É cabível pensão alimentícia em favor do animal de estimação?

Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  1944228 / SP, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acalorou o debate quanto ao cabimento de pensão alimentícia em favor de pets, tendo adotado entendimento que, em análise inicial, parece destoar da atual realidade social, que se afigura com a existência de formações familiares distintas, entre elas, a entidade familiar que se reconhece como formada por humanos e animais de estimação.

Na hipótese, a parte demandante ajuizou a demanda, sem fazer, ressalte-se, qualquer menção ao termo ou ideia de “pensão alimentícia”, e requerendo, passados cerca de cinco anos da dissolução da união estável, fosse o ex companheiro compelido a participar igualmente no custeio dos gastos com os animais adquiridos na constância da união, bem assim a reembolsá-la da metade dos gastos que incorreu desde a separação.

A obrigação foi reconhecida na origem, instância na qual, após o entendimento de aplicação da prescrição decenal, determinou-se ao ex companheiro, o reembolso das despesas havidas pela ex companheira e a obrigação de custeio de metade das despesas com os animais, até morte ou alienação destes.

Devolvida a questão ao STJ, houve reforma do julgado, tendo prevalecido o voto da lavra do ministro Marco Aurélio Belizze, que defendeu serem as despesas com o custeio da subsistência dos animais obrigações inerentes à condição de dono, bem como que o fato da aquisição do pet ter ocorrido na constância da união, não necessariamente configuraria vínculo entre os companheiros ou entre estes e o animal, sendo possível definir-se a titularidade do animal como melhor lhes aprouver.

Ocorre que, ao analisar a referida decisão, alguns defendem que o STJ teria sinalizado o entendimento de que a fixação de alimentos em favor de pets é descabida, todavia, salvo melhor juízo, não é este o direcionamento que se obtém da adequada análise dos autos.

Conforme pontuado, a demanda submetida ao STJ foi ajuizada longo tempo após a dissolução da união estável, sem que tenha sido precedida de acordo de alimentos em favor dos animais ou de qualquer requerimento da ex companheira neste sentido. Em verdade, sequer houve menção ao termo “alimentos” quando do ajuizamento da ação.

Inclusive, inicialmente a demandante aparenta ter dotado sua ação de conteúdo exclusivamente patrimonial. Trata-se, pois, de um caso isolado e que não necessariamente serve de parâmetro ou norte para demandas que envolvem o tema sob análise.

Fato é que a existência da “família multiespécie” é uma realidade socialmente reconhecida, que já ensejou até mesmo a propositura de Projeto de Lei (PL 179/23), ainda em tramitação e que visa regulamentar o conceito de família multiespécie como aquela formada pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com seus animais.

Por sua vez, tal realidade vem sendo correta e fortemente reconhecida pela jurisprudência pátria e, neste cenário, o número de demandas desta natureza levadas ao judiciário é cada vez maior. Na falta (que aparentemente será suprida em breve)  de uma lei específica, os magistrados têm aplicado aos animais, em interpretação por analogia, as normas jurídicas atinentes a alimentos, visitas e guarda compartilhada.

Não há, pois, como se concluir que esta é uma questão que será decidida pelos operadores do direito em dissonância da realidade social que os cerca. A sociedade anseia por uma resolução que se adeque ao contexto atual, que não só reconheça a existência da família multiespécie, mas estabeleça os parâmetros que devem ser considerados para a justa solução dos litígios dessa natureza.

É um tema que certamente ainda renderá boas discussões, a exemplo da que já se firmou em demanda distribuída perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) no último dia 09 de fevereiro, na qual juízes de varas cíveis e de família discutem sobre a competência para processar e julgar a execução de acordo descumprido que fixou pensão em favor dos animais de estimação do ex casal. As teses contrárias defendem, de um lado, que o animal é um membro da família e que, portanto, sob o conceito da família multiespécie, atrai a competência da vara de família. De outro lado, há a defesa de que discussão se funda em relação civil e de natureza patrimonial, que avocaria o processo para uma das varas cíveis, frente a qual, inclusive, a ação foi originariamente distribuída. A questão será dirimida em breve, quando do julgamento, pelo TJSC, do conflito de competência suscitado pelos magistrados envolvidos.

Adjudicação Compulsória Extrajudicial: Conceito e Funcionamento

No âmbito da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, aparecera a chamada Adjudicação Extrajudicial, instituto encartado no Art. 216-B.

Nesse sentido, passou-se a entender esse procedimento como a ação pessoal com premissa base de recusa do vendedor em transmitir o domínio ao comprador. Assim, mediante resistência injustificada, seria cabível ao compromissário comprador ou ao cessionário de seus direitos, ajuizar ação contra o titular do domínio do imóvel, desde que não haja, entre esses, consenso.

Para tanto, adentrando na questão procedimental, entende-se que tal trâmite necessita, conforme §1º do artigo supracitado, da apresentação de algumas documentações. Dentre essas: 

Instrumento de Promessa de Compra e Venda ou de Cessão ou de Sucessão;

Prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel;

Ata notarial, lavrada por tabelião de notas, da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;

Certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente, que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

Comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

Procuração com poderes específicos, se for o caso.

Desse modo, à apresentação da ata notarial, novidade promulgada e acrescida à Lei em janeiro de 2023, entende-se que o procedimento, apesar de tramitar perante o cartório de imóveis, deverá seguir a prévia instrumentalização dessa, verificando-se documentos, depoimentos e fatos. Para tanto, sua necessidade dar-se-á pelo fato dessa ser instrumento imparcial e com certificação das impressões colhidas no caso concreto, por parte do titular do cartório ou de seus prepostos; garante, para tanto, maior segurança jurídica e celeridade ao instituto.

Por fim, tratando-se dos requisitos à adjudicação extrajudicial, entende-se que à sua interposição, prevista nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil, basta a existência de uma promessa de compra e venda, somada à inexistência de previsão do direito de arrependimento.

Em suma, diante do exposto, entende-se o instituto da adjudicação extrajudicial compulsória como de extrema importância à facilitação ao acesso dos direitos legalmente previstos ao cidadão. A inovação, aparecendo como meio alternativo de solução de conflitos, feita em prol da sociedade visa, ainda, desjudicializar a tramitação dessas ações, concretizando instrumentos com mais celeridade e praticidade, sem a necessidade de adentrar em um processo judicial em si.

– Equipe do Imobiliário

Da admissibilidade da previsão de correção monetária pela taxa SELIC em contratos de compra e venda de imóvel

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela legalidade da previsão contratual de correção monetária pela taxa Selic em contratos de compra e venda de imóvel, ainda que o contrato preveja, também, a incidência de juros moratórios.

A discussão foi firmada em sede de ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel na qual a parte Demandante arguiu a abusividade da cláusula contratual que previa a Selic como índice de correção monetária das parcelas, bem como a incidência de juros moratórios.

Na origem, em sentença que posteriormente foi confirmada pelo Tribunal Estadual, o magistrado acolheu os argumentos autorais, considerando abusiva a estipulação da Selic e determinando sua substituição pelo IGP-M.

Todavia, após devolução da matéria ao STJ em sede do recurso especial nº: 2.011.360 – MS, a Terceira Turma, após discussão conduzida pela relatoria da Ministra Nancy Andrighi, reformou o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) firmando o entendimento de que, se a Selic estiver prevista contratualmente para a correção das parcelas, nada impede sua aplicação, ainda que seja convencionada a incidência de juros de mora.

No entender da relatora, seguido por unanimidade pelos demais ministros, a taxa Selic, que abrange em sua composição juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros de caráter remuneratório, mas tal impedimento não se aplica à cobrança de juros de mora, incidentes em caso de atraso.

Isto porque, enquanto a correção monetária destina-se a recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros remuneratórios têm por escopo recompensar o credor e, por sua vez, os moratórios prestam-se a indenizá-lo pelo eventual atraso no pagamento.

Nesse sentido, a alegada abusividade fundada em “bis in idem” só estaria configurada em caso de incidência simultânea de correção pela Selic (dada a sua composição) e de juros remuneratórios, situação distinta do caso dos autos.

Oportuno salientar que, ao adentrar na discussão em comento, o STJ evidencia também outro entendimento, o de que é, sim, possível e lícito prever a incidência de juros remuneratórios sobre as prestações a serem pagas pelo comprador do imóvel.

Ou seja, na hipótese, foi estabelecido ser plenamente possível, desde que expressamente previsto em contrato, a incidência de correção monetária, juros remuneratórios e juros moratórios sobre as parcelas do preço.

Necessário apenas, para a não caracterização da abusividade das estipulações contratuais, que, ao optar pelo índice de correção monetária, o Promitente Vendedor tenha em mente que a taxa Selic já abrange tanto a correção monetária como os juros remuneratórios, razão pela qual, em sendo este o índice contratual escolhido pelas partes, apenas será possível a estipulação contratual de juros incidentes em caso de configuração de mora.

Entenda a decisão do STF que “quebrou” a eficácia da coisa julgada tributária

Através do julgamento dos Recursos Extraordinários nº 955.227 (Tema 885) e 949.297 (Tema 881), o Supremo Tribunal Federal decidiu que perdem a eficácia as decisões já transitadas em julgado sobre relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, quando posteriormente aquele tribunal decidir a mesma matéria em sentido contrário em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ou sob o rito da Repercussão Geral. 

Isso significa que os contribuintes que já haviam obtido decisão judicial definitiva para não mais pagar determinado tributo em decorrência de sua inconstitucionalidade deverão voltar a recolhê-lo caso depois o STF tenha um entendimento contrário em julgamento que defina ser válida a cobrança a todos.

De forma bem resumida, o Supremo Tribunal entendeu que a decisão nova e vinculante proferida de forma geral (ADI ou Repercussão Geral) teria o mesmo efeito jurídico de uma “nova lei” sobre o tema e, assim, valeria para todos independentemente da existência de anterior decisão em sentido contrário para um contribuinte específico.

Como não houve a modulação dos efeitos, o julgado vinculante do STF já deve ser aplicado a partir da publicação da ata do seu julgamento. Ainda assim, por fazer essa analogia com uma “nova lei”, a conclusão foi de que a decisão geral não poderá retroagir e, ainda, precisará respeitar os princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal.

Para facilitar a compreensão, tomemos como exemplo uma empresa que, no ano de 2010, obteve decisão transitada em julgado para deixar de recolher o ISS, porém, em 01/04/2015, o STF julgou um recurso de um contribuinte na mesma situação, sob o rito da Repercussão Geral, tendo decidido que a cobrança do mesmo tributo era válida. A publicação da ata do julgamento ocorreu em 15/04/2015, mas as partes interpuseram recursos e essa decisão apenas transitou em julgado em 20/10/2018.

No exemplo acima, a decisão do STF “quebrou” a eficácia da decisão obtida pela empresa em 2010, de forma que ela voltará a ser contribuinte do ISS. O momento em que ela deverá voltar a recolher o tributo é contado a partir da publicação da ata de julgamento (15/04/2015), ainda que o trânsito em julgado tenha ocorrido anos depois. Aplicando-se a irretroatividade e a anterioridade, neste caso hipotético o tributo deve ser recolhido relativamente aos fatos geradores ocorridos a partir de janeiro de 2016.

Ainda deverá ser observado o prazo decadencial do tributo. Os créditos tributários de fatos geradores ocorridos há mais de 5 anos (a depender do caso, ainda pode-se aplicar a regra de decadência prevista no artigo 173, I, do CTN), não poderão mais ser cobrados pelo Fisco caso este não tenha realizado o lançamento dentro do referido prazo.

Os contribuintes que “voltaram a dever” o tributo e não regularizarem os créditos tributários dos últimos cinco anos poderão sofrer autuações do Fisco, inclusive com exigência de multas e demais encargos legais cabíveis.

A importância do registro de marca na repressão à concorrência desleal no comércio online

Em um mundo globalizado, deve-se vislumbrar a crescente importância dos elementos imateriais, e a proteção dada a estes, dentre os quais, por exemplo, as marcas, cujo elemento possui papel econômico fundamental dentro de uma sociedade de consumo, possibilitando a distinção entre concorrentes do mesmo ramo, bem como o reconhecimento da empresa para com o público consumerista.

Nesse sentido, também dispõe a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96 (“LPI”), que a finalidade da marca é particularizar um produto ou serviço, de modo que seu público alvo possa garantidamente identificá-lo apenas por esse sinal.

A Constituição Federal de 1988, convergindo ao que vem sendo aqui discutido, prevê expressamente a proteção a propriedade industrial, em seu artigo 5º, inciso XXIX, que define que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Os direitos e as obrigações relativos à proteção conferida à propriedade industrial encontram-se dispostos na LPI, que logo em seu artigo 2º, dispõe que o registro de marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é o meio pelo qual será concedida a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, e que através dele, será possível reprimir a concorrência desleal. Nesse sentido, interessante esclarecer que considera-se concorrência desleal toda e qualquer conduta repreensível, praticada com a finalidade de captar a clientela de empresas concorrentes para adquirir vantagem no mercado.

Dessa forma, o registro de marca pode ser tido como a ferramenta mais importante para a proteção de um negócio e a mais estratégica no contexto da competitividade, considerando que garante ao seu titular o direito ao uso exclusivo por prazo indeterminado, desde que seja prorrogado conforme os prazos legais, o que assegura a empresa o reconhecimento da sua marca perante os consumidores, bem como a protege de práticas concernentes a concorrência desleal.

Nesse diapasão, quando se trata do comércio online, o registro de marca se faz ainda mais essencial, isso porque ferramentas de anúncios pagos, tal qual Google Ads, dominam o principal canal de buscas online: o Google.

Assim, ao realizar uma pesquisa no Google, o usuário recebe páginas que contenham o termo pesquisado, que são ordenadas conforme parâmetros de métricas de ranqueamento, os quais têm como critérios, por exemplo, o número de acessos orgânicos e a qualidade da página de hospedagem. No entanto, plataformas como o Google Ads possibilitam que essa ordem de exibição seja quebrada através da veiculação de anúncios pagos, onde o anunciante seleciona palavras chaves de busca e tem sua página exibida nos primeiros lugares do navegador.

Ocorre que, muitos anunciantes, ao veicularem seus anúncios, selecionavam entre seus termos chaves marcas de segmentos semelhantes, redirecionando os possíveis clientes do seu concorrente a sua página.

Recentemente, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.937.989, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, entendeu que a utilização de marca registrada de propriedade alheia como palavra-chave na veiculação de anúncios, configura crime de concorrência desleal.

No caso em tela, o Relator entendeu que ao se utilizar da marca registrada do seu concorrente como palavra-chave, objetivando melhorar os acessos do seu site através das pesquisas dos usuários do Google, redirecionando a clientela, a empresa estaria praticando crime de concorrência desleal previsto no art. 195, inciso III, da LPI.

Não obstante a tipificação enquanto crime de concorrência desleal, a conduta em questão poder-se-ia configurar como crime contra o registro de marca, já que a empresa também teria violado o direito a exclusividade do uso de marca ao reproduzir, sem autorização do titular, marca registrada, imitando-a ao ponto de induzir confusão ao consumidor, conforme ensina o art. 189, inciso I, da LPI. Ante ao exposto, resta claro o precedente do STJ no sentido de definir enquanto concorrência desleal as práticas de reprodução de marca alheia em links patrocinados em plataformas, como o Google Ads, bem como fica, mais uma vez, configurada a importância do registro de marca, principalmente no sentido de proteção ao seu titular, e como ato para viabilizar a repressão a concorrência desleal, principalmente no comércio online.

– Thayssa Cavalcanti e Maria Eduarda Araújo

É possível a participação de empresa em Recuperação Judicial em processo licitatório?

O instituto da recuperação judicial possui como pilares os princípios da preservação da empresa, consubstanciado no artigo 47 da Lei n° 11.101/2005 (LREF), que guarnecem os fundamentos que devem nortear a condução do processo dando suporte à empresa viável, a função social e o estímulo à atividade econômica.

Nesse viés, a circunstância de a empresa se encontrar em recuperação judicial, por si só, seria impeditivo para contratação com o Poder Público, ainda que não seja dispensada da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais?

Conforme preconiza o artigo 31 da Lei n° 8.666/93 (Lei de Licitação), não é necessária a apresentação da certidão negativa de recuperação judicial para a participação de empresas em recuperação judicial em procedimento licitatório, mas, sim, certidão negativa de falência e concordata.

Logo, não há que se confundir certidão negativa de falência e concordata, exigida no mencionado artigo 31, inciso II, da Lei de Licitação, com certidão negativa de recuperação judicial, mesmo que a Lei de Recuperação Judicial e Falência tenha realizado tal substituição entre os institutos jurídicos.

Mas, o assunto não é tão pacífico assim na doutrina e jurisprudência.

Há, na doutrina, quem entenda que os efeitos da concordata sobre a contratação administrativa devem ser aplicados à recuperação judicial, porquanto haveria a presunção de insolvência da empresa em crise. Desse modo, empresas em procedimento recuperatório não poderiam participar de certames públicos. Nesse sentido, é a lição de Marçal Justen Filho (in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”. 16ª Edição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014; pág. 638).

Em entendimento diverso, existe corrente doutrinária no sentido de que, se a Lei de Licitações não foi alterada para substituir certidão negativa de concordata por certidão negativa de recuperação judicial, não poderia a Administração passar a exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência de autorização legislativa (NIEBUHR, Joel de Menezes in “Licitação Pública e Contrato Administrativo”. 4ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2015; pág. 447).

Assim, as empresas submetidas à recuperação judicial estariam dispensadas da apresentação da referida certidão.

Vale lembrar que norma restritiva, como é o caso do art. 31 da Lei nº 8.666/1993, não admite interpretação que amplie o seu sentido, sobretudo quando se tratar de restrição de direitos, à luz do princípio da legalidade.

Dentro desta perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgado da 2ª Turma (Resp n°1.826.299/CE), reforçou o entendimento de que “a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame licitatório, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica”.

O encaminhamento do entendimento acima, pelo STJ, reforça o escopo primordial da Lei nº 11.101/2005 (art. 47), que é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Diferentemente da concordata, cujo objetivo precípuo era o de assegurar a proteção dos credores e a recuperação de seus créditos, o processo de recuperação judicial busca a proteção da empresa que se encontre em dificuldades econômicas.

Como bem observa Celso Marcelo de Oliveira, “a preocupação com o papel social que a empresa exerce na sociedade é a base que justifica todos os esforços no sentido de dar à empresa uma oportunidade de recuperação” (in “Comentários à nova Lei de Falências”. São Paulo: Ed. IOB Thomson, 2015; pág. 224).

Sendo assim, a interpretação sistemática dos dispositivos das Leis nºs 8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos, pois a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores.

Com efeito, negar à pessoa jurídica em crise econômico-financeira o direito de participar de licitações públicas, única e exclusivamente pela ausência de entrega da certidão negativa de recuperação judicial, vai de encontro ao sentido atribuído pelo legislador ao instituto recuperacional.

Celebremos, pois, o reforço do entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto, o que, por certo, balizará os Tribunais Estaduais e Federais por todo o País.

Legislação passa a reduzir burocracias e riscos à compra de imóveis

A Lei nº 14.382, editada em junho de 2022, dentre outros aspectos, ocupa-se de desburocratizar o excessivo risco ao comprador em responder por dívidas imobiliárias do antigo proprietário, diante de pendência não registrada na matrícula, conforme inclusão do parágrafo 2º ao art. 54 da Lei nº 13.097/2015.

Em linhas breves, ao passar a exigir somente as documentações referentes ao pagamento dos impostos (IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos) e a certidão de matrícula atualizada do imóvel, eliminando a obrigatoriedade de apresentação das certidões negativas das esferas federal, estadual, criminal, fiscal, trabalhista e de família do vendedor, a norma diminui a burocracia e os gastos nas transações imobiliárias, fornecendo mais segurança àquele comprador de boa-fé, uma vez que este somente obriga-se a compensar as dívidas do antigo proprietário, ora vendedor, se estas já se encontrarem registradas na matrícula do imóvel.

Assim sendo, o adquirente apenas precisa observar se existe algum registro, em referência às pendências jurídicas do vendedor, a partir da matrícula do bem imóvel. Ressalta-se que o responsável pelo referido registro é o terceiro que move a ação contra o vendedor do imóvel, antigo proprietário.

Concomitantemente, ainda em referência ao assunto abordado, a nova lei acaba por não só reforçar a proteção à boa-fé, mas também por contemplar decisão a assunto que tinha constante abordagem no âmbito judiciário, evitando, de certa forma, a judicialização de questões entre credores dos proprietários anteriores e os novos donos.

Contudo, importa ponderar que ainda permanece a relevância da emissão das referidas certidões negativas no processo de aquisição de um imóvel, a fim de sanar quaisquer questionamentos que possam aparecer no decorrer do processo, como também no futuro, uma vez que, apesar de não serem mais exigidas, permanece ao judiciário o critério de aplicação – ou não – da nova lei nos atuais trâmites de aquisição. Afora que a auditoria, a partir das certidões negativas do vendedor, de um modo geral, é um mecanismo essencial à negociação.

Portanto, entende-se a nova legislação como de considerável importância à renovação dos negócios imobiliários, assumindo um papel preponderante em proteger os compradores de imóveis de boa-fé. Todavia, ainda que a nova lei venha a ser bem recebida pelo judiciário, as diligências que visem avaliar a situação jurídica das negociações para aquisição de imóveis devem ser mantidas.

Confira a legislação na íntegra: Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022.

-Equipe do Direito Imobiliário

A possibilidade de cumulação da penhora de bens e prisão civil do devedor de alimentos

A pensão alimentícia deve ser fixada de acordo com o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade/razoabilidade. Nesse sentido, o cálculo da pensão alimentícia deve ocorrer com base na necessidade da criança (alimentada), possibilidade do alimentante e proporcionalidade na fixação do valor.

A regulamentação da pensão alimentícia pode ser feita através de uma ação judicial, na qual o juiz determinará, através de uma decisão, a fixação dos alimentos provisórios e, posteriormente, dos definitivos.

Após a determinação do pagamento da pensão alimentícia pelo Judiciário, caso o alimentante não efetue o pagamento na data estabelecida, é possível a parte que representa a criança requerer a execução da pensão alimentícia, com fundamento no artigo 515, I e 528 do Código de Processo Civil, visto que a decisão que fixa alimentos é um título executivo judicial.

Dessa forma, o juiz irá determinar a citação do alimentante para efetuar o pagamento do valor das parcelas vencidas e vincendas, no prazo de 3 (três) dias, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão civil pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses, conforme dispõe o artigo 528, caput e §3º do Código de Processo Civil. Em seguida, caso o Alimentante não efetue o pagamento, o juiz irá determinar a realização do protesto do pronunciamento judicial, nos termos do artigo 528, §1º do Código de Processo Civil.

Ressalta-se que, no caso de execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o prazo para pagamento deve ser o mesmo, com base no artigo 911 do Código de Processo Civil.

Há também outra forma de cobrança do pagamento da pensão alimentícia pelo devedor, a qual poderá ocorrer através do rito da penhora de bens, com base no §8º do referido mencionado artigo 528.

Seguindo a linha tradicional, o exequente deveria escolher se iria optar pelo rito da penhora ou pelo rito da prisão civil do devedor para buscar o pagamento do débito dos alimentos.

Entretanto, recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do acórdão do REsp 1930593/MG, entendeu que é possível a cumulação do pedido de prisão civil do devedor de alimentos com o pedido de realização de penhora de bens, desde que não haja prejuízo ao devedor, a ser comprovado por este, não podendo haver também tumulto processual, a ser avaliado pelo magistrado.

O caso discutido pelo Colendo Tribunal se tratava de um cumprimento de sentença sobre valores em aberto acerca dos alimentos, requerendo a exequente duas vias de execução, quais sejam, o pedido de prisão em razão do não pagamento das três últimas parcelas vencidas e o pedido de desconto em folha de pagamento, para o débito mais antigo.

Contudo, no 1º grau de jurisdição, o pedido da exequente foi julgado improcedente, entendendo o Magistrado que a cumulação dos dois pedidos não era possível, com base no artigo 780 do Código de Processo Civil.

A exequente recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, tendo o ministro Luis Felipe Salomão proferido decisão, entendendo que em razão da natureza especial dos créditos alimentares, levando em consideração que se trata de verba alimentar em favor da criança e do adolescente, é possível atribuir ao credor a faculdade de optar pelo instrumento executivo mais adequado para alcançar o objetivo da execução, qual seja, o pagamento do débito pelo executado.

Nesse sentido, cumpre destacar também o enunciado 32 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM):

Enunciado 32 – É possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma.

Dessa forma, o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trouxe uma inovação jurisprudencial, abrindo um precedente para casos de execução de alimentos, sendo possível requerer a cumulação dos pedidos de prisão civil e de penhora de bens do devedor da pensão alimentícia, viabilizando ao credor dos alimentos meios para buscar, efetivamente, o recebimento do valor devido, através da tutela jurisdicional.

Comentários Gerais à Lei nº 14.454/2022 – Limites ao Rol da ANS

A Lei º 14.454/2022, foi publicada recentemente, visando diminuir a judicialização de temas recorrentes no âmbito do Direito da Saúde, entre eles, a taxatividade do Rol da Agência Nacional de Saúde e os limites e atribuições das operadoras de saúde na cobertura de tratamentos médicos.

Em uma breve introdução ao tema de direito da saúde na Constituição Federal, temos que o mesmo é garantido por meio do art. 196, quando, em sua literalidade, afirma que: “A Saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Sendo assim, por ser um dever amplo do Estado, a Constituição Federal também estabelece por meio do art. 199, a possibilidade de participação da iniciativa privada na assistência à saúde, corroborando, assim, com a amplitude de prestação da saúde por meio de políticas econômicas para garantir o acesso universal a toda população.

Diante da participação da iniciativa privada, o setor fica submetido à fiscalização e controle do Estado mediante a Agência Nacional de Saúde – ANS, a qual tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Assim sendo, como parte de suas responsabilidades, foi criado o Rol da ANS, que consiste em uma lista previamente estipulada de Procedimentos e Eventos em Saúde, que garante e torna público o direito assistencial dos beneficiários dos planos de saúde, validando para os contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde, em cumprimento ao disposto da
Lei nº 9.656, de 1998.

O primeiro Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar – CONSU 10/1998. No entanto, grande discussão norteava o meio jurídico com relação a taxatividade ou relatividade desse.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça havia definido, por meio de recurso em repercussão geral, tese na qual estabeleceu que o rol de procedimentos e tratamentos médicos da ANS seria taxativo.

A taxatividade, prevista na decisão, permitia os planos de saúde negarem a cobertura de tratamentos médicos ainda não previstos no rol e criava critérios a serem observados em processos e determinações judiciais de custeio compulsório nos casos excepcionais.

Diante do impacto dessa decisão, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2033/22, que foi aprovado em ambas casas legislativas, se tornando a Lei nº 14.454/22, que altera diversos dispositivos da Lei nº 9.656/1998.

O texto legal estabelece no art. 1º, §12º, que o rol da ANS servirá apenas como referência básica para os planos privados de saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. Com isso, a nova normativa impôs à ANS editar norma com a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de procedimentos de alta complexidade.

Como resultado, o §13º também foi alterado para estabelecer que em caso de tratamentos médicos ou odontólogos não previstos no Rol de procedimentos, a cobertura deve ser autorizada desde que os procedimentos cumpram com as seguintes condições: “I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” (NR) Feitas essas considerações, tem-se que a nova lei não elimina a possibilidade de judicialização de ações, mas, em verdade, fixa critérios mais objetivos e torna mais fácil a compreensão das situações em que determinados tratamentos devem ser concedidos, quando obedecidos os critérios do §13º, ou negados.

Net Zero, Neutralidade de Carbono e impactos no ESG

Em resumo, “Net Zero” ou “net zero carbon emissions” (zero emissões líquidas de carbono, em tradução livre) é o compromisso que as organizações assumem de reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.

Já a neutralidade de carbono é alcançada quando nenhum equivalente de dióxido de carbono é adicionado à atmosfera por uma organização, empresa, edifício ou país. Isso pode envolver a eliminação de emissões, a compensação delas (mercado de carbono) ou uma combinação de ambas.

Por outro lado, alcançar o status de “Net Zero” é mais complexo, uma vez que ele envolve também a eliminação das emissões indiretas geradas por toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores e clientes.

Essas emissões de carbono, conhecidas como Escopo 3 no meio do ESG (Governança ambiental, social e corporativa), segundo o GHG Protocol, incluem o que é gerado por bens e serviços adquiridos, distribuidores terceirizados e produtos vendidos, e para se tornar net zero, uma empresa deve eliminar essas emissões (Escopo 3); .

Com relação à neutralidade de carbono, este tema cobre apenas as emissões do Escopo 1 e 2, sendo a primeira referente às emissões pelas quais ela é diretamente responsável e a segunda, a gerada pela compra de eletricidade, calor e vapor. Assim, permite que as emissões residuais sejam tratadas com a compra de compensações que levam a reduções ou eficiências de carbono. Portanto, a neutralidade compromete-se com a compensação do CO2 produzido, não necessariamente com sua erradicação.

Quando falamos de “Net Zero”, quaisquer emissões residuais (aquelas que se provam impossíveis de serem eliminadas) devem ser compensadas por meio da compra de remoção de gases de efeito estufa (GEE) que removem permanentemente uma quantidade equivalente de carbono da atmosfera. Isso pode incluir desde o reflorestamento à captura e ao armazenamento direto de carbono no ar, onde as emissões são fisicamente removidas da atmosfera.

Ou seja, para alcançar o “Net Zero”, imprescindível alcançar a compensação total do CO2 produzido por sua atividade ou alcançar uma compensação de 100% do impacto produzido na atmosfera com a produção de carbono.

O mais importante nisso tudo é lembrar que estamos em uma corrida global pela melhora dos efeitos climáticos e, pensando em finanças sustentáveis e governança das empresas com relação ao ESG, não adotar medidas como a de redução de carbono e outras iniciativas é ficar para trás com investidores e stakeholders (sociedade, governo, investidores, outras empresas, mercado etc.).

Ainda que se pense que hoje é possível negociar com investidores sem ter programas de ESG consolidados internamente nas empresas, como é o caso da adoção de medida de redução da emissão de carbono (e outras medidas relevantes para conquistar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil – link: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs), em um futuro muito próximo as práticas sustentáveis serão exigências básicas para concessão de financiamento, negociação com investidores e estabelecimento/manutenção no mercado. Sem ESG (ou Sustentabilidade, se assim preferir chamar), certamente as empresas estarão fadadas a prejuízos imensuráveis. Prova do que aqui se debate é que ano passado, aa JBS, uma das maiores produtoras mundiais de alimentos assumiu o compromisso global de “Net Zero” até o ano de 2040. É preciso e urgente pensar e alinhar os propósitos de sua empresa para ter finanças sustentáveis, possibilitando lucro e práticas coerentes com o que pretendem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil (ODS).