Gestão de afastados por incapacidade: prevenção contra encargos tributários, cíveis e trabalhistas

Um dos maiores transtornos que os empregadores enfrentam no Brasil é o trato com os colaboradores que precisam se afastar por incapacidade laborativa, na modalidade comum ou acidentária. Diversas são as repercussões negativas que podem ocorrer em decorrência de um afastamento, as quais podem levar a empresa a arcar com o ônus de encargos tributários, cíveis e, na maioria das vezes, trabalhistas.

O baixo índice de funcionários afastados é reflexo de uma implementação eficiente de programa de segurança e saúde no trabalho. No entanto, infortúnios são inevitáveis havendo a necessidade, em algum momento, do afastamento empregatício por incapacidade laborativa, sobretudo, diante das situações incapacitantes que não guardam relação com o desempenho da função.

Em decorrência de uma má-gestão, ou da ausência dela, uma empresa pode ser condenada a arcar com ônus tributários, cíveis ou trabalhistas. Independente da natureza jurídica, todas as possibilidades ensejam em custos para a organização, que precisará ressarcir alguém ou o próprio INSS, além de pagar tributos.

Gerir os colaboradores afastados não demanda tão somente uma atuação do RH da empresa, no que tange à gestão de pessoal, como também exige uma atuação jurídica criteriosa. O trato com a legislação previdenciária a qual é ampla, diversa e diariamente atualizada, além da legislação tributária e trabalhista é uma das expertises esperadas do profissional encarregado da gestão dos afastados de uma organização.

A gerência inicia no momento da apresentação do atestado médico ou ocorrência de acidente do trabalho com o colaborador. A análise dos documentos essenciais do empregado e da empresa para, em casos de acidentes ou doenças ocupacionais indevidamente concedidos, contestar o nexo de causalidade atribuído pelo perito do INSS possibilita afastar, quando for o caso, benefícios de natureza acidentária indevidamente concedidos aos colaboradores, o que pode diminuir o impacto tributário no momento do resultado da alíquota do Fator Acidentário Previdenciário (FAP).

Além disso, o acompanhamento dos benefícios ativos na via administrativa é uma das modalidades de gestão, esse controle possibilita a metrificação do desempenho da empresa quanto à segurança e saúde no trabalho, podendo ser utilizado como parâmetro para a implementação de melhorias, a partir da identificação dos problemas existentes, visando a preservação do acontecimento de novos acidentes.

A implementação de uma gestão eficaz de afastados por incapacidade laborativa tem a capacidade de reduzir o absenteísmo, fortalecer a base de dados de documentos da empresa para ser utilizada nos mais diversos desdobramentos legais, diminuir a alíquota do FAP e, consequentemente, o tributo a ser pago referente ao fator, além de diminuir os custos dos eventos de médio e longo prazo. Dessa maneira, a gestão preventiva desempenha um papel crucial na prevenção da empresa contra as repercussões negativas que podem decorrer das concessões de benefícios acidentários. Ao investir em um trabalho prévio de organização, condução e orientação na relação entre empresa e empregado, sobretudo nas situações de afastamento por incapacidade, é possível reduzir ou até extinguir custos futuros com condenações judiciais por negligência patronal. A adoção de medidas preventivas não apenas previne danos, mas também evita altas despesas com reparação.


Por: Ana Letícia Franco

Falta de provas sobre nexo causal impede caracterização da Covid-19 como doença ocupacional

Em recente decisão a 17ª Turma do TRT da 2ª Região manteve a sentença que negou o pedido de danos morais e materiais à família de operador portuário falecido em decorrência da infecção em razão da ausência de nexo causal comprovado, não havendo que se falar em doença ocupacional.

A ausência de comprovação do nexo causal entre a contaminação por Covid-19 e as atividades laborais do trabalhador impede que a doença seja caracterizada como ocupacional. Essa decisão tem grande relevância para empresas, uma vez que estabelece parâmetros claros para a responsabilidade trabalhista em relação à pandemia.

O artigo 20 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a doença ocupacional é equiparada ao acidente do trabalho quando adquirida em razão das condições do trabalho. Contudo, para tal reconhecimento, é imprescindível comprovar o nexo causal entre a enfermidade e as atividades realizadas no ambiente laboral.

No presente caso, a esposa e os filhos do trabalhador pleiteavam indenização em razão da morte do trabalhador, sob o argumento de que ele pertencia ao grupo de risco e que contraiu a Covid-19 no ambiente de trabalho, porém não anexaram provas suficientes aos autos. 

Em sede de defesa, a empresa empregadora produziu provas robustas, a exemplo do depoimento da médica do trabalho que revelou que o autor havia jantado com a mãe, infectada pela Covid-19, dias antes do obreiro apresentar sintomas. Ainda, nos dias seguintes, o obreiro esteve de folga, o que aumentou as chances de contaminação fora da empresa. E, apenas quando retornou ao trabalho, percebeu os primeiros sintomas e foi afastado no mesmo dia, ainda sem ter realizado o teste que comprovaria a infecção.

A produção de provas é uma etapa fundamental no curso de uma reclamação trabalhista, principalmente em casos com a alegação de acidente de trabalho. Sendo o ônus da prova de comprovar o nexo causal da parte autora, que não comprovou de forma robusta o vínculo direto entre a exposição no ambiente de trabalho e a contaminação pelo vírus.

O nexo causal é elemento indispensável para a caracterização do acidente de trabalho, incluindo lesão corporal, perda ou redução da capacidade para o trabalho ou morte, desde que a causa tenha sido decorrente do ambiente de trabalho. Ou seja, não comprovada a ocorrência de nexo causal ou concausa entre quadro clínico do trabalhador e a atividade exercida por força do contrato de emprego, resta indevida a pretensão de indenização por dano moral e pensão vitalícia por doença ocupacional.

A decisão é favorável para as empresas, especialmente aquelas que adotaram medidas preventivas para garantir a segurança de seus colaboradores e de seus clientes durante a pandemia, não podendo as empresas serem responsabilizadas pelos comportamentos de seus funcionários fora do estabelecimento de trabalho.  

Este julgamento reafirma a necessidade do equilíbrio entre os direitos do trabalhador e a segurança jurídica para as empresas, sendo de suma importância que as empresas continuem firmando o compromisso com a saúde e segurança no ambiente laboral, implementando políticas eficazes e mantendo registradas todas as ações tomadas em prol da segurança de seus funcionários.


Por: Danívia Souza

O que diz a PEC que propõe o fim da escala 6×1 e implementação da escala de 4×3

Recentemente, passou a ser debatida no Plenário da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para  redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1. A iniciativa para estabelecer o fim da escala 6×1 surge a partir de reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, como a petição pública do movimento Vida Além do Trabalho, liderado por Ricardo Azevedo, recém-eleito como vereador pelo PSol-RJ, e apadrinhado pela deputada federal Erika Hilton (PSol-SP). 

Em 1° de maio de 2024, a parlamentar Erika Hilton protocolou uma PEC que visa pôr fim à escala 6×1 e propõe a redução na jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas semanais, com a escala de 4×3.

A Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que a jornada de trabalho dos funcionários não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, sendo facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Embora a discussão envolva acabar com a escala 6×1, a proposta apresentada pela parlamentar regula a jornada e não os dias da semana, propondo alterar a redação da Constituição Federal para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, mantendo o limite atual de 8 horas diárias.

De acordo com a emenda ao texto constitucional, o inciso XIII do art. 7° passaria a vigorar com a seguinte redação:

“Art.7°XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR)

Na escala 6×1, o funcionário trabalha por 6 dias consecutivos e, em seguida, tem 1 dia de folga, geralmente aos domingos. E, a partir da implementação da nova jornada apresentada pela PEC, o trabalhador passaria a trabalhar por 4 dias consecutivos e, em seguida, folgar 3 dias, incluindo os finais de semana.

A extinção da escala 6×1 propõe a substituição por regimes que garantam intervalos de descanso mais frequentes e flexíveis, o que poderia beneficiar a saúde e bem-estar dos empregados, visando respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, garantido pela Constituição Federal.

A iniciativa é fundamentada em estudos recentes que indicam que jornadas extensas estão associadas a diversos problemas de saúde, como estresse, ansiedade, fadiga e doenças ocupacionais. Além disso, a flexibilização das escalas pode permitir maior tempo de lazer, estudo e convivência familiar.

No âmbito empresarial, a implementação da nova jornada de trabalho pode gerar novos desafios financeiros e operacionais, vez que implica em custos adicionais, como a contratação de mais funcionários para manter a produtividade e dinâmica de cada setor.

Os países que implementaram as jornadas reduzidas, como Bélgica, Inglaterra e Alemanha, observaram os impactos positivos na saúde pública e na satisfação geral do mercado de trabalho.

A discussão sobre a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 no Brasil é complexa e exige um diálogo amplo entre o governo, as empresas e os sindicatos, sendo de suma importância que a proposta seja analisada sob uma ótica de equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e a viabilidade econômica para os empregadores.

Atualmente, enfrenta resistência de parlamentares e críticas de economistas e empregadores, contudo, já reúne 231 assinaturas dos deputados, ultrapassando o mínimo necessário para iniciar o trâmite no Congresso Nacional.

A PEC precisará passar por diversas etapas legislativas antes de se tornar uma realidade, sendo inicialmente analisada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), responsável por avaliar a admissibilidade da proposta. Depois, passará por comissões especiais, que discutirão o mérito e possíveis alterações do texto, e também passará por audiências públicas, onde sindicatos, associações e especialistas serão ouvidos para enriquecer o debate e fornecer subsídios para os congressistas decidirem.

Após a análise nas comissões, a PEC seguirá para plenário da Câmara dos Deputados, onde os deputados votarão. Se aprovada, a proposta seguirá para o Senado Federal, onde passará por um processo semelhante. E, caso aprovada de forma definitiva nas duas Casas, sem modificações ou após a resolução das alterações, ela será promulgada.


Por: Danívia Souza

Venda de imóvel em inventário pode ser realizada por escritura pública, sem autorização judicial, de acordo com a Resolução nº 571/2024 do CNJ

A Resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trouxe uma mudança relevante ao permitir a venda de imóveis em inventário sem a necessidade de autorização judicial. Antes dessa alteração, qualquer alienação de imóvel exigia a obtenção do alvará judicial, após análise do juiz responsável, o que tornava o processo mais burocrático.  Agora, com a nova regra, a venda pode ser feita diretamente por escritura pública, desde que sejam cumpridas algumas condições previstas no Art. 11-A da Resolução, que visam garantir a conformidade do procedimento e a proteção dos direitos dos herdeiros. São elas:

  • Discriminação das despesas do inventário: é necessário listar todas as despesas do processo, incluindo impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos de cartório e outros custos necessários à conclusão do inventário;
  • Vinculação do preço ao pagamento das despesas: parte ou todo o valor obtido com a venda do imóvel deve ser destinado ao pagamento das despesas mencionadas no item anterior;
  • Ausência de indisponibilidade dos bens dos herdeiros ou cônjuge: não pode haver restrições judiciais que impeçam a alienação dos bens, sejam dos herdeiros ou do cônjuge sobrevivente;
  • Apresentação das guias de impostos de transmissão: o inventariante deve apresentar todas as guias de impostos de transmissão devidas, com seus valores específicos, demonstrando que os tributos foram devidamente pagos;
  • Estimativa dos emolumentos notariais e registrais: a escritura deve incluir uma estimativa dos custos relacionados aos emolumentos notariais e registrais, indicando quais cartórios forneceram os orçamentos para esses serviços; e
  • Prestação de garantia pelo inventariante: o inventariante deve oferecer uma garantia, seja real ou fidejussória, para assegurar que o valor obtido com a venda será utilizado no pagamento das despesas do inventário.

De acordo com os parágrafos adicionais do Art. 11-A da Resolução, ainda, o pagamento das despesas do inventário, como impostos, honorários e emolumentos, deve ser feito em até um ano após a venda do imóvel do espólio, embora esse prazo possa ser reduzido por acordo entre as partes. Após a quitação dessas despesas, a garantia prestada pelo inventariante, seja real ou fidejussória, é extinta. Em que pese o imóvel vendido antes da partilha não faça mais parte da divisão de bens, ele deve ser registrado no inventário para fins de cálculo das cotas dos herdeiros e impostos devidos, sendo a venda formalmente reconhecida no processo, garantindo a transparência e a regularidade do espólio.

Destaca-se, também, que embora a venda sem alvará seja possível, a autorização judicial continua sendo uma alternativa importante, especialmente em casos de disputas entre os herdeiros. A alienação sem o alvará só pode ocorrer com a concordância unânime de todos os herdeiros. Considerando os pontos acima, portanto, fica claro que a Resolução moderniza o processo sucessório, tornando a venda de bens em inventário mais ágil, segura e com menos custos, ao mesmo tempo em que mantém a intervenção judicial quando necessário para garantir a transparência e a segurança do processo.

Julgamento do Artigo 19 do Marco Civil da Internet é Retomado pelo STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no dia 4 de dezembro de 2024, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.037.396, em que discute a constitucionalidade do artigo 19 da Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet. O caso está sendo analisado conjuntamente com o Recurso Extraordinário nº 1.057.258, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, que deverá apresentar seu voto na próxima quarta-feira, 11 de dezembro de 2024.

No Recurso Extraordinário 1.037.396 (Tema 987 da repercussão geral, com relatoria de Toffoli), é discutida a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ele exige o descumprimento de ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização do provedor pelos danos decorrentes de atos praticados por terceiros — ou seja, as publicações feitas por usuários. O caso concreto é o de um perfil falso criado no Facebook.

Já no Recurso Extraordinário 1.057.258 (Tema 533 da repercussão geral, com relatoria do ministro Luiz Fux), é discutida a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários, assim como a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos a partir de notificações extrajudiciais. O caso trata de decisão que obrigou o Google a apagar uma comunidade do Orkut.

O artigo 19, no intuito de preservar a liberdade de expressão e impedir a censura, estabelece que as plataformas digitais somente devem ser responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros se, após ordem judicial específica, não forem adotadas as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em sentido contrário.

De acordo com o Ministro Dias Toffoli, o presente artigo corrobora para imunização das redes sociais e plataformas digitais ao estabelecer que a responsabilização só pode ocorrer após o descumprimento de decisão judicial. Afirmou que essa regra permite que conteúdos prejudiciais permaneçam na internet, causando danos irreparáveis, e defendeu que as mesmas leis aplicadas no mundo físico também sejam válidas no ambiente digital.

Por um lado, há o argumento de que o artigo visa proteger a liberdade de expressão ao evitar que plataformas se tornem mecanismos de censura, prevenindo remoções arbitrárias de conteúdos e garantindo o debate público e, em sentido contrário, há quem defenda que a manutenção da regra dificultaria a responsabilização de provedores em razão de danos causados por conteúdos ilícitos, tais como discursos de ódio, “fake news” e até mesmo crimes contra a honra.

A lógica do artigo 19 consiste no equilíbrio entre a liberdade de expressão e responsabilidade. Em vez de dar às plataformas poder irrestrito de decidir o que permanece online ou não, exige uma ordem judicial para que a remoção seja feita. A ideia é que um juiz, como figura imparcial, decida se determinado conteúdo realmente viola a lei.

Caso o artigo 19 seja declarado inconstitucional, a principal consequência consiste no aumento da responsabilidade das plataformas digitais sobre os conteúdos publicados por terceiros. Isso poderia levar a um comportamento de “censura preventiva”, em que as empresas, para evitar litígios e responsabilidades, removam conteúdos de forma indiscriminada, mesmo sem uma análise criteriosa sobre sua legalidade. Essa prática teria um efeito direto na liberdade de expressão, resultando na limitação do debate público e na retirada de conteúdos legítimos por simples precaução.

Outro efeito preocupante é a criação de um ambiente de incerteza jurídica para as empresas que operam no Brasil. Sem o respaldo de uma norma que estabelece critérios claros para a responsabilização, as plataformas poderiam enfrentar uma avalanche de ações judiciais, muitas vezes contraditórias. Isso não apenas dificultaria o cumprimento de suas funções, mas também poderia desestimular investimentos em inovação e tecnologia no país, prejudicando o ecossistema digital como um todo.

Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade beneficia vítimas de abusos, como difamações e violações de privacidade, ao permitir uma resposta mais ágil e efetiva contra conteúdos lesivos. Atualmente, a exigência de uma ordem judicial muitas vezes retarda a solução do problema, prolongando os danos sofridos pelas vítimas. Sem essa limitação, as plataformas seriam compelidas a agir de maneira mais célere e proativa.

O desafio, no entanto, consiste em encontrar um equilíbrio entre esses interesses conflitantes. A inexistência de critérios claros para a remoção de conteúdos pode gerar arbitrariedades e violações de direitos fundamentais, tanto por parte das plataformas quanto pelo risco de judicialização excessiva.

Durante a sessão, o Ministro Dias Toffoli, continuou a leitura de seu voto, iniciado em 28 de novembro, afirmando que o modelo de responsabilidade previsto no artigo 19 é inconstitucional, pois não oferece proteção efetiva aos direitos fundamentais no ambiente virtual e não está apto a enfrentar os riscos sistêmicos surgidos com as novas tecnologias e modelos de negócios.

O ministro destacou que a norma confere uma espécie de imunidade às plataformas digitais, que só podem ser responsabilizadas se descumprirem uma ordem judicial para retirada de conteúdo. Ele argumentou que essa configuração acoberta a violência digital e que a responsabilização é um mecanismo importante para desestimular condutas ilícitas.

Toffoli também mencionou que diversos ataques a escolas e à democracia foram previamente anunciados em redes sociais ou em grupos públicos de mensagens, sem que os serviços tomassem medidas para bloqueá-los. Ele sugeriu que, caso seu entendimento prevaleça, a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros seja baseada no artigo 21 do Marco Civil, que prevê a retirada de conteúdo após simples notificação, especialmente em casos de divulgação não autorizada de imagens íntimas.

O julgamento foi suspenso e retomado em 5 de dezembro de 2024, com a continuação do voto do ministro Dias Toffoli, oportunidade em que votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Em razão do julgamento conjunto com o RE 1057258, de relatoria do Ministro Luiz Fux, atualmente aguarda-se a apresentação do voto que tratará de questões complementares relacionadas à aplicação do dispositivo. O julgamento conjunto foi decidido para garantir uniformidade no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade das plataformas digitais e os limites da moderação de conteúdo.

Os próximos passos incluem a manifestação dos demais ministros do colegiado, que deverão votar para formar a maioria quanto à constitucionalidade ou não do dispositivo. O resultado terá impactos diretos na regulação das plataformas digitais, na proteção de direitos fundamentais como liberdade de expressão e privacidade, e no combate à disseminação de conteúdos ilícitos na internet.

A decisão do STF poderá também servir como parâmetro para o futuro desenvolvimento legislativo sobre o tema, influenciando debates nacionais e internacionais sobre regulação de plataformas e responsabilidade de provedores de internet.


Por: Beatriz Vinesof

Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) decide por manter a decisão do juízo de primeiro grau que garante a licença maternidade para cada mãe de um casal homoafetivo

Em recente decisão a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia manteve a decisão da 37ª Vara do Trabalho de Salvador, concedendo o benefício da licença maternidade à mãe não gestora de casal homoafetivo.

A decisão se pauta no entendimento de que o nascimento de uma criança em uma família formada por um casal homoafetivo garante os mesmos direitos e deveres de qualquer outro casal, tendo em vista que a união estável e o casamento homoafetivos são legalmente reconhecidos, o que legitima a maternidade de ambas.  A decisão segue o entendimento de que a licença-maternidade não se limita à recuperação do parto, mas visa também o fortalecimento do vínculo afetivo com a criança.

A questão decidida é um avanço importante no reconhecimento dos direitos das famílias homoafetivas e na promoção da igualdade no ambiente de trabalho.

A concessão da licença maternidade para as duas mães reforça o princípio constitucional da igualdade, consagrado no inciso I do artigo 5º da Constituição Federal, o qual garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”

A decisão se alinha ao conceito contemporâneo de família, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que não se limita ao modelo tradicional, tendo em vista que abrange todas as formas de uniões familiares, incluindo as homoafetivas. A família contemporânea alcança uma grande diversidade de configurações e papéis, definido principalmente por relações de afeto e convivência.

O instituto da licença maternidade tem como objetivo principal a proteção tanto da mãe quanto do recém-nascido, visando proporcionar condições adequadas para o cuidado e o desenvolvimento do bebê, sem qualquer tipo de discriminação com base na orientação sexual. Desse modo, a decisão do Tribunal do Trabalho manifesta a interpretação dos direitos trabalhistas à luz de uma perspectiva inclusiva, valorizando a dignidade humana e reforçando a necessidade de assegurar proteção social às mães, sem distinções.

No presente caso, o posicionamento da empresa em negar o pedido da mãe não gestante, sob o argumento de que não há previsão legal para o caso e que a licença-maternidade seria concedida apenas à esposa que gestou é tido como retrocesso à luta contra a discriminação e a promoção da igualdade de direitos no ambiente de trabalho.

A decisão da empresa é contrária ao entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, o qual decidiu em 13 de março de 2024 que a mãe não gestante em união estável homoafetiva tem direito à licença maternidade (Recurso Extraordinário – RE 1.211.446 – Proc. 1028794-78.2017.8.26.0564). O ministro Luiz Fux, relator do processo, afirmou que deve ser garantido o cumprimento constitucional de proteção à criança, mesmo que não esteja expresso na lei. 

Do mesmo modo, a desembargadora Ana Paola Diniz, relatora do recurso do TRT-BA, decidiu por manter a decisão do juízo de primeiro grau, a qual tomou como direcionamento as decisões do Supremo Tribunal Federal e o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

A relatora destacou que conceder a licença maternidade apenas à mãe que gestou, quando ambas podem amamentar, cria uma distinção de direitos baseada em questões biológicas, o que gera uma desigualdade jurídica e desconsidera a proteção à maternidade da outra mãe. Ainda, reforçou que ser uma mulher lésbica não implica no reconhecimento de uma identidade de gênero masculina, destacando que cada caso deve ser avaliado individualmente, sem estereótipos, sendo inaceitável uma interpretação limitada dos direitos de casais homoafetivos.

É fundamental que o Direito do Trabalho continue evoluindo para acompanhar as transformações sociais e garantir a proteção adequada a todos os trabalhadores, respeitando a diversidade das estruturas familiares e evitando qualquer tipo de discriminação. A decisão da 2ª turma do TRT-BA é um marco que poderá servir como precedente para outras decisões no país, garantindo que todos, independentemente de sua orientação sexual, possam usufruir plenamente dos direitos previstos em lei.


Por: Danívia Souza

Atualização no Código Civil Alinha Correção Monetária ao IPCA e Juros à Taxa SELIC

A Lei nº 14.905/2024 trouxe uma mudança significativa para a padronização da aplicação de correção monetária, estabelecendo o IPCA como índice oficial de correção monetária e a taxa SELIC como parâmetro para os juros de mora em casos de inadimplemento, quando não houver acordo específico entre as partes. Essas alterações visam consolidar parâmetros uniformes para os cálculos, substituindo disposições genéricas que anteriormente geravam divergências de interpretação.

Antes da nova lei, o art. 406 do Código Civil mencionava apenas a taxa de juros vigente para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, sendo interpretado como 1% ao mês ou 12% ao ano, segundo o art. 161, §1º do Código Tributário Nacional e enunciado da I Jornada de Direito Civil. No entanto, o STJ vinha discutindo a adoção da taxa SELIC como índice de juros, promovendo um cenário de incerteza jurídica.

Com a modificação, o art. 406 do Código Civil agora define expressamente a SELIC como taxa legal de juros, buscando pacificar o entendimento e oferecer uma referência mais clara para os casos de mora. Além disso, o parágrafo único do art. 389, também alterado pela lei, estabelece o IPCA como índice de correção monetária aplicável quando não houver previsão contratual.

Essa padronização dos índices para juros e correção monetária proporciona maior previsibilidade às partes e aos operadores do direito, com efeitos sobre as obrigações constituídas a partir de setembro de 2024.

Por fim, em atenção à determinação da lei que direcionou ao Banco Central a obrigação de criar um sistema específico para o cálculo dos juros legais, em 29/08/2024, o BACEN editou a resolução nº 5.171, a qual estabeleceu que a Taxa Legal será calculada mensalmente, considerando os fatores da taxa Selic e do IPCA-15 do mês anterior ao de referência. Além disso, o Banco Central disponibilizou uma ferramenta interativa que permite ao público simular o uso da taxa de juros legal em situações cotidianas, a qual pode ser acessada em: https://www.bcb.gov.br/meubc/calculadoradocidadao.


Por: Mayara Morais

Capacitação Para Utilização da Inteligência Artificial na 1ª Região e Acordo de cooperação no STF

Recentemente, a Justiça Federal da 1ª Região concluiu a primeira capacitação do Projeto de Inteligência Artificial, visando a formação de servidores e magistrados para o uso eficaz dessa tecnologia. Essa iniciativa é um passo importante para a modernização do Judiciário, pois a IA pode ajudar na análise de processos, na identificação de precedentes e na otimização da distribuição de tarefas. No entanto, é fundamental que essa capacitação seja acompanhada por uma reflexão ética e jurídica sobre como a IA deve ser utilizada.

Em recente pronunciamento sobre o tema, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou as inovações e desafios que a inteligência artificial traz para o Judiciário. Em sua fala, ressaltou que a tecnologia deve ser um instrumento a serviço da justiça, mas que, para isso, é necessário enfrentar questões como a imparcialidade dos algoritmos, a segurança dos dados e a proteção dos direitos dos cidadãos. O uso de IA não deve resultar em decisões automáticas que desconsiderem a complexidade das relações humanas e jurídicas.

Outro exemplo relevante é o acordo firmado entre o STF e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), que busca compartilhar o desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial. Essa colaboração é uma demonstração clara de que o Judiciário está buscando soluções inovadoras para melhorar seus serviços, não sendo coerente fomentar resistência ao uso da ferramenta.

No entanto, ao considerar que a inteligência artificial possui um potencial significativo para transformar o Poder Judiciário, tornando-o mais ágil e eficiente não se pode renunciar à garantia de que essa transformação ocorra de forma responsável, com um olhar atento aos desafios éticos e jurídicos envolvidos. A implementação de sistemas de IA deve ser acompanhada de um monitoramento contínuo para evitar possíveis vieses e garantir que a tecnologia contribua para um sistema judiciário mais justo e acessível. Cientes de que a adesão a essa nova ferramenta é um caminho sem volta, a capacitação dos profissionais, o debate sobre a ética na tecnologia, a colaboração entre diferentes órgãos judiciais e a atuação de todos os operadores de direito no acompanhamento das mudanças serão fundamentais para que a IA cumpra seu papel de facilitadora da justiça, sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos.

Portaria do MPor define procedimentos para solução consensual de controvérsias em arrendamentos portuários e concessões

No dia 20 de setembro de 2024, foi publicada pelo Ministério de Portos e Aeroportos – MPOR a Portaria nº 443, de 19 de setembro de 2024, que definiu os requisitos e os procedimentos para possibilitar a solução consensual de controvérsias e a prevenção de conflitos em contratos de concessão e arrendamento portuário sob sua competência.

Conforme determina a Portaria, a adoção do procedimento poderá ser solicitada pelos representantes legais das empresas concessionárias ou arrendatárias e, também, pelos dirigentes máximos das agências reguladoras vinculadas ao Ministério.

Para que a medida seja possível, é necessário o preenchimento de dois requisitos principais: e alta complexidade da matéria envolvida e a vantajosidade para a Administração em um possível acordo.

Conforme o artigo 5º, a vantajosidade em questão se caracteriza a partir da presença de um dos seguintes elementos objetivos: otimização dos deveres relacionados aos investimentos; modernização regulatória do instrumento celebrado; necessidade de alteração do contrato para aderência a política pública do setor; existência de cenários alternativos, como caducidade e relicitação, e seus entraves; ou aderência ao Acórdão TCU nº 1.593/2023-Plenário.

Vale salientar que, se a solução consensual que se pretende for capaz de comprometer as balizas estabelecidas no processo licitatório do qual se originou a contratação, deverá existir o aceite prévio do interessado em relação à submissão do caso a procedimento competitivo de mercado.

Após a submissão do pedido ao MPOR, será avaliado, no prazo de 60 dias, o preenchimento ou não dos requisitos de admissibilidade – observando-se, na avaliação destes pedidos a ordem cronológica de protocolo. Entendendo-se pela admissibilidade, o requerimento será encaminhado ao Tribunal de Contas da União e, no âmbito deste, serão buscadas as soluções consensuais.

Com a tramitação do procedimento de modo favorável, a realização de acordo será possível desde que haja, ainda, a renúncia a todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais existentes relacionados às controvérsias tratadas e, também, a concordância com a instauração automática de caducidade em caso de descumprimento dos termos do ajuste consensual, renunciando-se expressamente ao prazo de correção de falhas previsto na Lei nº 8.977/1995 (Lei das Concessões).

Além disso, a utilização de outros meios e instâncias de solução alternativas de conflitos permanecem facultadas ao Ministério, a exemplo dos procedimentos existentes perante a Advocacia-Geral da União e as Agências Reguladoras.

Assim, o procedimento trazido pela Portaria, além de não obstar a utilização das demais alternativas existentes para a solução de conflitos, reflete a atual tendência de estímulo às tratativas consensuais entre o Poder Público e os particulares que com ele se relacionam – cada vez mais necessárias, sobretudo, em contratos de longo prazo e alta complexidade como os arrendamentos portuários e as concessões.


Por: Luísa Soares e Jamille Santos

Planos de saúde não são obrigados a cobrir exames pedidos por nutricionistas

No dia 09/08/2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7552 para, por maioria, julgar como inconstitucional a Lei do Estado de Alagoas nº 8.880/2023 que obrigava as operadoras de planos de saúde ao custeio de exames laboratoriais solicitados por nutricionistas.

A ADI nº 7552 foi proposta pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG) onde se arguiu que a competência para legislar acerca da matéria era da União, que o tema já seria tratado na Lei federal 9.656/1998, que regulamenta o setor, e por regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Assim, em acolhimento aos referidos argumentos, o Plenário do STF reconheceu a inconstitucionalidade da norma estadual alagoana, ao entender que leis estaduais com a referida previsão invadem a competência privativa da União para legislar sobre direito civil e política de seguros.

Por fim, convém ainda assinalar que em seu voto o ministro relator Luiz Fux asseverou a existência de precedente anterior que também declarou a inconstitucionalidade de lei estadual do Rio Grande do Norte, a qual fazia previsão semelhante à norma alagoana que estava sob julgamento. Assim, em nome da segurança jurídica, caberia a aplicação do precedente ao presente julgamento.

Dessa maneira, considerando ser matéria de competência exclusiva da União restou reiterado o precedente no sentido de que Leis Estaduais que obriguem as operadoras de planos de saúde ao custeio de exames laboratoriais solicitados por nutricionistas serão julgadas inconstitucionais quando submetidas ao crivo do STF.