo a prova digital de geolocalização imprescindível para demonstrar se de fato estava ao menos nas dependências da empresa.

A necessidade de sua utilização traz um arcabouço probatório mais robusto ao processo, visto que, conforme bem pontuado pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues, “a prova testemunhal sempre foi onerosa e permeável a mentiras e falsidade e a tecnologia auxilia a resolver conflitos e atingir a verdade”.

Ainda em primeiro grau, o juiz determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão. O Tribunal Regional, por sua vez, cassou a decisão, mas, por maioria, o TST decidiu pela validade da utilização dos dados de geolocalização obtidos.

Em decisão, o Ministro reforçou a necessidade de “desenvolver sistemas e treinar magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa, para depois censurar a produção dessas mesmas provas, seria uma enorme incoerência”

O objetivo da utilização dessa prova no processo do trabalho apenas traz benefícios para demandas que tendem a ser exaustiva, ante a necessidade de, muitas vezes, ouvir-se as partes e testemunhas que trazem depoimentos conflitantes, recheados de pessoalidade e que, diante disso, apenas distanciam as decisões do objetivo real de um processo: a busca pela verdade real do fato.


Por: Pedro Rodrigues

TCU entende que o agente de contratação possui autonomia para desconsiderar lances inexequíveis durante disputa de preços em licitações

No último dia 15/05/2024, o Plenário do Tribunal de Contas da União proferiu o acórdão nº 948/2024 reconhecendo que em caso de identificação, de apresentação de lance manifestamente inexequível capaz de comprometer, restringir ou frustrar a competitividade do certame licitatório, pode o agente de contratação realizar, durante a disputa, a exclusão da oferta, a fim de manter a verdadeira disputa e na busca da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

O Acórdão possui como principal fundamento o artigo 21, §4º, da Instrução Normativa Seges/ME 73/2022, que dispõe:

Art. 21.  Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(…)

§ 4º O agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá, durante a disputa, como medida excepcional, excluir a proposta ou o lance que possa comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo do processo licitatório, mediante comunicação eletrônica automática via sistema.

(Grifos acrescidos)

Por um lado, o reconhecimento é um excelente precedente para as empresas que precisam enfrentar a simulada concorrência de licitantes em sessões que possuem como finalidade tão somente “mergulhar” o preço da disputa e prejudicar a verdadeira concorrência. Todavia, analisando-se por outra ótica, deve-se ter cautela nesse poder conferido ao agente de contratação, pois em certas ocasiões pode existir margem para desconsiderações de ofertas que, apesar de serem à primeira vista inexequíveis, na prática, são plenamente exequíveis, como acontece em licitações que envolvem o uso de tecnologias na prestação do serviço.

Portanto, é importante estar atento a esta segunda hipótese, devendo o licitante estar sempre ciente da redação do artigo 59, §2º, da Lei 14.133/2021[1], que impõe a condição de o administrador público realizar diligências para aferir a exequibilidade da proposta, o que induz que a discricionariedade conferida pelo TCU somente ocorra em casos de relevante percepção, sob pena de prejudicar o acesso à melhor proposta por parte do ente público contratante.


[1] Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

(…)

§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo

O Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos Discricionários: Limites e Princípios Fundamentais observados no julgamento do AREsp 1.806.617/DF pelo STJ

O ato administrativo emanado pelo Estado através de seus representantes, tem como imediata finalidade criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir direitos dos seus administrados. Como exemplos práticos de atos administrativos produzidos pelo Estado temos a demissão de funcionários públicos, a inabilitação de candidato em concurso público, a concessão de alvará de construção ou até mesmo a cobrança de multas.

Diante desse contexto, ao examinar os tipos de atos praticados pela Administração Pública, observa-se a distinção entre dois tipos de atos: os atos vinculados e os atos discricionários, cada um com efeitos jurídicos específicos. Enquanto no ato vinculado não há margem de liberdade na tomada de decisões ou ações em situações concretas, uma vez que a lei estabelece os requisitos do ato, afastando a liberdade de análise do agente público, no ato discricionário, a escolha é feita com base nos critérios de conveniência e oportunidade do Administrador, visando selecionar a melhor alternativa em prol do interesse público, seguindo um critério de mérito. 

Todavia, em que pese a Constituição Federal de 1988 estabeleça que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e autônomos para produzirem seus atos, admite-se interferência recíproca via controle externo, a fim de reprimir violações a princípios e abusos de poder.

Nesse cenário, é pertinente discorrer sobre a interpretação desenvolvida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir da análise do Agravo em Recurso Especial nº 1.806.617/DF. Segundo consta, o caso em questão envolveu a Administração Pública do Distrito Federal, que organizou um concurso público para o preenchimento de cargos de soldados. Entretanto, em determinado momento, um candidato, após ser aprovado nas fases iniciais, foi desclassificado na etapa de investigação social durante o Curso de Formação da Polícia.

Neste específico, o ato administrativo que impediu a participação do candidato na fase subsequente do certame ocorreu devido à menção, na ficha cadastral do candidato, do uso de drogas em 2011, quando o candidato tinha 19 anos de idade e estava envolvido em um processo criminal, que foi arquivado em 2012 devido à extinção da punibilidade. Logo, trata-se de um ato administrativo claramente descompassado da legalidade, uma vez que foi produzido sem observar a impessoalidade e o interesse público.

Diante desse contexto, ao analisar o caso, o STJ destacou que a discricionariedade administrativa não é imune ao controle judicial, especialmente diante da prática de atos que impliquem restrições a direitos dos administrados, como a eliminação de concurso público, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, seja a sua competência, finalidade ou forma, bem como a razoabilidade e proporcionalidade.

Inclusive, ao determinar a reintegração do candidato ao concurso, o colegiado considerou, entre outras razões, o fato de o candidato já estar exercendo um cargo no serviço público, o longo período decorrido desde seu contato com entorpecentes e sua aprovação na investigação social em outro concurso para a carreira policial no Estado do Maranhão.

Ainda, na avaliação do relator, o ministro Og Fernandes, impedir o candidato de prosseguir no certame, além de revelar uma postura contraditória da administração – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos seus quadros – acaba por aplicar uma sanção de caráter perpétuo, cristalinamente ilegal no Ordenamento Jurídico Brasileiro, conforme previsão legal no art. 5º, inciso XLVII, b, da Constituição Federal de 1988, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.

Assim, resta consignado, portanto, que o controle judicial dos atos administrativos, nas situações de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada, é uma ferramenta essencial para a manutenção do Estado Democrático de Direito, proporcionando ao administrado a oportunidade de buscar a revisão do mérito administrativo quando o exercício da competência discricionária viola princípios constitucionais.


Por: João Leite

Decisão da 3ª Turma do TST valida cláusula coletiva que estipulava a compensação da gratificação de função de um bancário com horas extras reconhecidas em ação trabalhista

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho validou a cláusula coletiva que estipulava a compensação da gratificação de função de um bancário com horas extras reconhecidas em ação trabalhista. O colegiado afirmou que a gratificação possui caráter salarial e ajustes sobre essa parcela são admissíveis mediante convenção ou acordo coletivo.

Isso foi possível porque a cláusula 11ª da Convenção Coletiva de Trabalho dos Bancários (2018/2020 e 2020/2022) permitia que, em situações em que horas extras além da sétima e oitavas horas de trabalho fossem reconhecidas judicialmente, a gratificação de função poderia ser utilizada para compensar os valores devidos.

Essa compensação está prevista em Convenção Coletiva, negociada pelos Sindicatos dos Bancários, e a cláusula coletiva que instituiu a gratificação é expressa ao vedar sua cumulação com as horas extras a qualquer título.

A questão da validade da cláusula 11 das Convenções Coletivas dos Bancários vem sendo objeto de muitos debates na Justiça do Trabalho. A referida norma coletiva estabelece que os empregados bancários que recebem a gratificação de função devem ter uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, dispondo, ainda, que, havendo decisão judicial que afaste o enquadramento de empregado na exceção prevista no § 2º do art. 224 da CLT, o valor devido relativo às horas extras e reflexos será integralmente deduzido/compensado com o valor da gratificação de função e reflexos pagos ao empregado.

O relator do Recurso de Revista interposto pelo trabalhador, Ministro José Roberto Pimenta, destacou que, conforme a Súmula 109 do TST, a compensação não é admitida, visto que a gratificação de função tem como finalidade remunerar a maior responsabilidade do cargo, e não o trabalho extraordinário realizado após a sexta hora.

Todavia, o Ministro recordou que o Supremo Tribunal Federal ratificou a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que restrinjam ou excluam direitos trabalhistas, desde que sejam respeitados os direitos absolutamente inegociáveis (Tema 1.046 de repercussão geral), validando a disposição normativa. Segundo o relator, o direito em questão não é considerado absolutamente inegociável e a compensação não implica na supressão de um direito garantido constitucionalmente. A decisão foi unânime.

É importante destacar que vários julgados já concluíram pela invalidade da regra, mantendo a aplicação da Súmula 109 do TST, porém, em sentido totalmente divergente, muitas outras decisões estão acolhendo a disposição normativa, com base na decisão do STF.


Por: Pedro Rodrigues

A relação entre a Lei Geral de Proteção de dados e o Direito Imobiliário

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada no Brasil em agosto de 2018, estabelece regras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais por empresas ou pessoas físicas, com penalidades para o não cumprimento da norma. Essa lei foi inspirada na legislação europeia, chamada de “General Data Protection Regulation” (GDPR).

A GDPR, por sua vez, foi criada após vazamento em massa de dados pessoais de usuários do Facebook, envolvidos no escândalo que vinculou o projeto Brexit e a empresa de dados Cambridge Analytica. No caso do Brasil, muitos usuários da internet e redes sociais consideravam a internet uma “terra sem lei”, onde poderiam falar o que quisessem, vazar dados e imagens particulares de outras pessoas sem autorização. A LGPD chegou para mudar essa cultura e criar proteção aos direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.

No setor imobiliário, a referida Lei trouxe importantes mudanças, impactando diretamente a forma como empresas lidam com informações pessoais de clientes, fornecedores e colaboradores. A LGPD exige que as empresas adotem medidas rigorosas para garantir a segurança e privacidade dos dados coletados durante transações imobiliárias, como compra, venda, locação, administração de imóveis etc.

As imobiliárias e corretores devem obter consentimento explícito dos clientes para coletar e processar seus dados pessoais, explicando claramente como serão utilizados. Além disso, é fundamental garantir a segurança dessas informações, adotando medidas de proteção adequadas para evitar vazamentos ou acesso não autorizado.

No contexto de transações imobiliárias, a LGPD também impacta a forma como as informações são compartilhadas entre as partes envolvidas, como compradores e vendedores, locadores e locatários. É necessário garantir que apenas dados estritamente necessários sejam compartilhados e que haja um cuidado especial ao transferir informações para terceiros, como empresas de financiamento ou seguradoras.

Ainda no âmbito imobiliário, os dados pessoais frequentemente coletados, armazenados ou processados incluem informações de identificação (como nome, CPF, RG, endereço, telefone e e-mail), dados financeiros (como renda, comprovante de renda e histórico de crédito) e informações sobre preferências imobiliárias, incluindo histórico de buscas e interesses específicos em imóveis. As imobiliárias também precisam seguir à risca as regras, a fim de estarem aptas para atuar de acordo com a lei e, também, para oferecer confiança aos clientes.

A LGPD estabelece penalidades severas para o descumprimento das normas de proteção de dados, incluindo multas que podem chegar a valores significativos. Portanto, é essencial que as empresas do setor imobiliário estejam em conformidade com a lei, implementando políticas e procedimentos robustos de proteção de dados e promovendo a conscientização sobre a importância da privacidade das informações pessoais no contexto imobiliário.

A prova dessa penalidade severa é que a primeira sentença aplicando a LGPD no Brasil envolveu o setor imobiliário. O autor da ação havia adquirido um imóvel com uma construtora e foi incomodado por ligações de parceiros da construtora oferecendo móveis planejados e outros serviços. Em 29 de setembro de 2020, a sentença foi proferida penalizando a construtora, grande empresa do setor imobiliário do país, por compartilhar indevidamente dados pessoais e contatos dos seus clientes.

Por fim, é de suma importância que essa sentença sirva de alerta para o setor imobiliário. Ainda há quem acredite que o vazamento de um telefone, ou um e-mail, sem autorização do cliente não vá trazer problemas, que apenas a divulgação de documento ou informações confidenciais poderia acarretar numa ação judicial aplicando a LGPD. Porém, sentenças como essa afirmam o contrário desse pensamento e certificam que o vazamento de qualquer dado pessoal, sem autorização do cliente, está infringindo a Lei Geral de Proteção de Dados.

Eleições 2024: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprova 12 Resoluções

Resolução nº 23.736 – Atos Gerais do Processo Eleitoral
Essa resolução define os procedimentos básicos do processo eleitoral de 2024, abrangendo desde os atos preparatórios até o fluxo de votação, fases de apuração, totalização dos votos e diplomação dos eleitos. Além disso, destaca-se a regulamentação da gratuidade do transporte coletivo urbano municipal e intermunicipal nos dias de votação.

Resolução nº 23.737 – Cronograma operacional no cadastro eleitoral
A norma aprovada destaca no seu artigo 2º, a priorização dos Tribunais Regionais Eleitorais na ampliação da identificação biométrica do eleitorado. Adicionalmente, eleitores e eleitoras que realizaram a biometria há mais de 10 anos só precisarão renovar seus dados se não os utilizarem pelo mesmo período para habilitação de voto. Ademais, outro ponto relevante abordado no texto é a atualização da data para o fechamento do cadastro eleitoral deste ano, fixada em 9 de maio, correspondendo a 150 dias antes das eleições.

Resolução nº 23.738 – Calendário Eleitoral
Esta resolução apresenta as principais datas do processo eleitoral de 2024, as quais devem ser observadas por partidos políticos, candidaturas, eleitorado e pela Justiça Eleitoral.

Resolução nº 23.727 – Pesquisas eleitorais
Esta norma traz modificações à Resolução TSE 23.600/2019 e estipula que a empresa ou instituto responsável pela pesquisa deve encaminhar um relatório detalhado com os resultados, incluindo a data da coleta dos dados, tamanho da amostra, margem de erro máxima estimada, nível de confiabilidade, público-alvo, fonte de dados secundária para a construção da amostra, abordagem metodológica e fonte de financiamento. Essa medida visa aprimorar a transparência da metodologia adotada bem como estabelece que o controle judicial sobre as pesquisas só ocorre mediante solicitação do Ministério Público Eleitoral, de partido político, federação, coligação, candidata ou candidato, respeitando os limites da legislação vigente.

Resolução nº 23.730 – Distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
A norma recém-aprovada introduz modificações na Resolução TSE nº 23.605/2019, a qual delineia diretrizes gerais para a gestão e distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Nesse contexto, a principal proposta de alteração destaca-se na divulgação, por parte dos partidos, dos valores recebidos do FEFC e dos critérios adotados para a distribuição desses recursos nas campanhas eleitorais, promovendo maior transparência por meio da disponibilização dessas informações em suas páginas eletrônicas.

Resolução 23.729 – Registro de Candidaturas
A Resolução em comento promove alterações na Resolução TSE 23.609/2019, e versa sobre a escolha e o registro de candidaturas para as Eleições de 2024, bem como estabelece medidas para um controle efetivo na destinação de recursos a candidaturas negras. Destaca-se, ainda, a ênfase na necessidade de equidade de gênero nas eleições proporcionais, demandando que as listas apresentadas por federações e partidos políticos incluam, no mínimo, uma pessoa de cada gênero. Além disso, prevê a coleta de dados pessoais sobre a etnia indígena, pertencimento a comunidade quilombola e identidade de gênero.

Resolução 23. 732 – Propaganda Eleitoral
Traz importantes novidades, como  a proteção à liberdade de expressão de artistas e influenciadores, trazendo a possibilidade de divulgação de posição política em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas naturais na internet, esclarecendo-se, ainda, cuidar-se de manifestação voluntária e gratuita e encarecendo-se ser vedada a contratação ou a remuneração daquelas pessoas com a finalidade específica de divulgar conteúdo político-eleitorais em favor de terceiros. Ademais, apresenta medidas regulatórias para o emprego da inteligência artificial em cenários eleitorais, enfatizando a proibição categórica do uso de deepfakes, a limitação na utilização de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha, bem como a obrigatoriedade de rótulos identificadores em conteúdo sintético multimídia.

Resolução nº 23.733 – Representações, Reclamações e direito de resposta
Esta norma promoveu alterações na Resolução-TSE nº 23.608, datada de 18 de dezembro de 2019, a qual trata de representações, reclamações e solicitações de direito de resposta conforme estabelecido pela Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, no contexto eleitoral. A proposta aprovada entendeu pelo cabimento de reclamações administrativas eleitorais contra ato de poder de polícia que contrarie ou exorbite decisões do TSE sobre a remoção de conteúdos desinformativos que comprometam a integridade do processo eleitoral. Além disso, estipulou o prazo de 3 (três) dias para interposição de Recurso contra a decisão monocrática da relatora ou do relator e para oposição de embargos de declaração em face do acórdão do Plenário.

Resolução nº 23.735 – Ilícitos eleitorais
A resolução específica sobre os ilícitos eleitorais é uma novidade para as eleições de 2024. O texto aprovado aborda, entre os temas destacados, elementos caracterizadores de fraude à lei e à cota de gênero; uso abusivo de aplicações digitais de mensagens instantâneas; limites para o uso de cômodo de residência oficial na realização de lives; abuso da estrutura empresarial para constranger ou coagir funcionários em busca de vantagem eleitoral; e sistematização do tratamento da publicidade institucional vedada.

Resolução nº 23.728 – Fiscalização do sistema eletrônico de votação
O texto expande o alcance do Teste de Integridade com Biometria para um maior número de capitais, abordando simultaneamente melhorias logísticas e aprimoramento da representatividade regional no processo de teste.

Resolução nº 23.731 – Prestação de contas eleitorais
Essa norma promove ajustes na resolução TSE nº 23.607/2019, que trata da arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos, assim como da prestação de contas durante as eleições. Ainda, a referida Resolução destaca que todas as chaves PIX estão autorizadas para realizar doações, ampliando as opções de contribuição. Adicionalmente, aduz que para despesas relacionadas a combustíveis em carreatas, a campanha deverá comunicar à Justiça Eleitoral com 24 horas de antecedência. Por fim, descreve que em caso de renúncia explícita à candidatura ou indeferimento do registro pela Justiça Eleitoral, é obrigatória a prestação de contas pelo candidato, abrangendo o período em que participou do processo eleitoral, mesmo se não realizou campanha.

Resolução nº 23.734- Sistemas Eleitorais
Dentre as inovações trazidas por esta norma, destaca-se a previsão de que os Tribunais Regionais Eleitorais informem prontamente ao TSE sobre qualquer reprocessamento que modifique a composição da Câmara dos Deputados. Isso visa permitir o recálculo do tempo destinado à propaganda partidária, das cotas do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Adicionalmente, são fornecidas orientações relacionadas ao uso do nome social.


Por: João Leite

Possibilidade da redução da jornada de trabalho para empregados com filho portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Os indivíduos portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) sofrem de alterações físicas e funcionais no cérebro, com distúrbios no neurodesenvolvimento que ocasionam resultados diretos nas manifestações motora, da linguagem e no comportamento, que podem ser tratados de inúmeras maneiras.

A atuação da família e profissionais como fonoaudiólogo, fisioterapeutas, psicólogos e pedagogos, desempenham fundamental estímulo para o desenvolvimento de habilidades de socialização e integração social, impactando na alteração do prognóstico do paciente, bem como sua constante evolução e melhoria.

De seu lado, o Direito do Trabalho, na qualidade de ciência jurídica, tenta basilar suas decisões com o intuito de que sejam considerados os aspectos relevantes para o aumento de ações de acessibilidade, inclusão e apoio às pessoas com (TEA).

O Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais instituído pela Lei n° 8.112/90, prevê horário especial a pessoas com cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sendo certo que a Lei Berenice Piana (12.764/12) equiparou a pessoa com TEA à indivíduos com deficiência, para todos os efeitos legais.

A disposição contida no artigo 98, §§ 2º e 3º, do regime jurídico da referida norma, vem sendo aplicada analogicamente para os demais trabalhadores, inclusive os vinculados ao regime celetista, bem como o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou tese sobre a ampliação dos efeitos dessa norma aos servidores estaduais e municipais (Recurso Extraordinário 1237867 – Tema 1097), reconhecendo a eles o direito à redução das horas de trabalho sem redução de remuneração, caso tenham filho ou dependente com deficiência.

Relativamente aos trabalhadores que respondem às regras estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda não há entendimentos generalizáveis e vinculantes sobre a referida redução de jornada, nem tampouco norma que regulamente referido. Entretanto, são inúmeras as decisões, tanto no Tribunal Superior do Trabalho (TST), quanto nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT’s), apoiando-se em interpretação sistemática e aplicação analógica para concessão do direito em comento aos celetistas.

Os Ministros da 8ª Turma do TST, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0000533-36.2019.5.09.0965, envolvendo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e o pai de criança com diagnóstico de TEA, empregado público celetista, negaram provimento por unanimidade, ao Agravo de Instrumento em Recurso de Revista interposto pela empresa, que recorreu da decisão do TRT da 12ª Região que deferiu ao trabalhador a redução de jornada (50%), sem diminuição salarial para que o autor acompanhe sua filha nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento.

A relatora do acórdão, Ministra Delaíde Miranda Arantes, destacou que a constitucionalização do Direito Administrativo possibilita o uso da analogia como integrador de lacunas normativas ao regime jurídico aplicável ao trabalhador, suscitando ainda os valores e princípios constitucionais.

A ministra afirmou que a proteção desse grupo encontra ampla abrangência no arcabouço normativo pátrio, sintetizada no caráter de direito fundamental de que é dotada a respectiva tutela, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5 º, § 3 º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009 “.

Para o Direito do Trabalho contemporâneo, aqueles regidos pela CLT e responsáveis por pessoas com TEA, devido a inexistência de norma infraconstitucional específica que verse sobre a redução de jornada, no âmbito do Poder Judiciário é preciso fazer uso da interpretação sistemática e analógica como forma imperativa na resolução das lides.

Dito disto, cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses discordantes entre às empresas e os empregados responsáveis por indivíduos diagnosticados com TEA, encontrando uma medida razoável entre eles, possibilitando que, por exemplo, a criança tenha acompanhamento nas atividades multidisciplinares que contribuem para seu desenvolvimento, sem os cuidadores serem empurrados para fora do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que tal circunstância não proporcione ônus não suportável para a empresa. É um desafio concreto do Direito contemporâneo. Na temática sobre a redução da jornada de trabalho para empregados com filho portador do TEA, é preciso o exame da exequibilidade e repercussões econômicas e sociais das decisões pelos magistrados brasileiros, levando em consideração as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil,  (como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência), a Constituição da República e as leis ordinárias, hierarquicamente, com o intuito de resguardar a garantia dos direitos fundamentais de cada cidadão.


Por: Gabriela Azoubel