Ação de prestação de contas de alimentos. Análise global na via judicial adequada

Trata-se de ação de prestação de alimentos proposta pelo genitor, perante a 18ª Vara de Família do Rio de Janeiro, a qual teve suas razões sustentadas em virtude da suspeita do emprego incorreto dos valores pagos em razão de pensão alimentícia.

Através das razões expostas, restou relatado que os filhos se apresentavam com roupas em mau estado de conservação, aparentando serem provenientes de doações, em que pese o recebimento de valor considerável a título de pensão alimentícia, bem como as condições financeiras favoráveis havidas pelos genitores.

Em razão da insuficiência probatória da conversão dos valores em prol dos filhos, obtida através dos recibos apresentados pela genitora, foi proferida decisão determinando a prestação de contas desde o ajuizamento da ação de alimentos, dos gastos com os filhos referentes a atividades extracurriculares, vestuários, despesas médicas, material escolar e todos os objetos da impugnação, até a data da propositura da ação de prestação de contas.  O tribunal entendeu que o fato de os alimentos serem irrepetíveis não seria capaz de eximir a mulher de prestar contas ao pai dos valores gastos em favor de seus filhos.

A possibilidade de requerer a prestação jurisdicional para esclarecimentos acerca do emprego dos valores pagos a título de alimentos se encontra fundamentada na previsão contida no artigo 1.583, parágrafo 5º do Código Civil da Lei 13.058/14.

Referido dispositivo prevê que, nos casos de guarda unilateral, a obrigação do pai ou da mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

Referido dispositivo prevê, nos casos de guarda unilateral, a obrigação do genitor que não seja detentor da guarda, em supervisionar os interesses dos filhos, sendo qualquer um dos pais parte legítima para solicitar informações e/ou prestar contas, objetivas ou subjetivas, sobre assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica dos filhos, bem como sua educação.

Através do julgamento do REsp 1.911.030, em decisão unânime, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, fixou balizas para a interpretação do referido artigo. Para tanto, não é necessária a comprovação prévia do mau uso da verba alimentar, bastando que sejam constatados indícios, devendo o processo seguir o rito ordinário, com ampla dilação probatória, sendo cabível a partir da vigência da Lei 13.508/2014.

Desta forma, a prestação de contas da pensão alimentícia permite uma melhor condução dos valores alimentares, prevenindo o desvirtuamento abusivo, de modo a propiciar caráter educativo ao administrador para conduzir corretamente a gestão dos valores.

No mesmo sentido, destacou a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.814.639 que, a partir do resultado da prestação de contas, inúmeros resultados podem surgir, todos em benefício do menor. Referido resultado, poderá, inclusive, fundamentar pedido de revisão de alimentos, guarda e até uma possível destituição de poder familiar ou reparação por danos materiais ou morais.

Em que pese não seja uma ação comum, não havendo destituição do poder familiar em relação ao alimentante, não apenas é possível, mas adequado que haja um mecanismo de acompanhamento da correta reversão dos valores pagos em favor do menor.

O testamento pode tratar de todo o patrimônio do testador?

Instituto de Direito Civil, a Sucessão Testamentária possibilita, por meio do Testamento, a disposição da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois da morte de uma pessoa natural.

O Testamento é o instrumento garantidor de que o ato de última vontade de uma pessoa seja respeitado após a sua morte. Ele pode ser realizado de forma Pública, Cerrada ou Particular, observando-se, ainda, na sua confecção, alguns requisitos previstos em lei. Há também os Testamentos Especiais, como o militar, de utilização mais restrita. Mas, o objeto do nosso texto se restringe aos Testamentos Comuns.

Pois bem, por meio do Testamento Comum (público, cerrado ou particular), o Testador institui seus herdeiros ou legatários (os que recebem um bem específico do Testador).

Na dicção do artigo 1.857, do Código Civil, o Testador pode dispor sobre a totalidade dos seus bens, excetuando-se a parte legítima dos herdeiros necessários, nos moldes do §1º do citado dispositivo legal.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisando questão acerca da (in)validade de um Testamento entendeu que “apesar da interpretação literal do § 1º do artigo 1.857 do Código Civil sugerir que a legítima dos herdeiros necessários não é passível de disposição em Testamento, o texto deve ser analisado em conjunto com as demais disposições que regulam o tema, e que demonstram não ser essa a melhor interpretação”.

A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que “a legítima dos herdeiros necessários poderá ser referida e constar no Testamento, porque é lícito ao Testador, em vida e desde logo, pensar, organizar e estruturar a sua sucessão, desde que seja mencionada justamente para destinar a metade indisponível ou mais aos referidos herdeiros, sem que haja privação ou redução da parcela a que fazem jus por força de lei”.

O novel entendimento declarado pelo Superior Tribunal de Justiça preconiza a interpretação conjunta e teleológica das normas que tratam da liberdade conferida ao autor da herança para externar sua vontade acerca da disposição de seus bens, por ato entre vivos ou de última vontade, como é o caso do Testamento, e, reconhece a validade de cláusula testamentária que faça referência à totalidade do patrimônio do Testador, desde que preservada a legítima, que pertence aos herdeiros necessários por expressa previsão do artigo 1.846 do Código Civil.

Grande avanço para o Direito Sucessório.

ANTAQ regulamenta procedimento de mediação para resolução de conflitos no setor portuário

Em sua agenda regulatória para o triênio 2022-2024, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ estipulou, dentre as prioridades para o período, a regulamentação de procedimento para harmonizar conflitos de interesse entre os agentes que atuam nos setores regulados pela Agência (Tema 4.2).

Em cumprimento ao objetivo previsto, a ANTAQ publicou, no dia 01/06/2023, a Resolução nº 98/2023, que estabeleceu o procedimento administrativo de mediação em serviços portuários, de navegação e de afretamento de embarcações para resolução de conflitos entre os agentes sujeitos à regulação da Agência.

A norma, que está em período de vacância de 180 dias e entrará em vigor em 28/11/2023, traz a possibilidade de tais agentes requererem o procedimento de mediação para solucionar eventuais conflitos, sem a necessidade de intervenção do poder judiciário ou de juízo arbitral, que demandam desgastes financeiros e, muitas vezes, enfraquecem as relações negociais das partes.

Ademais, essa forma de autocomposição em que um terceiro imparcial apenas auxilia no diálogo entre os envolvidos no conflito tende a trazer resultados mais satisfatórios em relação aos interesses dos envolvidos no conflito, frise-se, sem a necessidade dos desgastes que envolvem um processo judicial ou arbitral.

De acordo com o procedimento instituído, as empresas, entidades ou usuários do setor portuário podem solicitar o início do processo de mediação de maneira simples. Basta que uma das partes envolvidas no conflito elabore requerimento com o detalhamento da questão controvertida, apresentando as devidas evidências e o contato das partes envolvidas e direcione para a Agência.

A partir de então, dá-se início ao processo de admissibilidade, quando a ANTAQ, através da área técnica responsável pela matéria do conflito, analisará questões preliminares e, estando o requerimento dentro do escopo da mediação regulatória, serão convidados os demais envolvidos para integrarem o processo de mediação, que será conduzido por servidor efetivo da área técnica competente.

Exemplos de situações que o artigo 6º da norma elenca como passíveis de resolução por meio do procedimento são a aplicação de regras contratuais, o fornecimento de serviços portuários e de transporte aquaviário, os preços de serviços prestados em regime de liberdade de preços e a instalação de infraestrutura dentro ou fora do porto organizado.

É importante ressaltar que, apesar de trazer um rol exemplificativo, o mesmo dispositivo delimita que os conflitos que podem ser objeto do processo de mediação são somente os que tratem de direitos patrimoniais disponíveis. Assim, em razão do princípio da indisponibilidade do patrimônio estatal, é possível depreender que, por enquanto, os conflitos que envolvam relações com o poder concedente não serão contemplados pela mediação regulatória.

Ainda assim, a normativa reflete passo importante para promover o diálogo, as soluções consensuais e os seus diversos benefícios, dentre os quais, a redução do risco de que as situações conflituosas resultem em prejuízos de maiores dimensões e transtornos para os envolvidos e para os usuários do setor portuário.

Por: Bruna Lima e Jamille Santos

É necessário requerer autorização judicial para realização do descarte de embriões criopreservados há mais de três anos?

Em que pese alguns pacientes ainda acreditem ser necessário autorização judicial para realização do descarte de embriões congelados há mais de três anos, tal premissa, no entanto, já não é verdadeira.

Isso porque, em que pese a anterior disposição da Resolução nº 2.294/2021 do CFM (Conselho Federal de Medicina) que previa expressamente a  necessidade de cumulação da vontade expressa dos pacientes com a autorização judicial para o descarte de embriões com mais de 3 (três) anos de criopreservação, o referido entendimento foi totalmente revogado em 20/09/2022, quando da publicação da Res. nº 2.230/2022 do CFM no Diário Oficial da União, perdendo, assim, os seus efeitos e a sua aplicabilidade ao caso concreto.

Somado a isso, a nova Resolução em vigor excluiu qualquer menção à obrigatoriedade de autorização judicial para realização do descarte de embriões criopreservados há mais de 3 (três) anos, sendo suficiente que os pacientes façam o pedido de descarte dos embriões às Clínicas de Fertilização e manifestem expressamente a sua vontade neste mesmo sentido, podendo, ainda, caso seja de interesse destes, acompanhar nas referidas Clínicas o momento do descarte dos embriões na data e horário indicados pelo estabelecimento de saúde.

Esse inclusive é o entendimento dos tribunais pátrios que já aplicam a premissa da inexigilidade da autorização judicial ante aos termos da Resolução CFM nº: 2.230/22. Veja-se:

 Prestação de serviços – Descarte de embriões criopreservados – Alvará judicial – Necessidade de autorização judicial – Resolução do Conselho Federal de Medicina 2.294/21 – Revogação desta pela Resolução 2.320, de 01 de setembro de 2.022, do mesmo Conselho, tornando inexigível a autorização judicial – Perda superveniente do objeto e, por consequência, do interesse de agir – Extinção sem julgamento do mérito – Art. 485, VI do CPC – Apelo não conhecido, cassado o efeito suspensivo.

(TJ-SP – AC: 10103564520218260020 SP 1010356-45.2021.8.26.0020, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 02/10/2022, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/10/2022)

Dessa maneira, consoante os termos da supracitada jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, em razão da ausência da necessidade de autorização judicial para realização do descarte de embriões na Resolução nº 2.230/2022, tornou-se inexigível o pedido de Alvará Judicial em demandas desta natureza, de modo que as ações judiciais que por ventura sejam propostas para tal fim devem ser extintas sem resolução de mérito em razão da perda superveniente do objeto e, consecutivamente, em razão falta do interesse de agir provocada pelos termos da legislação em vigor.

A Geração Distribuída de Energia na Lei nº 14.300/22

Diante da necessidade de adoção de meios de geração de energias sustentáveis e como forma de incentivar e regulamentar esta prática, a ANEEL publicou, em 2012, a Resolução Normativa n° 482/2012, estabelecendo as condições gerais para a geração e a compensação de energia elétrica. Com o crescente aumento da adesão às modalidades de geração de energia previstas, surgiu a necessidade de nova regulamentação, o que resultou na publicação da Lei nº 14.300/2022.

A referida lei, conhecida também como Marco Legal da Geração Distribuída de Energia, entrou em vigor em 7 de janeiro de 2022, a fim de regular as condições gerais para o acesso à microgeração e à minigeração de energia, isto é, em suma, para a geração de energia elétrica pelos consumidores com a consequente obtenção de compensações, notadamente, a partir de fontes renováveis, a exemplo da energia solar e da eólica.

As regras do Marco Legal passaram a valer a partir de 07 de janeiro de 2022, mas possibilitaram que os consumidores que, na forma das Resoluções Normativas 482/2012 e 687/2015 da ANEEL, já geravam e compensavam energia ou passaram a fazê-lo até 07 de janeiro de 2023, permaneçam sob o regime previsto pelas Resoluções por mais 25 anos, isto é, até o ano de 2045.

A legislação prevê o desconto referente à energia que foi gerada e injetada na rede pela unidade geradora e consumidora, com a possibilidade de compensação de energia excedente ao consumo desta unidade nas contas de outras unidades consumidoras que estejam na mesma rede de distribuição, de acordo com a modalidade que se adota.

Dentre as modalidades previstas, tem-se o autoconsumo remoto, em que a compensação do excedente ocorrerá em unidade consumidora diversa, mas de titularidade da mesma pessoa física ou jurídica titular unidade geradora. Outra modalidade prevista é a geração compartilhada de energia, em que consumidores diversos se reúnem em consórcio, cooperativa ou outras formas de associação, com o objetivo de compartilhar o excedente oriundo de uma unidade geradora de energia.

Na forma da Lei 14.300/22, o consumidor terá a opção de criar uma ordem de preferência para as outras unidades consumidoras. Assim, se uma pessoa jurídica gera energia a partir de sua matriz e o consumo daquela unidade é inferior à energia injetada na rede, através da opção de preferência, a empresa poderá indicar a sua filial “b”, que irá se beneficiar da compensação antes da filial “c”. 

Importante mencionar que se encontra em tramitação o Projeto de Lei n° 2.703/2022, que prevê dilação do prazo de requerimento aos consumidores que desejam realizar a instalação do sistema solar e terem direito à isenção das taxas previstas no Marco Legal até o mês de julho de 2023. O Projeto, no entanto, ainda não possui data definida para apreciação pelo Senado Federal, sendo incerta a prorrogação.

Mesmo com a incidência de tarifas, que serão aplicadas de forma escalonada até 2029, a geração distribuída de energia proporciona economias significativas e consiste, ainda, em oportunidade de negócios para as empresas do setor energético, exigindo investimentos iniciais que tendem a ser recuperáveis a curto prazo.

– Kristiny Brito e Jamille Santos

A dissolução parcial de sociedade e o impacto no patrimônio do sócio

Dentre as várias possibilidades jurídicas para o encerramento de uma sociedade empresarial, em relação a um dos sócios, encontra-se a ação de dissolução parcial de sociedade.

Na dicção do Código de Processo Civil, a ação de dissolução parcial de sociedade visa resolver a sociedade em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou, somente a resolução ou a apuração de haveres.

Como consequência natural da dissolução parcial de sociedade, deve-se verificar qual é o valor da quota e/ou ação do sócio falecido e/ou excluído e/ou retirante, sendo um importante desafio verificar-se e regular-se adequadamente a apuração dos haveres devidos.

Mas, quais os impactos que uma ação de dissolução parcial de sociedade tem em relação ao patrimônio dos demais sócios?

É de conhecimento de todos os operadores do Direito que os sócios respondem por seus atos societários, perante terceiros, desde o primeiro momento em que se inicia a operação negocial.

O Código Civil, por sua vez, regula, nos artigos 1.001 a 1.009, a responsabilidade dos sócios em relação aos direitos e obrigações entre si e terceiros, que devem ser observadas e cumpridas durante todo tempo em que a relação jurídica foi firmada, levando-se em conta, principalmente, o percentual de sua participação no capital social.

Isso significa que, em caso de eventual descumprimento da sociedade para com um sócio, a responsabilidade deste ficará limitada à sua quota social. E, seu patrimônio pessoal, via de regra, não será atingido, diante da regra da autonomia patrimonial da sociedade, prevista no artigo 49-A, do Código Civil, segundo a qual “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”.

Até então, tinha-se um cenário de certa tranquilidade patrimonial para os sócios de uma sociedade empresarial, inclusive em sede de ação de dissolução parcial de sociedade, ante a regra dos artigos 604, § 1º, e, 609, ambos do Código de Processo Civil cumulado com o artigo 1.031, §2º, do Código Civil.

Inobstante, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recente decisão, no recurso n° 2040083-24.2023.8.26.0000, envolvendo o tema da ação de dissolução parcial de sociedade, permitiu que o patrimônio pessoal do sócio remanescente fosse bloqueado, inclusive, sem a necessidade de apresentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.  

Segundo o Relator, “tem-se discutido qual a interpretação mais adequada e correta para o artigo 601, do Código de Processo Civil, identificando responsabilidade efetiva dos sócios remanescentes, que usufruem do capital fornecido pelo sócio retirante ou excluído enquanto não pagos seus haveres, sendo certo que não podem, simplesmente, impor a transferência dos riscos empresariais para quem teve rompido o vínculo societário”.

Entenderam os julgadores da Corte Paulista que “não é admissível que os sócios remanescentes, pura e simplesmente, capturem o capital do antigo sócio, usufruam do patrimônio alheio (muitas vezes, como no caso concreto, durante anos) e, ao final, imponham um inadimplemento irreversível, inviabilizando, em virtude dos resultados negativos da atividade empresarial realizada após o rompimento do vínculo societário, o pagamento dos haveres devidos pela pessoa jurídica, ficando isentos de qualquer responsabilidade patrimonial”.

Segundo eles, “os artigos 601 e 604, §1º, do Código de Processo Civil precisam ser interpretados de maneira conjugada e em consonância com a dinâmica funcional da atividade empresarial exercida por uma sociedade, como ente imaterial, não sendo viável, nas circunstâncias concretas aqui expostas, deixar de reconhecer a responsabilidade patrimonial dos agravantes. Não é, nem mesmo, necessária a desconsideração da personalidade jurídica e a perquirição das hipóteses concretas previstas no artigo 50, do Código Civil, pois, conforme as regras processuais regentes do procedimento especial da ação de dissolução parcial de sociedades, os sócios remanescentes são, desde o início do trâmite do processo, incluídos na relação processual. Há de se destacar, inclusive, que esta inclusão obrigatória perderia sua razão de ser caso não pudessem ser extraídos os reflexos patrimoniais em relevo, os quais, como o acima exposto, derivam de uma interpretação sistemática da legislação vigente”.

Assim, percebe-se que, doravante, apesar de todo regramento quanto à responsabilização do sócio numa sociedade, o seu patrimônio poderá sofrer, de forma mais simplificada, os impactos decorrentes de uma ação de dissolução parcial de sociedade, sem que haja a prévia instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, tudo isso para se evitar uma “fuga” da responsabilidade do sócio remanescente quanto às suas obrigações societárias.

Multipropriedade imobiliária e seu funcionamento: Uma análise da legislação brasileira

Também chamada de ‘time sharing’, a Multipropriedade imobiliária aparece como um modelo de propriedade onde há a ampliação do potencial de bens imóveis. Isso é, essa forma de copropriedade, incorporada em 2018 ao ordenamento civil brasileiro, acaba por viabilizar o compartilhamento de um imóvel com uso proporcional ao investimento do proprietário.

Nesse sentido, um mesmo imóvel passa a deter diversos donos, atentando-se ao fato de que cada um deles adquiriu uma fração ao valor total dessa propriedade. Para tanto, tais utilizar-se-ão do bem disposto por quantidades de tempo previamente fixadas entre os demais.

Para além disso, o chamado multiproprietário pode, outrossim, alienar e onerar sua fração de tempo de forma livre, devendo, contudo, informar tal fato ao administrador do condomínio nesse âmbito. Essa alienação da fração de tempo, por sua vez, não depende da anuência dos demais co-proprietários; tampouco se garante aos demais condôminos o direito de preferência.

Esse instituto, em sua totalidade, encontra-se encartado no âmbito da Lei nº 13.777 de 21 de dezembro de 2018, que regulamenta e o incorpora oficialmente ao direito civil brasileiro. De acordo com a aludida legislação, que passou a incluir o art. 1.358-C no Código Civil, tem-se:

“Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”

No que tange às frações de tempo, importante ressaltar inicialmente que se todas pertencerem ao mesmo proprietário, o instituto se extingue automaticamente. Ademais, o período correspondente a cada fração de tempo deverá ser fixo, determinado, flutuante ou, até mesmo, misto, viabilizando a flexibilização da determinação de tempo, cujo período mínimo deve superar 7 dias seguidos ou intercalados.

Outrossim, superadas as questões abordadas, a Lei determina que, a condomínios edilícios que estabelecerem a multipropriedade, o regimento interno deverá dispor de regras relativas à forma de utilização das áreas comuns, tal qual os direitos e deveres dos administradores com relação ao acesso ao imóvel.

Por fim, entende-se como vantajoso esse negócio jurídico, ao modo que compartilhar o tempo de uso com outros proprietários reduz o custo de investimento, se comparado à aquisição integral, e as despesas ordinárias e extraordinárias perante o imóvel. Ademais, ao modo que se tem bem de utilização otimizada e flexível, possibilita-se, ainda, a remuneração perante o tempo de não utilização do bem, conforme é legítimo o aluguel para terceiros. Em suma, no Brasil, a lei da Multipropriedade traz em seu bojo os limites mínimos de repartição de direitos e deveres dos possuidores, podendo o Instrumento de Instituição, ainda, regular as demais situações de interesse dos envolvidos. Tendo suas primeiras aparições em âmbito nacional na década de 80, vide contratos nos moldes hoje regulamentados, a promulgação da Lei disciplinando este acabou por trazer mais segurança jurídica a este negócio, ao mesmo tempo em que promove um ambiente também mais regulamentado e transparente no mercado.

(im) possibilidade de penhora de bem em construção sob o argumento de que se trata de bem de família

Em breve introdução ao tema, necessário tecer considerações sobre o conceito de bem de família, o seu breve histórico no sistema jurídico brasileiro e qual a finalidade de tal instituto na proteção da família.

A Lei º 8.009/90, foi criada com a finalidade de proteger a família, instituindo, assim, a impenhorabilidade do que é chamado de Bem de família, definido pela Lei como aquele bem que é utilizado como habitação da unidade familiar ou do casal.

Tal proteção garantida por Lei, considerada Direito fundamental, é de modo tão ampla, que abrange processos de todas as naturezas jurídicas, entre elas as mais tradicionais execuções cíveis, fiscais, trabalhistas e previdenciárias, existindo apenas algumas exceções fixadas pelo artigo 3º da Lei 8.009/90.

Sendo um direito fundamental, com direito amplo de proteção pelo Estado, o Superior Tribunal de Justiça tem sumulado diversos entendimentos sobre o tema, conforme explicitado na Súmula 364:

O imóvel residencial do próprio casal ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.”,

Bem como, como no entendimento adotado na Súmula 486, quando trata dos imóveis não utilizados para habitação, mas utilizados como meio de subsistência da família:

“É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.”

Ocorre que, em que pese o objetivo de proteção à família, os tribunais pátrios vinham adotando entendimento literal da Lei, sem admitir outras exceções à caracterização do que seria o Bem de Família, senão aquelas hipóteses já estabelecidas na legislação. Tal aplicação prática, no entanto, ia de encontro a evolução dos entendimentos jurisprudenciais formado de acordo com o desenvolvimento da sociedade.

É nessa perspectiva que a jurisprudência ganha relevância, posto que passa a ter significativa aplicação nos processos, com reflexos na própria vida social, porque indica os anseios e necessidades da sociedade, aptas a exigir prescrições legislativas.

E foi seguindo essa linha evolutiva que recentemente o Superior Tribunal de Justiça, por meio de entendimento da quarta turma, definiu que um imóvel em construção, pode ser considerado bem de família. Para tal caso, a caracterização do bem de família deve ser antecipada por decisão judicial.

No caso prático, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu pela penhorabilidade do bem, sob o fundamento de ser requisito ao deferimento da proteção legal estabelecida na Lei nº 8.009/90, servir o imóvel como residência, qualidade que não ostentaria o terreno com unidade habitacional em fase de construção/obra.

Por sua vez, o Ministro Relator do Recurso Especial nº 1960026, Marco Buzzi, destacou que a interpretação conferida pelas instâncias ordinárias não se coaduna à finalidade da Lei nº 8.009/90, que visa a proteger a entidade familiar, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família devem receber interpretação restritiva. Esclarecendo, ainda, que “o fato de um imóvel não ser edificado, por si só, não impede a sua qualificação como bem de família, pois esta depende da finalidade que lhe é atribuída” Feitas essas considerações, tem-se que STJ vem pacificando entendimento por meio das suas 3ª e 4ª turma, no sentido de que, não estando o bem dentro das hipóteses de exceção que permitem a penhora do bem de família estabelecidos pela Lei, a caracterização do bem de família deve ser feito caso a caso, sempre por meio do Tribunal Local, que tem o dever de sempre resguardar a entidade familiar,  ou seja, ainda que o bem esteja em construção, é possível considerá-lo impenhorável quando a família tem a intenção concreta de residir ou utilizá-lo como sustento da unidade familiar, tão logo fique pronto, seguindo os entendimentos das Súmulas 364 e 486 do STJ.

O dever de revelação do árbitro na atualidade

Diversos são os métodos que podem ser utilizados para a solução de disputas devendo as partes analisarem qual deles será mais eficiente e permitirá a melhor solução do conflito.

A possibilidade de utilização desses métodos diversos decorre do chamado sistema multiportas de solução de disputas, permitindo às partes a escolha do método mais adequado para a solução de sua disputa, seja a mediação, a conciliação, a arbitragem ou o próprio Poder Judiciário, dentre outros.

Diversas são as vantagens existentes em cada um desses métodos, o que deve ser avaliado pelas partes no momento de sua escolha.

Tratando especificamente da arbitragem, temos que, esse método de solução de disputas tem, como uma de suas principais características, a atenção à autonomia da vontade das partes, permitindo-lhes transacionar sobre as regras aplicáveis ao procedimento arbitral.

Nesse sentido, o uso da arbitragem pressupõe a possibilidade de as partes terem sua demanda julgada por árbitros que detenham conhecimento técnico específico sobre a matéria objeto da disputa, sendo eles indicados pelas próprias partes, à medida que são elas as responsáveis pela elaboração da convenção de arbitragem.

As partes devem, então, confiar plenamente no árbitro, que, a despeito de ser por elas indicado, deve ser um sujeito imparcial e independente, a fim de que a solução da disputa seja justa e imparcial.

Para assegurar a imparcialidade e independência do árbitro, a Lei de Arbitragem impõe a ele um dever de revelação, o qual corresponde à necessidade de o árbitro indicado levar ao conhecimento das partes qualquer informação que possa influenciar na análise de sua imparcialidade e independência

Essa obrigação está disposta no § 1º, do art. 14, da Lei nº 9.307/96, o qual dispõe que, antes da aceitação da função, a pessoa indicada para funcionar como árbitro deve revelar qualquer fato que aponte dúvida justificada quanto à sua independência e imparcialidade.

O dever de revelação, então, não está adstrito apenas a uma análise subjetiva do árbitro, mas à necessidade de apontamento de situações que detenham a potencialidade de gerar dúvidas sobre sua imparcialidade ou independência, o que abalaria a confiança das partes.

O dever de revelação é, portanto, uma obrigação legalmente imposta ao árbitro e que deve ser observada com o máximo de cautela possível.

Cahali (Curso de Arbitragem, RT, 2018) destaca que o dever de revelação vai além das causas e impedimento e suspeição, previstas no Código de Processo Civil, pois devem ser indicados os acontecimentos que possam gerar alguma dúvida quanto à imparcialidade e independência do árbitro, sejam de ordem pessoal ou profissional.

Há muitas críticas quanto à abrangência do termo “dúvida justificada” inserto no aludido dispositivo legal, mas é certo que o objetivo desse dever é assegurar a confiança que as partes terão com relação àquele que será eleito para o julgamento da disputa, garantindo-lhes a segurança necessária quanto à imparcialidade e independência do árbitro, para que seja realizado um julgamento justo.

Recentemente, a União Brasil questionou, ao Supremo Tribunal Federal, a extensão do dever de revelação, na busca de estabelecimento de critérios para o exercício desse dever, ajuizando a ADPF 1.050, que foi distribuída para o Ministro Alexandre de Moraes e recebida como Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Um grande debate, decerto, será travado nessa ação, afinal, a uma primeira vista, nos parece que o requerido pela União Brasil poderá trazer, em verdade, um engessamento desse dever, o que pode trazer prejuízos para a arbitragem.

Atualmente, o dever de revelação dos árbitros é orientado por diversos códigos de conduta dos árbitros, além de que algumas instituições possuem formulários próprios que buscam nortear a avaliação de quais condutas poderiam interferir na imparcialidade e independência do árbitro, a exemplo dos arts. 9º e 11.3 do Regulamento do CAM-CCBC, o qual prevê que os árbitros indicados preencherão o “Questionário de Conflitos de Interesse e Disponibilidade”.

Registre-se, ainda, que o dever de revelação não está adstrito apenas a esse momento inicial, relativo à nomeação e aceitação do árbitro, uma vez que ele é aplicável ao longo de todo o procedimento arbitral, o que faz com que seja, então, dinâmico. Assim, é possível concluir que as discussões acerca dos parâmetros que devem ser utilizados pelos árbitros para aferição do que deve ser revelado às partes, ou não, será intensificada no futuro próximo, o que não significa dizer, no nosso sentir, que esse dever não seja atendido satisfatoriamente na atualidade, ao passo que diversos são os critérios utilizados pelos árbitros, com os códigos de conduta e formulários acima citados.

A Tutela de Urgência na Recuperação Judicial

Vivemos numa sociedade que adotou a cultura da urgência, iniciado nas rotinas laborais antes de invadir o cotidiano doméstico e empresarial.

Etimologicamente, a palavra “urgência” significa algo que necessita de uma solução imediata.

Diante dessa nova realidade, a possibilidade de interação humana se tornou mais rápida, houve também uma mudança na percepção da fluidez de nossas tarefas, e passamos a nos entender como capazes de executar multitarefas simultaneamente.

Dessa forma, institui-se uma “cobrança” por uma entrega maior em um tempo menor, pois tudo passou a ser urgente. É a urgência zero, seguida da urgência um e assim, sucessivamente, diariamente.

Transpondo essa urgência para o ambiente societário, especialmente de empresa em crise, temos visto a importância, na prática, das modificações ocorridas na Lei n° 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, ocorrida em dezembro de 2020, por meio da qual restou inserida, no ordenamento jurídico brasileiro, uma forma de antecipação dos efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial em seu bojo, atendendo ao fator urgência da empresa insolvente.

Em que pese essa ausência legal até antes de dezembro de 2020, quando ocorreu a reforma da Lei, utilizava-se de forma subsidiária a previsão contida no Código de Processo Civil e, em respeito ao princípio da preservação da empresa, a tutela de urgência pleiteada, via de regra, era deferida.

Após a reforma da Lei n° 11.101/05, a possibilidade de antecipação dos efeitos da decisão que defere o processamento da recuperação judicial tornou-se prática comum, iniciando-se uma nova fase do sistema de insolvência, com a expectativa de mais eficiência.

Tal eficiência refletiu-se na redação do atual artigo 6º, §12 da Lei n° 11.101/05 que diz: “Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”

O mencionado dispositivo legal tem sido colocado em prática e tem sido uma opção relevante para as empresas que buscam preservar a atividade empresarial até se preparar para protocolar o pedido de recuperação judicial.

Para além da previsão contida no § 12, do artigo 6º da Lei n° 11.101/2005, a reforma inseriu o artigo 20-B, § 1º, que trata da tutela de urgência cautelar.

A crise na Americanas, na Oi, em alguns Clubes Esportivos de Futebol e na Cervejaria, jogou holofotes para essa saída jurídica.

Mas, é preciso diferenciar a tutela de urgência concedida com base no artigo 6º, § 12, da tutela cautelar prevista no artigo 20-B, § 1º, todos institutos previstos na Lei n° 11.101/2005.

A opção pelo uso da tutela de urgência antecipada, com base no artigo 6º, deixa os credores sem disposição para negociação. Isso porque o dispositivo obriga a empresa a pedir, no prazo de 30 dias, a recuperação judicial, sob pena de perda da eficácia da medida.

Já a tutela fundamentada no artigo 20-B, § 1º, da Lei n° 11.101/2005, autoriza o Poder Judiciário a conceder medida cautelar, espécie de tutela de urgência, consistente na suspensão, por 60 dias, das execuções movidas contra o devedor.

Nesta última medida, o intuito do legislador é impedir a expropriação do patrimônio do devedor durante o período em que este se organiza e se prepara para a distribuição da recuperação judicial, tratando-se de medida de cunho meramente preparatório — tanto que, nos termos do artigo 20-B, §3º, sobrevinda a recuperação judicial, o stay period será descontado do prazo pelo qual as execuções ficaram suspensas durante a mediação preparatória.

Superada essa breve distinção, percebe-se que, em meio a um cenário de crise econômico-financeira reversível, as medidas de urgência no processo de recuperação judicial podem funcionar como importantes ferramentas para a reestruturação e soerguimento empresarial, cabendo ao profissional do Direito, pois, diante do caso concreto, aplicar a medida necessária e adequada.