Eleições 2024: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprova 12 Resoluções

Resolução nº 23.736 – Atos Gerais do Processo Eleitoral
Essa resolução define os procedimentos básicos do processo eleitoral de 2024, abrangendo desde os atos preparatórios até o fluxo de votação, fases de apuração, totalização dos votos e diplomação dos eleitos. Além disso, destaca-se a regulamentação da gratuidade do transporte coletivo urbano municipal e intermunicipal nos dias de votação.

Resolução nº 23.737 – Cronograma operacional no cadastro eleitoral
A norma aprovada destaca no seu artigo 2º, a priorização dos Tribunais Regionais Eleitorais na ampliação da identificação biométrica do eleitorado. Adicionalmente, eleitores e eleitoras que realizaram a biometria há mais de 10 anos só precisarão renovar seus dados se não os utilizarem pelo mesmo período para habilitação de voto. Ademais, outro ponto relevante abordado no texto é a atualização da data para o fechamento do cadastro eleitoral deste ano, fixada em 9 de maio, correspondendo a 150 dias antes das eleições.

Resolução nº 23.738 – Calendário Eleitoral
Esta resolução apresenta as principais datas do processo eleitoral de 2024, as quais devem ser observadas por partidos políticos, candidaturas, eleitorado e pela Justiça Eleitoral.

Resolução nº 23.727 – Pesquisas eleitorais
Esta norma traz modificações à Resolução TSE 23.600/2019 e estipula que a empresa ou instituto responsável pela pesquisa deve encaminhar um relatório detalhado com os resultados, incluindo a data da coleta dos dados, tamanho da amostra, margem de erro máxima estimada, nível de confiabilidade, público-alvo, fonte de dados secundária para a construção da amostra, abordagem metodológica e fonte de financiamento. Essa medida visa aprimorar a transparência da metodologia adotada bem como estabelece que o controle judicial sobre as pesquisas só ocorre mediante solicitação do Ministério Público Eleitoral, de partido político, federação, coligação, candidata ou candidato, respeitando os limites da legislação vigente.

Resolução nº 23.730 – Distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
A norma recém-aprovada introduz modificações na Resolução TSE nº 23.605/2019, a qual delineia diretrizes gerais para a gestão e distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Nesse contexto, a principal proposta de alteração destaca-se na divulgação, por parte dos partidos, dos valores recebidos do FEFC e dos critérios adotados para a distribuição desses recursos nas campanhas eleitorais, promovendo maior transparência por meio da disponibilização dessas informações em suas páginas eletrônicas.

Resolução 23.729 – Registro de Candidaturas
A Resolução em comento promove alterações na Resolução TSE 23.609/2019, e versa sobre a escolha e o registro de candidaturas para as Eleições de 2024, bem como estabelece medidas para um controle efetivo na destinação de recursos a candidaturas negras. Destaca-se, ainda, a ênfase na necessidade de equidade de gênero nas eleições proporcionais, demandando que as listas apresentadas por federações e partidos políticos incluam, no mínimo, uma pessoa de cada gênero. Além disso, prevê a coleta de dados pessoais sobre a etnia indígena, pertencimento a comunidade quilombola e identidade de gênero.

Resolução 23. 732 – Propaganda Eleitoral
Traz importantes novidades, como  a proteção à liberdade de expressão de artistas e influenciadores, trazendo a possibilidade de divulgação de posição política em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas naturais na internet, esclarecendo-se, ainda, cuidar-se de manifestação voluntária e gratuita e encarecendo-se ser vedada a contratação ou a remuneração daquelas pessoas com a finalidade específica de divulgar conteúdo político-eleitorais em favor de terceiros. Ademais, apresenta medidas regulatórias para o emprego da inteligência artificial em cenários eleitorais, enfatizando a proibição categórica do uso de deepfakes, a limitação na utilização de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha, bem como a obrigatoriedade de rótulos identificadores em conteúdo sintético multimídia.

Resolução nº 23.733 – Representações, Reclamações e direito de resposta
Esta norma promoveu alterações na Resolução-TSE nº 23.608, datada de 18 de dezembro de 2019, a qual trata de representações, reclamações e solicitações de direito de resposta conforme estabelecido pela Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, no contexto eleitoral. A proposta aprovada entendeu pelo cabimento de reclamações administrativas eleitorais contra ato de poder de polícia que contrarie ou exorbite decisões do TSE sobre a remoção de conteúdos desinformativos que comprometam a integridade do processo eleitoral. Além disso, estipulou o prazo de 3 (três) dias para interposição de Recurso contra a decisão monocrática da relatora ou do relator e para oposição de embargos de declaração em face do acórdão do Plenário.

Resolução nº 23.735 – Ilícitos eleitorais
A resolução específica sobre os ilícitos eleitorais é uma novidade para as eleições de 2024. O texto aprovado aborda, entre os temas destacados, elementos caracterizadores de fraude à lei e à cota de gênero; uso abusivo de aplicações digitais de mensagens instantâneas; limites para o uso de cômodo de residência oficial na realização de lives; abuso da estrutura empresarial para constranger ou coagir funcionários em busca de vantagem eleitoral; e sistematização do tratamento da publicidade institucional vedada.

Resolução nº 23.728 – Fiscalização do sistema eletrônico de votação
O texto expande o alcance do Teste de Integridade com Biometria para um maior número de capitais, abordando simultaneamente melhorias logísticas e aprimoramento da representatividade regional no processo de teste.

Resolução nº 23.731 – Prestação de contas eleitorais
Essa norma promove ajustes na resolução TSE nº 23.607/2019, que trata da arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos, assim como da prestação de contas durante as eleições. Ainda, a referida Resolução destaca que todas as chaves PIX estão autorizadas para realizar doações, ampliando as opções de contribuição. Adicionalmente, aduz que para despesas relacionadas a combustíveis em carreatas, a campanha deverá comunicar à Justiça Eleitoral com 24 horas de antecedência. Por fim, descreve que em caso de renúncia explícita à candidatura ou indeferimento do registro pela Justiça Eleitoral, é obrigatória a prestação de contas pelo candidato, abrangendo o período em que participou do processo eleitoral, mesmo se não realizou campanha.

Resolução nº 23.734- Sistemas Eleitorais
Dentre as inovações trazidas por esta norma, destaca-se a previsão de que os Tribunais Regionais Eleitorais informem prontamente ao TSE sobre qualquer reprocessamento que modifique a composição da Câmara dos Deputados. Isso visa permitir o recálculo do tempo destinado à propaganda partidária, das cotas do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Adicionalmente, são fornecidas orientações relacionadas ao uso do nome social.


Por: João Leite

Contrato de trabalho marítimo e a importância da repatriação à luz da Convenção do Trabalho Marítimo (MLC-2006)

As regras essenciais que norteiam o direito laboral estão inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que em seus artigos 442 e 443 prevê que o contrato de trabalho pode ser tácito ou expresso.

Sendo que, para a gente do mar, que exerce seu labor de forma confinada a bordo de navio, é conveniente o estabelecimento de regramento específico, por se tratar de categoria diferenciada dadas as peculiaridades desta atividade.

No entanto, sobre o trabalho marítimo a CLT, em seus artigos 248 a 252, se limita, em linhas gerais, a trazer disposições sobre a jornada de trabalho destes profissionais, fazendo com que este tipo de contrato de trabalho se socorra de outras fontes para sua regulamentação, mormente diante do alcance internacional que podem ter diante de navegação de longo curso, aquela realizada entre portos brasileiros e estrangeiros.

Entre as várias fontes que balizam o contrato de trabalho marítimo há as normas coletivas, normas regulamentadoras (NRs) expedidas pelo Ministério do Trabalho e as convenções internacionais, com destaque à MLC-2006, criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a finalidade, sobretudo, de resguardar a segurança da gente do mar.

Apesar da sua criação em 2006, o Brasil apenas ratificou esta convenção em 2020, com sua entrada em vigor no país em 07/05/2021. Posteriormente, a Portaria MTP nº 3.802/2022 passou a regulamentar as disposições da MLC-2006.

Ao revés do que consta na CLT em relação aos contratos de trabalho comuns, o contrato de trabalho marítimo, seguindo as diretrizes da MLC-2006, deve ser celebrado de forma escrita e constar uma cópia deste documento em inglês que deve ser disponibilizada a bordo do navio onde o trabalhador preste serviço.

Neste cenário, o contrato de trabalho marítimo deve conter (i) cláusula que qualifique o armador (pessoa física ou jurídica que apresta a embarcação para fins comerciais), e descrição da (ii) função, (iii) valor do salário, (iv) indicação do prazo do contrato (prazo determinado ou indeterminado), (v) montante de férias anuais, (vi) benefícios de saúde e previdência, (vii) norma coletiva aplicável e (viii) direito de repatriação.

Dando ênfase ao direito de repatriação, o que se busca é garantir o retorno do trabalhador marítimo ao seu local de origem sem cobrança de custos adicionais em caso de rescisão do contrato de trabalho em território estrangeiro ou de falta de condições de trabalho.

Esta garantia financeira é de responsabilidade do armador advertindo a MLC-2006 que “se um armador não adoptar as medidas necessárias para o repatriamento de um marítimo que a ele [repatriamento] tenha direito, ou se não assumir os respectivos custos a autoridade competente do Estado da bandeira [do navio]deve organizar o repatriamento e se este não o fizer, o Estado a partir de cujo território o marítimo deve ser repatriado ou o Estado de que é nacional podem organizar o repatriamento e recuperar os custos junto do Estado da bandeira”.

Seguindo estas premissas, o contrato de trabalho marítimo se reveste de maior segurança para as partes convenentes.

Extensão da Regra de Impenhorabilidade de Caderneta de Poupança

O Código de Processo Civil é expresso em seu artigo 833, inciso X, ao afirmar que a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos não pode ser penhorada.

Tal regra de impenhorabilidade foi inserida pelos legisladores, com o claro intuito de garantia do mínimo existencial da pessoa física, estritamente relacionado com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ou seja, o mínimo valor financeiro que possa dar garantia de saúde, alimentação, educação para si e para sua família.

No entanto, em que pese a regra aparentemente estrita do CPC, no recente julgamento do Recursos Especiais 1.660.671 e 1.677.144, a corte especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que esse limite pode ser estendido à conta corrente ou qualquer outra modalidade de aplicação financeira.

Nos recursos supramencionados a Fazenda Nacional defendia a tese de que a impenhorabilidade prevista no CPC seria restritiva, tendo aplicação apenas aos recursos depositados em poupança. O julgamento teve início em 2019, quando o Ministro Herman Benjamin seguiu a tese da Fazenda Pública, no entanto, na ocasião, o Ministro Luis Felipe Salomão divergiu do relator, ao entender que a proteção independe da natureza da conta em que os valores estão depositados, devendo ser observado a finalidade da proteção legal.

Ao retomar o julgamento em 2024, o Ministro Herman Benjamin retificou seu voto e declarou que a impenhorabilidade se aplica de forma automática aos valores em poupança, porém, caso haja bloqueio de valores em conta corrente ou outros investimentos pelo Bacenjud, é possível estender a regra com a comprovação da natureza dos recursos.

Sendo assim, nas palavras do relator: “Se a medida de bloqueio/penhora judicial por meio físico ou eletrônico atingir dinheiro mantido em conta corrente ou qualquer outra aplicação financeira, poderá, eventualmente, a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento”. Chegou-se, por fim, à conclusão de que, desde que comprovado pela parte atingida pelo ato constritivo que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial, independe a modalidade da conta onde os valores estão depositados.

Pequenas impressões sobre a Nova Reforma na Lei de Recuperação Judicial e Falência

Quem atua com Recuperação Judicial e Falências vem acompanhando a tramitação, em regime de urgência, do Projeto de Lei nº 03/2024, que propõe alterações na Lei nº 11.101/2005 (LRF), recentemente modificada.

O PL quer ampliar a participação dos credores nos processos de Recuperação Judicial e Falências, visando elevar a taxa de recuperação de créditos e mitigar os riscos aos envolvidos. O texto está em análise na Câmara dos Deputados e sequer foi acompanhado de uma minuciosa exposição dos seus motivos, a justificar além da sua tramitação em regime de urgência, a pertinência da reforma e das escolhas feitas no projeto.

Caso aprovado, o novo PL pode trazer profundas modificações no funcionamento do procedimento falimentar e, em especial, na dinâmica entre os credores e na tutela do crédito.

Segundo o Governo Federal, autor do PL, a proposta deverá conferir celeridade à tomada de decisões nos processos de Falência, facilitando o acesso às informações empresariais e modernizando a governança, transformando a Falência em um processo de liquidação negociada dos ativos do devedor, aproveitando-se “da experiência do processo de Recuperação Judicial atualmente em vigor.”

Dentre outros pontos, o PL modifica a assembleia geral de credores, permitindo a nomeação de um gestor no processo de liquidação de ativos e de pagamento aos interessados, em substituição à figura do Administrador Judicial da Falência.

Em relação à transparência das informações, o texto do PL prevê a divulgação, pela internet, de um plano com as principais etapas do processo de Falência. Entre outros pontos, esse documento deverá informar sobre:

  • a gestão dos recursos financeiros da massa falida;
  • a venda dos ativos;
  • as providências em relação aos processos judiciais ou administrativos em andamento;
  • o pagamento dos passivos; e,
  • a eventual contratação de profissionais, empresas especializadas ou avaliadores.

Interessante perceber que a solução apresentada pelo PL para aprimorar o processo falimentar, permitindo que os maiores credores escolham o gestor da massa falida, e definam os rumos do processo, assemelha-se à solução já existente na antiga Lei de Falências (o DL n° 7.661/45), que não teve qualquer sucesso. Estaríamos diante de um retrocesso legislativo?

De toda forma, a Lei n° 14.112, de 24/12/2020, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e de Falências (LRF), promoveu inúmeras e profundas inovações ao procedimento falimentar, munindo-o com institutos que visam a torná-lo mais célere. Porém, muitas delas ainda não tiveram tempo suficiente para serem percebidas e medidas pela comunidade jurídica, a fim de verificar o seu impacto, benéfico ou não, ao processo falimentar, como por exemplo, o prazo do fresh start instituído pela reformade 03 (três) anos (artigo 158, V, da LRF), que somente poderá começar a ser aferido após o ano de 2024.

Ou seja, os estudos existentes que apontam a demora na tramitação da Falência são anteriores ao ano de 2020, inexistindo estudo específico atual para aferir o seu impacto, razão pela qual não há como se concluir que a reforma – instituída pela Lei             n° 14.112/2020 – tenha se mostrado inefetiva, muito menos que os processos que utilizaram suas inovações sejam morosos ou incapazes de liquidar ativos com a maximização do seu valor.

É certo que a Lei nº 14.112/20 trouxe diversas previsões que tornaram o processo falimentar mais ágil e dinâmico, como por exemplo, o afastamento do conceito de preço vil e fixação de prazo máximo de 180 dias para a ocorrência da alienação de ativos, independentemente das condições de mercado.

Por outro lado, os princípios do artigo 75 da LRF impõem, ainda, uma reflexão quanto à orientação trazida no PL de que os credores serão considerados os únicos protagonistas das decisões acerca dos rumos do processo falimentar, sobretudo diante dos interesses públicos e sociais que orientam a Falência.

Ademais, a governança da formação da vontade dos credores no processo falimentar, tal como sugerido pelo PL, é outra questão que demanda atenção, isso porque, o projeto de lei reconhece que algumas de suas disposições se “aproveitaram” da experiência do processo de Recuperação Judicial, notando-se, assim, grande influência desta última na disciplina proposta para a assembleia geral de credores, em especial para deliberação do plano de Falência.

Inobstante, esse aproveitamento, exige cautela, pois, a despeito de ambos estarem disciplinados na mesma lei e integrarem o microssistema da insolvência, sua racionalidade é bastante distinta, especialmente porque o processo de Recuperação Judicial objetiva a negociação das condições de plano de recuperação judicial, com concessões recíprocas entre credores e devedor, com o intuito de prosseguimento da atividade empresarial e soerguimento da empresa; já o processo falimentar, ele é destinado à liquidação do empresário insolvente, alienando seus ativos, pagando seus credores e recolocando na economia, de forma célere, ativos produtivos.

Pelo PL, ainda, a assembleia de credores para análise do plano de falências somente será convocada se houver oposição de credores, titulares de 15% (quinze por cento) do total crédito da falência, dentro do prazo de 15 (quinze) dias de sua apresentação pelo gestor fiduciário; do contrário, será ele simplesmente homologado, sem a realização da assembleia. 

No PL não há clareza quanto aos limites da função deliberativa do Comitê de Credores, consoante deliberação da assembleia geral por maioria simples.

Resta evidente, também, que é preciso refletir sobre as mudanças sugeridas no tocante à política pública de tutela do crédito, na medida em que o PL admitiu o pagamento de juros para créditos extraconcursais, em detrimento de credores concursais.

Desta forma, mostra-se que os questionamentos acima apresentados indicam a necessidade de uma maior reflexão sobre alterações tão profundas propostas à legislação falimentar, dado que ainda não foram identificados todos os efeitos benéficos da Lei nº 14.112/20; ainda, é preciso ter cautela para aproveitar a experiência da Recuperação Judicial ao processo de Falência; e, finalmente, por ser imperioso um profundo debate acerca da conveniência e da oportunidade de apartar-se o direito das  políticas públicas de tutela do crédito. Acompanhemos, de perto, a tramitação deste PL, diante dos impactos (des)necessários ao processo de Falência.

Nova Regulamentação para a concessão do CEBAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social a entidades de saúde, assistência social e educação

Em 21/11/2023 foi publicado o Decreto 11.791/2023 para regulamentação da Lei Complementar nº 187/2021, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal.

O CEBAS é um dos mais importantes documentos exigidos pela Receita Federal para que a entidade sem fins lucrativos que preste serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação usufrua de isenção de contribuições sociais, a exemplo da parte patronal da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.

Também possibilita que a entidade certificada firme convênios e parcerias com o poder público e recebam transferências de recursos governamentais, nos termos da LDO n.º 14.436/2022

A nova regulamentação apresenta requisitos mais detalhados para obtenção de certificação, esclarecendo critérios, procedimentos e documentos necessários à comprovação de requisitos, além de regular vários pontos da Lei Complementar que expressamente dependem de disposição em regulamento.

Foi editado para regulamentar as disposições da lei que permaneciam sem regulamentação específica recente (continuavam a ser observadas regras do decreto 8.242/14) e pretende garantir mais transparência e efetividade da fiscalização pela Receita Federal.

Cumpre salientar que o decreto em comento dispôs, nos termos dos seus artigos 85 a 87, que as alterações indicadas pela nova regulamentação se aplicam aos requerimentos de concessão ou de renovação dos certificados apresentados a partir de 17/12/21, sinalizando que as entidades que apresentaram requerimentos entre 17/12/21 e 22/11/23 (data da publicação do Decreto) devem apresentar documentação complementar até 22/02/24.

Ainda, foi estabelecido pelo artigo 85, § 1º, que a validade dos certificados vigentes cujo requerimento de renovação não tenha sido apresentado até 17/12/21 ficará prorrogada até 31 de dezembro do ano subsequente ao do fim do prazo originariamente concedido.

Por fim, houve a previsão de que o Ministério da Saúde (no caso de entidades de saúde) encaminhará à Receita Federal informações sobre requerimentos, deferimentos, cancelamentos de concessão e renovação da certificação, entre outras, bem assim que a Receita Federal estabelecerá a forma e prazo em que as entidades deverão prestar informações para comprovação de que fazem jus à certificação. As alterações trazidas pelo decreto, em vigor desde 22/11/2023, demandam maior atenção das entidades, que devem estar atentas às novas exigências e prazos, inclusive ante a previsão de maior rigor na fiscalização em razão da determinação de que o Ministério da Saúde (no caso de entidades de saúde) encaminhe à Receita Federal informações sobre requerimentos, deferimentos, cancelamentos de concessão e renovação da certificação, entre outras, bem como em razão do impacto do seu cancelamento ou não renovação para a operação e saúde financeira da entidade beneficente.

O reconhecimento de filiação post mortem e através de escritura de inventário extrajudicial

Em caso envolvendo o inventário extrajudicial no qual existia uma companheira com união estável declarada por escritura pública, uma filha biológica e uma filha socioafetiva ainda não reconhecida, de modo inédito, o tabelionato de notas e registro civil do estado do Espírito Santo, lavrou escritura pública de inventário cumulada com o reconhecimento da união estável e com o reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva post mortem. Em breves linhas, Maria Clara Magalhães comenta a decisão.

Importante esclarecer que o inventário extrajudicial é um procedimento realizado através de escritura pública, no Tabelionato de Notas, por meio do qual se regulariza a sucessão dos bens do falecido para os herdeiros, sem necessidade de intervenção judicial.

Através da previsão contida na Lei 11.441/07, bem como no artigo 610, §1º e §2º do código de processo civil, a medida auxilia a redução de demandas judiciais envolvendo direitos sucessórios, desde que sejam os herdeiros maiores e capazes, haja consenso acerca da partilha dos bens, bem como o procedimento em cartório seja acompanhado por advogado ou defensor.

Com o advento das novas formações familiares, por consequente passou a ser reconhecida a pluralidade das respectivas relações, as quais, antigamente, eram alicerçadas exclusivamente através do casamento, passando também a serem observadas sob o aspecto basilar ao crescimento e desenvolvimento do cidadão.

Neste contexto, a filiação socioafetiva se conceitua na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, em reconhecer a maternidade ou paternidade, sem que haja vínculo consanguíneo.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, reconhece a igualdade entre as filiações, dispondo que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

No caso em comento, em razão do consenso entre as partes, houve o reconhecimento da união estável e a paternidade de filha socioafetiva não reconhecida em vida. Após a lavratura, foi protocolada a Escritura Pública no Registro Civil onde estava registrado o nascimento da filha socioafetiva para que fosse efetivado o reconhecimento socioafetivo post mortem, sendo atualizada a certidão de nascimento da filha socioafetiva com o nome do pai biológico e do pai socioafetivo.

Com a nova certidão, foi protocolado pela Central Nacional do Registro de Imóveis – ONR, no Registro de Imóveis competente a Escritura Pública de Inventário com o reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva post mortem, que deferiu o registro e destinou à filha socioafetiva parte da herança.

O texto do Enunciado 44 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que aduz que “existindo consenso sobre a filiação socioafetiva, esta poderá ser reconhecida no inventário judicial ou extrajudicial.”, serviu de alicerce para fundamentar o ato notarial.

Em sentido análogo, o provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autoriza o reconhecimento de maternidade socioafetiva de pessoas de qualquer idade perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

Acerca da multiparentalidade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060, em 21/09/2016, fixou a seguinte tese: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídico próprios.”

Conforme a Carta Magna, é fundamental a busca da identidade, como natural emanação do direito de personalidade de um ser e do direito à felicidade, estando inserido neste contexto reconhecimento da ascendência. Desta forma, os formalismos não podem se sobrepor ao interesse público e aos direitos fundamentais, sob pena de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, a realização de procedimentos desta natureza, através da atuação conjunta dos órgãos notariais, a partir da fé pública dos atos dotados, bem como ao qualificado conhecimento jurídico dos advogados, desburocratiza o sistema, mitiga o surgimento de litígios, alivia o Poder Judiciário e atende as demandas da sociedade através da solução célere de suas questões.

Justiça de Minas Gerais decide que menor com espectro autista poderá ter isenção de IPVA de veículo, mesmo que registrado em nome de seu genitor

No último dia 09/01/2024, foi julgada procedente ação em que o Autor, pessoa autista, requereu a concessão de isenção de IPVA de veículo registrado em nome de sua genitora.

Na ação, a controvérsia girou em torno do fato de o veículo ser registrado em nome de terceiro, que, no caso em julgamento, seria a genitora do demandante. Por sua vez, em sua fundamentação, o juiz reconheceu que o Autor era portador de autismo, portanto, incontroverso o direito a concessão do benefício.

O julgador entendeu que o fato de o veículo, objeto da benesse, não ser registrado em nome do menor deficiente não deveria impedir a concessão da isenção, pautando-se na jurisprudência do próprio Estado de Minas Gerais, veja-se:

“(…) 2. O portador de deficiência física ou mental que necessite do veículo para o exercício de atividades diversas, inclusive para a realização de tratamento médico, faz jus à isenção do IPVA, ainda que a condução seja realizada por terceiro, sob pena de afronta ao princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana. (…)”

Ademais, com respaldo na própria jurisprudência do Estado e buscando amparo dos princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana, adotou o entendimento de que o judiciário deve se preocupar em salvaguardar o melhor interesse da criança, principalmente quando portadora de deficiência, seja ela qual for.

Nesse sentido, não seria razoável conceder isenção apenas àqueles que pudessem conduzir seus próprios veículos uma vez que esses instrumentos são facilitadores no dia a dia dos portadores de deficiência, motora ou intelectual, garantindo a busca por uma melhor qualidade de vida.

Nos termos da decisão em comento, portanto, o menor portador de autismo faz jus a concessão da isenção do IPVA, mesmo que o veículo que lhe atende seja registrado em nome de terceiro, a fim de evitar que sejam feitas distinções entre aqueles que possuem ou não capacidade de conduzir um veículo automotor.

“Novo” prazo para impugnação ao edital e pedido de esclarecimentos da Nova Lei de Licitações

A nova lei de licitações trouxe consigo algumas novidades em diversos âmbitos do processo licitatório e uma delas é “novo” prazo para apresentação de impugnações e dos pedidos de esclarecimentos ao edital. São por meios desses instrumentos que os licitantes exercem seu direito de controle à legalidade sobre possíveis ilegalidades cometidas equivocadamente pela Administração Pública no âmbito de uma licitação.

A redação do artigo 41, §1º, da Lei nº 8.666/93, que ainda continua sendo aplicado, estabelece 02 (dois) prazos diversos para impugnar um edital, o primeiro dele sendo 05 (cinco) dias úteis anteriores à data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação por qualquer cidadão e o segundo de 02 (dois) dias úteis para os licitantes.

Ocorre que, atualmente, existindo a possibilidade, o certame licitatório deve ocorrer preferencialmente por meio eletrônico, motivo pelo qual, na prática, as licitações em sua maioria acontecem na modalidade do pregão eletrônico, regulado pelo Decreto nº 10.024/2019, que estabelece em seu artigo 24 um único prazo, independentemente de ser licitante ou não, de até 03 (três) dias úteis anteriores à data fixada para a abertura da sessão pública.  Por essa razão, agora, o artigo 164 da Lei nº 14.133/2021 seguiu os mesmos moldes.

É importante destacar que essa previsibilidade é um meio de colaboração na licitação e que resulta na pactuação de contratos mais eficientes tanto para os licitantes quanto para a Administração Pública, bem como reforça a possibilidade de que o órgão possa rever seus próprios atos através da aplicação do princípio da autotutela, anulando-os quando ilegais ou revogando-os quando inapropriados.

Por fim, faz-se necessário ressaltar que, independentemente da atual ou nova Lei de Licitações, nem todos os entes da Administração Pública estão vinculados às previsões ora abordadas, como, por exemplo, estatais e Sistema S, que possuem autonomia para terem seus regulamentos próprios acerca das normas que nortearão seus certames licitatórios, desde que seja respeitado, por óbvio, os princípios gerais. Logo, é de suma importância que os licitantes estejam atentos especificamente à previsão constante em cada edital quanto aos prazos para apresentação de impugnação e/ou pedidos de esclarecimentos.


Por: Camila Soares

Piso Salarial da Enfermagem e o Setor Privado

A discussão sobre o piso salarial da enfermagem é enfrentada há anos no Brasil, mas ganhou forças com a pandemia da Covid-19, vivenciada no nosso país em 2020, o que fez com que o segmento se fortalecesse ainda mais em busca do aumento salarial.

Em 14 de agosto de 2022, foi sancionada a Lei 14.434, instituindo o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

A referida lei fixou o piso salarial em R$ 4.750,00, para os enfermeiros dos setores público e privado. O valor desse piso ainda serviu de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem, que é de 70% do piso, bem como dos auxiliares de enfermagem e parteiras, que é de 50% do piso. A lei foi considerada um avanço e muito comemorada pela enfermagem.

Em 04 de setembro de 2022, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, através de uma decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222, suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

A ADI 7222 foi apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços – CNSaúde, visando questionar a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, assegurando que a aplicação da lei poderia aumentar o desemprego, gerar a falência de unidades de saúde ou aumento de repasse de custos no serviço privado, entre outros problemas.

Em 15 de maio de 2023, Luís Roberto Barroso revogou a liminar concedida na ADI 7222 e determinou o cumprimento do piso nacional da Enfermagem, em todo o território brasileiro. A nova decisão proferida levou em consideração a sanção da Lei 14.581/2023, que autorizou a transferência de R$ 7,3 bilhões destinados à assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o pagamento do piso salarial dos profissionais da enfermagem.

Nos termos da decisão de Luís Roberto Barroso, o cumprimento do piso salarial, para os entes públicos, deveria ser de forma imediata. Já no caso dos profissionais da iniciativa privada, o ministro ressaltou que haverá a possibilidade de negociação coletiva. Além disso, também para as empresas privadas, estabeleceu um prazo maior para produção de efeitos da decisão, que seria a partir de 1º de julho de 2023.

O caso foi levado ao Plenário para a análise e votação dos demais ministros, tendo o STF, quando do julgamento da ADI 7222, fixado o entendimento de que o piso salarial nacional da enfermagem, do setor público, deve ser pago pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, na medida dos repasses dos recursos federais.

O Supremo definiu, ainda, em relação às empresas privadas, que é imprescindível a tentativa de negociação coletiva para a implementação do piso salarial nacional, tratando isso como requisito procedimental obrigatório. Acrescentou que, nos casos em que não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, definiu que a aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação da ata do julgamento, mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.

Após a decisão do STF, a CNSaúde buscou auxílio ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), para uma possível mediação e busca de alternativas que pudessem atender ambas as partes. A entidade alegou entraves e dificuldades enfrentadas para chegar a um acordo com os representantes dos trabalhadores, afirmando que “há uma procrastinação das tratativas sobre o piso da enfermagem, no intuito de deixa vencer o prazo de 60 dias sem negociação concluída, para manter os valores fixados em lei”. Já os representantes dos trabalhadores alegam que as propostas apresentadas sugerem prazos longos para recebimento dos novos valores, o que não é aceito por eles.

Após alguns adiamentos, a negociação unilateral com o CNSaúde foi realizada no dia 07 de novembro de 2023, no entanto, o TST não aceitou a proposta apresentada pela entidade patronal para implantação do piso nacional dos profissionais de enfermagem do setor privado e, por essa razão, o documento não foi levado à categoria dos trabalhadores. O TST considerou que a proposta era incapaz de atender aos interesses da Enfermagem. Após finalizada a reunião, a CNSaúde solicitou prazo para apresentar uma nova proposta, que diz ser capaz de atender aos pleitos da enfermagem. A nova proposta foi entregue no dia 17 de novembro de 2023, mas o seu teor não foi divulgado e a justificativa do TST foi de que primeiro queria debater com os trabalhadores, antes que torne público para toda a sociedade.

Em paralelo, também após aquela decisão do STF, foram opostos alguns Embargos de Declaração, cujo julgamento daqueles embargos opostos pelo Senado Federal foi finalizado no último dia 18/12/23. Os demais embargos declaratórios deixaram de ser acolhidos.

Por maioria, o plenário do STF decidiu manter as 44 horas semanais trabalhadas, como referência para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem, bem como determinou a negociação coletiva regionalizada sobre o pagamento do piso no setor privado. Também foi autorizada a redução salarial, com pagamento proporcional do piso, em caso de redução de jornada.

Foi esclarecido, também, que para a observância do piso salarial devem ser consideradas todas as parcelas que integrem a remuneração e sejam pagas aos trabalhadores de forma permanente. Ou seja, o piso salarial vai levar em consideração a remuneração global e não apenas o salário base, podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente, no caso de carga horária inferior a 8 horas por dia ou 44 horas semanais.

No caso das entidades privadas, a implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada, mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Em sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, que se dará via processo judicial.

Conforme esclarecido acima, antes dessa nova decisão, o STF havia decidido que, para as entidades privadas, nos casos em que não houvesse acordo, o piso deveria ser pago na forma da lei. Essa mudança acabou sendo, de certa forma, positiva para as entidades privadas, pois a possibilidade de se admitir negociações coletivas regionalizadas vai permitir uma adequação do piso à realidade dos diferentes hospitais e entidades privadas de saúde.

Não se questiona e nem se discute que o novo piso nacional representa uma conquista para os profissionais do setor. No entanto, na rede privada, é um ponto que tem gerado grandes preocupações e discussões diversas, a começar pela viabilidade ou não do pagamento, já que os hospitais privados alegam que não conseguem, financeiramente, realizar o aumento nas remunerações desses profissionais. Foram realizadas várias pesquisas sobre o impacto desse aumento, na esfera das entidades privadas, e o resultado que se tem é que, por estimativa, a medida ocasionaria em uma demissão de 79,3 mil profissionais da enfermagem, o que é um quadro preocupante. Nos parece que as entidades privadas tem um desafio a percorrer e a negociação vai se tornar necessária.

O Supremo Tribunal Federal, Alienação Fiduciária de Imóveis e o Marco Legal das Garantias

A importância da temática voltou ao debate do mundo jurídico no decorrer dos últimos dias.

De fato, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 26/10/2023, que, “a execução extrajudicial do imóvel dado em garantia pelo devedor é compatível com as garantias processuais da Constituição – ou seja, que a cobrança, em cartório, do valor em débito, e o leilão extrajudicial do imóvel, no caso de não pagamento da mora, não violam o contraditório e a ampla defesa, não afastam o acesso do devedor ao Judiciário, nem afrontam o direito à moradia” (RE 860631/SP).

No mencionado julgado, o Supremo reconheceu a existência de repercussão geral do tema (982), o que significa que a decisão tomada no Plenário deve ser replicada nos casos semelhantes em outras instâncias.

A medida não impede o exame da questão pelo Judiciário, uma vez que a Lei n° 9.514/1997 estabelece que o fiduciante pode ir à Justiça caso verifique irregularidades na execução extrajudicial do imóvel.

É sabido que a alienação fiduciária de imóveis é o negócio jurídico que serve de título para a criação de um direito real de garantia: a propriedade fiduciária.

A sua origem remonta ao Direito Romano, no instituto da fiducia cum creditore, que se caracterizava pela transferência da propriedade de um bem móvel/imóvel para garantir o cumprimento de uma determinada obrigação firmada entre credor e devedor.

No direito brasileiro, a alienação fiduciária é regulamentada pela Lei           nº 9.514/97, que assegura a realização da operação de financiamento ou empréstimo para pessoa física ou jurídica, configurada como situação de empréstimo com garantia de imóvel.

O Código Civil de 2002, no artigo 1.368-B, incluído pela Lei n°13.043/2014, determinou expressamente a sua natureza jurídica ao prever que: “A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.

Trata-se, portanto, de direito real de garantia, decorrente de um contrato, cuja constituição depende do registro na Matrícula Imobiliária correspondente.

A alienação fiduciária de imóveis revolucionou – e ainda revoluciona – o mercado de crédito imobiliário, sendo uma garantia real usada em quase 100% (cem por cento) das operações de compra e venda de imóveis no Brasil.

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a modalidade de alienação fiduciária representa 98,2% (noventa e oito vírgula dois por cento) do financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e que no ano de 2020 havia 7 milhões de operações ativas garantidas por esse modelo.

A grande questão é que a Lei que regula a Alienação Fiduciária de Imóveis, não é nova, e, desde o ano de 1997, estimula a resolução do conflito – credor x devedor – por meio de procedimento extrajudicial junto ao Cartório de Imóveis que possui a Matrícula do bem. A iniciativa legislativa, existente na Lei n° 9.514/1997, de balanceamento entre a proteção pelos riscos assumidos pela instituição credora e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, é, extremamente louvável diante de um Judiciário tão congestionado.

Dito isto, percebe-se que não houve inovação do Supremo Tribunal Federal ao validar uma Lei já existente desde o ano de 1997.

Na verdade, o recente julgamento do STF se mostra como uma cortina de fumaça para o Marco Legal das Garantias de Empréstimo (Lei n° 14.711), sancionado no último dia 30/10/2023.

A mencionada Lei reformula regras sobra a garantia real dada em empréstimos, como hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis, aperfeiçoando, portanto, a Lei n° 9.514/1997, tendo incluído, em apertada síntese:

  1. Na Lei n° 13.476/17, foram inseridos os artigos 9º-A a 9º-D, que regulam a Alienação Fiduciária Recarregável;
  2. Na Lei n° 6.015/73, inserida nova alínea (37), no artigo 167, inciso II, para averbação da Alienação Fiduciária Recarregável;
  3. No Código Civil, o artigo 853-A passou a regular que, qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia designado pelos credores;
  4. Ainda no Código Civil, (i) foi inserido o §2º ao artigo 1.477, para prever que o inadimplemento da obrigação garantida por hipoteca faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel; (ii) foi alterado o artigo 1.478, para simplificar o procedimento de sub-rogação, que pode ocorrer a qualquer tempo e não mais depende de prévia oferta ao credor da primeira hipoteca; e, (iii) foi inserido o artigo 1.487-A, para prever a extensão da hipoteca à garantia de novas obrigações com o mesmo credor;
  5. Na Lei n° 9.514/97 foram diversas alterações.

Com a nova Lei, será possível alienar a mesma propriedade em outros empréstimos feitos na mesma instituição ou em concorrentes, por exemplo. Outro objetivo é alavancar a economia do país, ampliando o acesso ao crédito.

Resta, pois, aguardar os acontecimentos das inovações introduzidas na Lei n° 9.514/1997, pelo novo Marco Regulatório. Mas, uma coisa é fato: as Instituições Financeiras passarão a conceder uma garantia imobiliária com maior nível de segurança, dado que haverá uma melhora na leitura de riscos de cada uma das transações, o que, por sua vez, incentiva a concessão de crédito.