A relação entre a Lei Geral de Proteção de dados e o Direito Imobiliário

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada no Brasil em agosto de 2018, estabelece regras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais por empresas ou pessoas físicas, com penalidades para o não cumprimento da norma. Essa lei foi inspirada na legislação europeia, chamada de “General Data Protection Regulation” (GDPR).

A GDPR, por sua vez, foi criada após vazamento em massa de dados pessoais de usuários do Facebook, envolvidos no escândalo que vinculou o projeto Brexit e a empresa de dados Cambridge Analytica. No caso do Brasil, muitos usuários da internet e redes sociais consideravam a internet uma “terra sem lei”, onde poderiam falar o que quisessem, vazar dados e imagens particulares de outras pessoas sem autorização. A LGPD chegou para mudar essa cultura e criar proteção aos direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.

No setor imobiliário, a referida Lei trouxe importantes mudanças, impactando diretamente a forma como empresas lidam com informações pessoais de clientes, fornecedores e colaboradores. A LGPD exige que as empresas adotem medidas rigorosas para garantir a segurança e privacidade dos dados coletados durante transações imobiliárias, como compra, venda, locação, administração de imóveis etc.

As imobiliárias e corretores devem obter consentimento explícito dos clientes para coletar e processar seus dados pessoais, explicando claramente como serão utilizados. Além disso, é fundamental garantir a segurança dessas informações, adotando medidas de proteção adequadas para evitar vazamentos ou acesso não autorizado.

No contexto de transações imobiliárias, a LGPD também impacta a forma como as informações são compartilhadas entre as partes envolvidas, como compradores e vendedores, locadores e locatários. É necessário garantir que apenas dados estritamente necessários sejam compartilhados e que haja um cuidado especial ao transferir informações para terceiros, como empresas de financiamento ou seguradoras.

Ainda no âmbito imobiliário, os dados pessoais frequentemente coletados, armazenados ou processados incluem informações de identificação (como nome, CPF, RG, endereço, telefone e e-mail), dados financeiros (como renda, comprovante de renda e histórico de crédito) e informações sobre preferências imobiliárias, incluindo histórico de buscas e interesses específicos em imóveis. As imobiliárias também precisam seguir à risca as regras, a fim de estarem aptas para atuar de acordo com a lei e, também, para oferecer confiança aos clientes.

A LGPD estabelece penalidades severas para o descumprimento das normas de proteção de dados, incluindo multas que podem chegar a valores significativos. Portanto, é essencial que as empresas do setor imobiliário estejam em conformidade com a lei, implementando políticas e procedimentos robustos de proteção de dados e promovendo a conscientização sobre a importância da privacidade das informações pessoais no contexto imobiliário.

A prova dessa penalidade severa é que a primeira sentença aplicando a LGPD no Brasil envolveu o setor imobiliário. O autor da ação havia adquirido um imóvel com uma construtora e foi incomodado por ligações de parceiros da construtora oferecendo móveis planejados e outros serviços. Em 29 de setembro de 2020, a sentença foi proferida penalizando a construtora, grande empresa do setor imobiliário do país, por compartilhar indevidamente dados pessoais e contatos dos seus clientes.

Por fim, é de suma importância que essa sentença sirva de alerta para o setor imobiliário. Ainda há quem acredite que o vazamento de um telefone, ou um e-mail, sem autorização do cliente não vá trazer problemas, que apenas a divulgação de documento ou informações confidenciais poderia acarretar numa ação judicial aplicando a LGPD. Porém, sentenças como essa afirmam o contrário desse pensamento e certificam que o vazamento de qualquer dado pessoal, sem autorização do cliente, está infringindo a Lei Geral de Proteção de Dados.

Contrato de trabalho marítimo e a importância da repatriação à luz da Convenção do Trabalho Marítimo (MLC-2006)

As regras essenciais que norteiam o direito laboral estão inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que em seus artigos 442 e 443 prevê que o contrato de trabalho pode ser tácito ou expresso.

Sendo que, para a gente do mar, que exerce seu labor de forma confinada a bordo de navio, é conveniente o estabelecimento de regramento específico, por se tratar de categoria diferenciada dadas as peculiaridades desta atividade.

No entanto, sobre o trabalho marítimo a CLT, em seus artigos 248 a 252, se limita, em linhas gerais, a trazer disposições sobre a jornada de trabalho destes profissionais, fazendo com que este tipo de contrato de trabalho se socorra de outras fontes para sua regulamentação, mormente diante do alcance internacional que podem ter diante de navegação de longo curso, aquela realizada entre portos brasileiros e estrangeiros.

Entre as várias fontes que balizam o contrato de trabalho marítimo há as normas coletivas, normas regulamentadoras (NRs) expedidas pelo Ministério do Trabalho e as convenções internacionais, com destaque à MLC-2006, criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a finalidade, sobretudo, de resguardar a segurança da gente do mar.

Apesar da sua criação em 2006, o Brasil apenas ratificou esta convenção em 2020, com sua entrada em vigor no país em 07/05/2021. Posteriormente, a Portaria MTP nº 3.802/2022 passou a regulamentar as disposições da MLC-2006.

Ao revés do que consta na CLT em relação aos contratos de trabalho comuns, o contrato de trabalho marítimo, seguindo as diretrizes da MLC-2006, deve ser celebrado de forma escrita e constar uma cópia deste documento em inglês que deve ser disponibilizada a bordo do navio onde o trabalhador preste serviço.

Neste cenário, o contrato de trabalho marítimo deve conter (i) cláusula que qualifique o armador (pessoa física ou jurídica que apresta a embarcação para fins comerciais), e descrição da (ii) função, (iii) valor do salário, (iv) indicação do prazo do contrato (prazo determinado ou indeterminado), (v) montante de férias anuais, (vi) benefícios de saúde e previdência, (vii) norma coletiva aplicável e (viii) direito de repatriação.

Dando ênfase ao direito de repatriação, o que se busca é garantir o retorno do trabalhador marítimo ao seu local de origem sem cobrança de custos adicionais em caso de rescisão do contrato de trabalho em território estrangeiro ou de falta de condições de trabalho.

Esta garantia financeira é de responsabilidade do armador advertindo a MLC-2006 que “se um armador não adoptar as medidas necessárias para o repatriamento de um marítimo que a ele [repatriamento] tenha direito, ou se não assumir os respectivos custos a autoridade competente do Estado da bandeira [do navio]deve organizar o repatriamento e se este não o fizer, o Estado a partir de cujo território o marítimo deve ser repatriado ou o Estado de que é nacional podem organizar o repatriamento e recuperar os custos junto do Estado da bandeira”.

Seguindo estas premissas, o contrato de trabalho marítimo se reveste de maior segurança para as partes convenentes.

Extensão da Regra de Impenhorabilidade de Caderneta de Poupança

O Código de Processo Civil é expresso em seu artigo 833, inciso X, ao afirmar que a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos não pode ser penhorada.

Tal regra de impenhorabilidade foi inserida pelos legisladores, com o claro intuito de garantia do mínimo existencial da pessoa física, estritamente relacionado com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ou seja, o mínimo valor financeiro que possa dar garantia de saúde, alimentação, educação para si e para sua família.

No entanto, em que pese a regra aparentemente estrita do CPC, no recente julgamento do Recursos Especiais 1.660.671 e 1.677.144, a corte especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que esse limite pode ser estendido à conta corrente ou qualquer outra modalidade de aplicação financeira.

Nos recursos supramencionados a Fazenda Nacional defendia a tese de que a impenhorabilidade prevista no CPC seria restritiva, tendo aplicação apenas aos recursos depositados em poupança. O julgamento teve início em 2019, quando o Ministro Herman Benjamin seguiu a tese da Fazenda Pública, no entanto, na ocasião, o Ministro Luis Felipe Salomão divergiu do relator, ao entender que a proteção independe da natureza da conta em que os valores estão depositados, devendo ser observado a finalidade da proteção legal.

Ao retomar o julgamento em 2024, o Ministro Herman Benjamin retificou seu voto e declarou que a impenhorabilidade se aplica de forma automática aos valores em poupança, porém, caso haja bloqueio de valores em conta corrente ou outros investimentos pelo Bacenjud, é possível estender a regra com a comprovação da natureza dos recursos.

Sendo assim, nas palavras do relator: “Se a medida de bloqueio/penhora judicial por meio físico ou eletrônico atingir dinheiro mantido em conta corrente ou qualquer outra aplicação financeira, poderá, eventualmente, a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento”. Chegou-se, por fim, à conclusão de que, desde que comprovado pela parte atingida pelo ato constritivo que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial, independe a modalidade da conta onde os valores estão depositados.

Prova de Conceito em Licitações: do teórico ao factível

A Prova de Conceito é ferramenta indispensável em processos licitatórios com objetos complexos de inovações e tecnologia da informação, que necessitam de demonstração da viabilidade técnica e funcional da proposta apresentada pelo licitante, antes de sua efetiva contratação.

De um modo geral, a intitulada POC é uma estratégia importante para o sucesso da licitação, pois é justamente neste momento que se verifica se a proposta apresentada atende aos requisitos definidos no edital e comprova na prática que as soluções apresentadas na teoria, são factíveis.

Instaurar a Prova de Conceito no processo licitatório, visa resguardar o interesse público, traz segurança na redução de riscos e maior probabilidade de êxito na execução do objeto licitado, além de assegurar aos licitantes com melhor expertise, que decerto será o vencedor do certame.

Na POC deve se prezar pelo caráter da motivação justificada para sua realização, transparência e objetividade. Os critérios de apresentação são previamente definidos no edital e termo de referência. Uma comissão técnica específica do órgão público que emanou a licitação, julga a performance da apresentação da empresa provisoriamente declarada vencedora do certame e pontua os itens apresentados na prática, aprovando-a ou reprovando-a.

Nesse sentido, os licitantes que apresentam a POC e não atendem aos requisitos técnicos dispostos, tem baixa performance, não cumprem o prazo estipulado ou ainda se a solução exposta não demonstrar a qualidade necessária para atender às necessidades da organização ou não estiverem em conformidade com as normas e padrões exigidos no edital, podem ser desclassificados do certame.
No que se refere à previsão legal sobre Prova de Conceito, a Nova Lei de Licitações nº 14.133/21, nos artigos os artigos 17, § 3º e o artigo 41, II, traz previsões, porém sem muito aprofundamento em suas peculiaridades.

A superficialidade e falta de definições dos critérios específicos nas leis norteadoras dos certames licitatórios sobre a Prova de Conceito, fase que pode até mesmo vir a desclassificar licitantes do certame, traz inquietação àqueles que trabalham no tema, visto a falta de embasamento legal para alguns pontos de sua realização, julgamento e homologação.

Por tal razão, o Tribunal de Contas da União tem se posicionado no sentido de permitir que a POC poderá ser exigida na fase de classificação e apenas para o licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar, após a etapa de lances, considerando, assim, que a Prova de Conceito é uma medida essencial que dispõe o gestor para assegurar a eficácia da contratação”. O Acordão nº1984 – TCU determina que “A Prova de Conceitos (PoC), no âmbito da jurisprudência dessa Corte de Contas, corresponde a uma apresentação de amostras no contexto de uma licitação, com o objetivo de permitir que a empresa provisoriamente classificada em primeiro lugar no certame, comprove que a solução apresentada satisfaz os requisitos exigidos no edital”

Portanto, a POC é uma metodologia contemporânea, aplicada em diversos tipos de negócios e conceber esse conceito e utilizá-lo nos processos licitatórios traz vários benefícios, pois ajuda a impulsionar a inovação, melhora a eficiência e otimiza a implementação de projetos e soluções, além de ser uma etapa importante para a modernização, controle, segurança, economicidade e progresso do poder público e de toda a sociedade.


Por: Soraya Vasconcelos

Nova lei traz estabilidade regulatória ao serviço de praticagem nos portos brasileiros

Na segunda-feira passada (15/01/2024) foi sancionada a Lei nº 14.813/2024, destinada a regulamentar tecnicamente e conferir estabilidade regulatória aos preços do serviço de praticagem nos portos brasileiros.

O serviço de praticagem, que consiste em guiar o navio no porto até a ancoragem para garantia da segurança da navegação, e que até então era executado exclusivamente pelos práticos devidamente habilitadas perante a Marinha do Brasil, poderá ser feito por Comandantes brasileiros de navios de bandeira brasileira que tenha até 100 (cem) metros de cumprimento e cuja tripulação seja composta de, no mínimo, 2/3 (dois terços) de brasileiros, desde que adquiram Certificado de Isenção de Praticagem.

Para obter este certificado de isenção, o Comandante deve preencher requisitos relacionados ao tempo de descanso monitorado pela autoridade marítima e à atuação prévia como Comandante do navio dentro da zona de praticagem.

O certificado de isenção não exime o tomador do pagamento da remuneração devida à praticagem local em razão da sua permanente disponibilidade do serviço. E sobre isso a nova lei estabelece que o preço do serviço será livremente negociado entre os tomadores e prestadores do serviço, reprimidas quaisquer práticas de abuso do poder econômico.

Na prática, cabe à cada empresa de praticagem estabelecer sua tabela de preço. O que deve ser obedecida é a Escala de Rodízio Único (ERU) que é fiscalizada pela Marinha do Brasil (regulação técnica). Por isso, o tomador não tem como definir qual empresa lhe prestará o serviço de praticagem, o qual deve seguir a ERU.

Em Pernambuco, por exemplo, há três empresas de praticagem, e uma delas optou por não mais seguir os valores convencionados na tabela de preços constante do acordo firmado entre o Sindicato dos Práticos e o Sindicato das Agências de Navegação, criando sua própria tabela de preços, o que é permitido diante da forma como a regulação econômica da atividade está disposta na nova lei.

Isso porque, apenas em casos excepcionais e mediante provocação fundamentada de uma das partes contratantes, a autoridade marítima, poderá fixar o preço do serviço de praticagem, por período não superior a um ano, prorrogável por igual período, se comprovado abuso do poder econômico ou defasagem do preço do serviço. O parecer respectivo deverá ser emitido em até 45 (quarenta e cinco) dias.

ANPD abre consulta para regulação do encarregado de proteção de dados (DPO)

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) realizou, no último dia 05 de dezembro, uma audiência pública visando colher contribuições da sociedade quanto à proposta de regulamento para o Encarregado de Dados[1], o chamado DPO (Data Protection Officer), previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A mencionada audiência, em conjunto com a consulta pública, aberta entre os últimos meses de novembro e dezembro, disponibiliza a todos a possibilidade de aprimorar a proposta de regulamentação incluída na Agenda Regulatória da Autoridade para o biênio 2023-2024[2], especialmente aos profissionais e organizações interessadas.

Diante de uma série de avanços e marcos de relevo observáveis nos últimos anos[3], a LGPD caminha rapidamente à sedimentação de sua influência no ambiente de proteção de dados no Brasil. Para isso, a função do Encarregado de Dados (DPO) é imprescindível.

O Encarregado de Dados é o elo entre a organização, os titulares dos dados pessoais e a ANPD, tornando-se fundamental à defesa dos princípios encampados na LGPD. No processo de adequação à referida legislação, uma das várias medidas a serem adotadas pelas empresas ou entes públicos é, certamente, a designação do DPO.

Suas atividades incluem receber reclamações dos titulares/comunicações da ANPD e respondê-las, bem como orientar os colaboradores nos processos relacionados à conformidade com a proteção de dados, a partir da definição do artigo 41 da LGPD, de diretrizes pela ANPD e de boas práticas internacionais.

A resolução sugerida pela ANPD aborda diversos aspectos da atuação do Encarregado, dentre eles os requisitos para o exercício da função, importantes definições sobre acúmulo de funções e sobre conflitos de interesse, bem como o esclarecimento de dúvidas que pairavam quanto às responsabilidades designadas.

Após o encerramento da consulta pública, a ANPD analisará as contribuições recebidas e elaborará uma versão final da resolução. A resolução será publicada no Diário Oficial da União e entrará em vigor em até 180 dias após a sua publicação.

Como citado supra, a regulamentação efetivamente positivada do Encarregado de Dados é um passo importante à implementação da LGPD no Brasil, diante da essencialidade da figura do Encarregado à proteção dos dados pessoais tratados pelas organizações, o que, evidentemente, exige grande responsabilidade para a atuação apropriada dessa função.

Em janeiro de 2022, uma resolução da ANPD flexibilizou uma série de pontos da LGPD para pequenas empresas e startups.

Com as novas regras, a indicação de um Encarregado passou a ser opcional para pequenas empresas e startups, e continuou sendo obrigatória para as demais, também abrindo caminho para que a função seja exercida por um prestador de serviços, seja pessoa física ou jurídica.

Dessa forma, o cargo não precisa, necessariamente, ser exercido por algum colaborador da empresa. É possível terceirizar a função para uma pessoa, advogado, empresa ou escritório de advocacia especializados na área.

O fundamental é que o Encarregado, tal como concebido na legislação europeia[4], seja designado com base em suas qualidades profissionais, e, principalmente, tenha conhecimento especializado no domínio do direito e das boas práticas de proteção de dados pessoais.

Na prática, advogados/escritórios de advocacia, consultores e profissionais de segurança da informação vêm ocupando o referido cargo, de modo que a multidisciplinaridade se consolida como importante fator para o cumprimento dos encargos do DPO.

Destaca-se, por fim, que, independentemente da obrigatoriedade ou não do cargo, a presença de um Encarregado configura boa prática para a manutenção do programa de conformidade da organização, motivo pelo qual se recomenda a busca de profissionais da área para o cargo, observando-se, logicamente, o porte da organização, bem como suas atividades e atribuições no tratamento dos dados pessoais.


[1] https://www.gov.br/participamaisbrasil/regulamento-encarregado

[2] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-anpd-n-35-de-4-de-novembro-de-2022-442057885

[3] https://www.coelhodalle.com.br/3-anos-de-lgpd-primeiros-passos-na-protecao-de-dados-no-brasil/

[4] Legislação europeia que inspirou a formulação da LGPD.


Por: André Garcia Filho

É possível realizar a compra e venda de um imóvel em processo de inventário?

A pergunta realizada no título desta matéria pode ser uma dúvida bastante frequente das pessoas que passam por situações de perda de parentes, afinal, os gastos que os familiares têm com os custos funerários são muito altos.

Antes de adentrar ao tema, é importante destacar que o inventário é um instrumento jurídico de muita relevância, pois, é nele que será discriminado o espólio, ou seja, o conjunto de todos os bens, direitos e obrigações da pessoa falecida, a fim de se promover a partilha.

Como dispõe o artigo 1.784 do Código Civil, a partir do momento em que um indivíduo falece, todos os seus bens são transmitidos aos seus herdeiros de forma imediata. Dessa maneira, o condutor do procedimento de inventário, geralmente é um dos herdeiros, em observância à ordem de preferência legal. A legislação aduz que o juiz nomeará, primeiramente, o cônjuge ou o companheiro sobrevivente que estivesse convivendo com o falecido quando da sua morte, não havendo tal parceiro ou este não podendo assumir a aludida função, outro herdeiro será nomeado inventariante.

Nessa esteira, tendo em vista a transmissão dos bens e direitos aos herdeiros ocorrer imediatamente no momento da morte, o inventário deverá ser aberto em até 60 dias após o óbito, sob pena de multa sobre o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação).

Para este procedimento ser realizado, os herdeiros poderão optar por qual caminho seguir: a via judicial ou a extrajudicial. A primeira, realizada com a intervenção do Judiciário, é indicada para as situações de maior complexidade, como por exemplo: herança envolvendo menores de idade ou casos em que os herdeiros não chegam a um consenso no tocante à partilha. Já a segunda categoria, em que não há a necessidade da atuação do Poder Judiciário, se dá diante do consenso entre as partes envolvidas sobre como a partilha ocorrerá, entre outros requisitos e poderá ser realizada em qualquer Cartório de Notas, de maneira mais ágil e flexível.

É válido dizer, ainda, que a realização de um inventário é essencial para que a transferência dos bens do falecido seja reconhecida em órgãos públicos, bancos, judiciário, entre outros, garantindo aos herdeiros pleno direito sobre os bens.

Feitas essas considerações, é comum observar que os familiares geralmente têm interesse na venda de algum dos bens objetos do inventário devido às diversas despesas do procedimento, tais como: custos com advogados, com o registro do formal de partilha e até o próprio Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, entre outros. Diante disso, é importante mencionar que, independentemente do meio, judicial ou extrajudicial, do inventário, existe a possibilidade da venda do imóvel através de uma autorização judicial, mediante um alvará. O aludido procedimento está disposto no artigo 619 do Código de Processo Civil, e aduz que o inventariante deverá requerer autorização do juiz para realizar a alienação do imóvel objeto de inventário, enquanto a partilha de bens estiver pendente, devendo, ainda, informar os motivos para que ocorra a antecipação da venda.

Por fim, respondendo à pergunta inserida no título do texto, a compra e venda de um imóvel integrante de um espólio é permitida, desde que haja um alvará judicial possibilitando a lavratura da escritura de compra e venda.

Piso Salarial da Enfermagem e o Setor Privado

A discussão sobre o piso salarial da enfermagem é enfrentada há anos no Brasil, mas ganhou forças com a pandemia da Covid-19, vivenciada no nosso país em 2020, o que fez com que o segmento se fortalecesse ainda mais em busca do aumento salarial.

Em 14 de agosto de 2022, foi sancionada a Lei 14.434, instituindo o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

A referida lei fixou o piso salarial em R$ 4.750,00, para os enfermeiros dos setores público e privado. O valor desse piso ainda serviu de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem, que é de 70% do piso, bem como dos auxiliares de enfermagem e parteiras, que é de 50% do piso. A lei foi considerada um avanço e muito comemorada pela enfermagem.

Em 04 de setembro de 2022, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, através de uma decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222, suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

A ADI 7222 foi apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços – CNSaúde, visando questionar a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, assegurando que a aplicação da lei poderia aumentar o desemprego, gerar a falência de unidades de saúde ou aumento de repasse de custos no serviço privado, entre outros problemas.

Em 15 de maio de 2023, Luís Roberto Barroso revogou a liminar concedida na ADI 7222 e determinou o cumprimento do piso nacional da Enfermagem, em todo o território brasileiro. A nova decisão proferida levou em consideração a sanção da Lei 14.581/2023, que autorizou a transferência de R$ 7,3 bilhões destinados à assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o pagamento do piso salarial dos profissionais da enfermagem.

Nos termos da decisão de Luís Roberto Barroso, o cumprimento do piso salarial, para os entes públicos, deveria ser de forma imediata. Já no caso dos profissionais da iniciativa privada, o ministro ressaltou que haverá a possibilidade de negociação coletiva. Além disso, também para as empresas privadas, estabeleceu um prazo maior para produção de efeitos da decisão, que seria a partir de 1º de julho de 2023.

O caso foi levado ao Plenário para a análise e votação dos demais ministros, tendo o STF, quando do julgamento da ADI 7222, fixado o entendimento de que o piso salarial nacional da enfermagem, do setor público, deve ser pago pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, na medida dos repasses dos recursos federais.

O Supremo definiu, ainda, em relação às empresas privadas, que é imprescindível a tentativa de negociação coletiva para a implementação do piso salarial nacional, tratando isso como requisito procedimental obrigatório. Acrescentou que, nos casos em que não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, definiu que a aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação da ata do julgamento, mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.

Após a decisão do STF, a CNSaúde buscou auxílio ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), para uma possível mediação e busca de alternativas que pudessem atender ambas as partes. A entidade alegou entraves e dificuldades enfrentadas para chegar a um acordo com os representantes dos trabalhadores, afirmando que “há uma procrastinação das tratativas sobre o piso da enfermagem, no intuito de deixa vencer o prazo de 60 dias sem negociação concluída, para manter os valores fixados em lei”. Já os representantes dos trabalhadores alegam que as propostas apresentadas sugerem prazos longos para recebimento dos novos valores, o que não é aceito por eles.

Após alguns adiamentos, a negociação unilateral com o CNSaúde foi realizada no dia 07 de novembro de 2023, no entanto, o TST não aceitou a proposta apresentada pela entidade patronal para implantação do piso nacional dos profissionais de enfermagem do setor privado e, por essa razão, o documento não foi levado à categoria dos trabalhadores. O TST considerou que a proposta era incapaz de atender aos interesses da Enfermagem. Após finalizada a reunião, a CNSaúde solicitou prazo para apresentar uma nova proposta, que diz ser capaz de atender aos pleitos da enfermagem. A nova proposta foi entregue no dia 17 de novembro de 2023, mas o seu teor não foi divulgado e a justificativa do TST foi de que primeiro queria debater com os trabalhadores, antes que torne público para toda a sociedade.

Em paralelo, também após aquela decisão do STF, foram opostos alguns Embargos de Declaração, cujo julgamento daqueles embargos opostos pelo Senado Federal foi finalizado no último dia 18/12/23. Os demais embargos declaratórios deixaram de ser acolhidos.

Por maioria, o plenário do STF decidiu manter as 44 horas semanais trabalhadas, como referência para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem, bem como determinou a negociação coletiva regionalizada sobre o pagamento do piso no setor privado. Também foi autorizada a redução salarial, com pagamento proporcional do piso, em caso de redução de jornada.

Foi esclarecido, também, que para a observância do piso salarial devem ser consideradas todas as parcelas que integrem a remuneração e sejam pagas aos trabalhadores de forma permanente. Ou seja, o piso salarial vai levar em consideração a remuneração global e não apenas o salário base, podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente, no caso de carga horária inferior a 8 horas por dia ou 44 horas semanais.

No caso das entidades privadas, a implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada, mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Em sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, que se dará via processo judicial.

Conforme esclarecido acima, antes dessa nova decisão, o STF havia decidido que, para as entidades privadas, nos casos em que não houvesse acordo, o piso deveria ser pago na forma da lei. Essa mudança acabou sendo, de certa forma, positiva para as entidades privadas, pois a possibilidade de se admitir negociações coletivas regionalizadas vai permitir uma adequação do piso à realidade dos diferentes hospitais e entidades privadas de saúde.

Não se questiona e nem se discute que o novo piso nacional representa uma conquista para os profissionais do setor. No entanto, na rede privada, é um ponto que tem gerado grandes preocupações e discussões diversas, a começar pela viabilidade ou não do pagamento, já que os hospitais privados alegam que não conseguem, financeiramente, realizar o aumento nas remunerações desses profissionais. Foram realizadas várias pesquisas sobre o impacto desse aumento, na esfera das entidades privadas, e o resultado que se tem é que, por estimativa, a medida ocasionaria em uma demissão de 79,3 mil profissionais da enfermagem, o que é um quadro preocupante. Nos parece que as entidades privadas tem um desafio a percorrer e a negociação vai se tornar necessária.

Da responsabilidade do banco por vazamentos de dados que resultaram na aplicação do “golpe do boleto”

No julgamento do REsp 2.077.278, ocorrido em 09/10/2023, a 3ª turma do STJ entendeu que as instituições bancárias respondem pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

Sabe-se do crescente número de estelionatos ocorridos na era digital, bem como da existência de golpistas que se passam por funcionários de um banco e emitem boleto falso para receberem indevidamente o pagamento feito pelo cliente.   

No caso concreto, trata-se de ação de declaratória de inexigibilidade de débito por vazamento de dados bancários cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, através da qual a Autora informou que havia solicitado informações acerca da quitação do financiamento via e-mail, tendo sido contatada via WhatsApp para quitação da dívida, oportunidade em que realizou o pagamento do boleto falso, no valor que girou em torno de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

A sentença de primeiro grau condenou o banco a considerar a dívida quitada mediante o pagamento do boleto falso e a devolver o valor que foi pago a partir de então, com correção e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês.

No julgamento de segundo grau, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),  que o golpe contra a cliente foi aplicado por meio de negociações realizadas de maneira informal, afastando a responsabilidade do banco com base no fundamento de que os dados do boleto falso divergiam dos dados constantes do contrato de financiamento, imputando a responsabilidade à consumidora que “falhou em seu dever de segurança e cautela”.

A consumidora, então, apresentou recurso especial, tendo o STJ decidido por reformar o acórdão do TJSP, restabelecendo a sentença que condenou o banco a declarar válido o pagamento realizado por meio de boleto fraudado e devolver à cliente parcelas pagas indevidamente em contrato de financiamento.

Nos fundamentos do Recurso Especial, a ministra Nancy Andrighi entendeu que, no caso concreto, houve  defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC e art. 44 da LGPD), vez que os criminosos teriam conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias da consumidora.

Isto é, os estelionatários sabiam que a consumidora era cliente da instituição e havia encaminhado e-mail a fim da quitação da dúvida, além destes terem conhecimento dos dados relativos ao próprio financiamento (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor).

Segundo a Ministra, não poderia ser imputado ao banco a responsabilidade exclusiva no caso de vazamento de dados cadastrais básicos, como nome e CPF, vez que de fácil acesso. Por outro lado, pontuou que, caso os dados do consumidor sejam vinculados a operações e serviços bancários, a instituição tem o dever de armazenamento e proteção, sob pena de eventual vazamento configurar falha na prestação do serviço.

Assim, seguiu-se o entendimento de que há, portanto, a necessidade de analisar o nexo de causalidade. Isso porque resta imprescindível averiguar a situação fática para analisar quais dados foram vazados, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, por consequente, a responsabilidade das pessoas envolvidas.

Do contrário, pontuou a Ministra Relatora que “inexistindo elementos objetivos que comprovem esse nexo causal, não há que se falar em responsabilidade das instituições financeiras pelo vazamento de dados utilizados por estelionatários para a aplicação de golpes de engenharia social (REsp 2.015.732/SP, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023)”. Por todo o exposto e, de acordo com a recente decisão já transitada em julgado, o STJ firmou o entendimento de que o banco responde pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

3 anos de LGPD – Primeiros passos na proteção de dados no Brasil

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) completou seu 3º aniversário de vigência no último dia 18. Aderindo ao contexto global, que já caminha no sentido da estabilização do ambiente protetor de dados pessoais, o Brasil ainda engatinha nesse terreno. Não há dúvidas, porém, quanto aos pequenos passos que vêm sendo dados no sentido de viabilizar um ambiente favorável e propulsor da proteção de dados pessoais no Brasil.

Em comemoração ao marco dos 5 anos de existência e 3 anos de vigência da LGPD, destacam-se alguns eventos de relevo substancial, os quais serão pontuados neste breve texto.

Importante contextualizar que, inicialmente, o caminho até a implementação foi precedido pelo entendimento da importância da privacidade na era tecnológica. Praticamente todos os brasileiros estão diariamente conectados com a internet e, consequentemente, com plataformas que tratam seus dados pessoais com frequência.

Vêm crescendo, no Brasil, as notificações de vazamentos de dados por parte de empresas, repartições e entidades em geral. Isso ocorre porque a LGPD determina que o portador de dados de terceiros faça um Comunicado de Incidentes de Segurança (CIS) à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), e ao titular das informações, sempre que houver vazamento capaz de acarretar risco ou danos relevantes ao cidadão. Entre 2021 e 2022, por exemplo, o crescimento nas notificações foi de 54,3%.

A ANPD, já mencionada, é a Autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável por zelar pela proteção de dados pessoais e regulamentar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil. Cumpre salientar que a agência ainda está se estruturando e formando seus quadros, tendo promovido seu primeiro concurso em janeiro deste ano. Muitos processos, portanto, ainda estão na fase administrativa, a maioria ligados a instituições da administração pública e empresas dos setores de saúde, educação, financeiro e tecnologia da informação.

Nesse sentido, as sanções só foram regulamentadas no último mês de fevereiro do ano em curso pela ANPD, com a publicação do Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, estabelecendo parâmetros e critérios para aplicação de penalidades, levando em consideração a gravidade e a natureza da infração, os danos causados aos titulares dos dados, a vantagem auferida/pretendida, a reincidência e, também, o porte econômico do infrator, visando garantir a proporcionalidade da penalidade de acordo com o caso concreto e suas particularidades.

A primeira multa foi aplicada apenas em julho de 2023, à uma microempresa de telecomunicações de Vila Velha/ES. Após uma advertência, aplicou-se a multa total de R$ 14,4 mil, em decorrência da falta de indicação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Apesar do valor baixo, a sanção carrega consigo o simbolismo de transmitir a mensagem de que a proteção de dados pessoais é uma prioridade e deve ser tratada com cuidado e responsabilidade.

Para além das iniciativas encampadas pela ANPD, uma série de acontecimentos se destacam, no que pertine evidenciar a evolução do ambiente de proteção de dados. Um dos principais foi a inclusão, por meio da Emenda Constitucional 115, em março de 2022, da proteção de dados pessoais no rol de direitos fundamentais do cidadão, atribuindo à União a competência de legislar, organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento desses dados.

O direito fundamental à proteção de dados assume particular relevância diante da existência de uma série de lacunas regulatórias, posto que a LGPD não contempla os setores da segurança nacional, segurança pública, investigação criminal e execução penal, dentre os mais relevantes. Por tal motivo, finda-se uma “zona livre” de proteção dos dados pessoais no ordenamento jurídico nacional. Acrescente-se que, a teor do artigo 5º, §§ 2º e 3º, CF, o marco normativo que concretiza e formata o âmbito de proteção e as funções e dimensões do direito à proteção de dados é também integrado pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Outro marco importante ocorreu em novembro do ano de 2021, quando a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle realizou audiência pública sobre o tema, e o deputado Elias Vaz (PSB-GO), que pediu o debate, afirmou que cidadãos e parlamentares têm requisitado informações do governo com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) e estão tendo negativas, em função da LGPD. As autoridades ouvidas garantiram que não há conflitos entre as leis e afirmaram que o acesso a informações de órgãos públicos e de agentes públicos não pode ser prejudicado por interpretações equivocadas da LGPD. Na ocasião, a então diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, Miriam Wimmer, ressaltou que a transparência era a regra, e o sigilo, a exceção.

No último mês de março, representantes de 60 municípios estiveram em Porto Alegre/RS para o 2° Fórum de Proteção de Dados Pessoais dos Municípios. Em pauta, uma discussão sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), realizado em parceria com prefeitura da capital gaúcha e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), reunindo mais de 200 participantes e demonstrando, na prática, o dever do Poder Público como um dos agentes implementadores do aculturamento tão desejado.

Já no âmbito judicial, mais recentemente, duas ações coletivas diferentes protocoladas pelo Instituto Defesa Coletiva levaram à uma decisão da Justiça mineira que determinou o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 20 milhões, pelo Facebook, em decorrência de vazamentos de dados ocorridos em 2018 e 2019, quando hackers conseguiram burlar a segurança do Facebook e acessar dados de milhões de pessoas.

Há previsão, ainda, de que R$5 mil devem ser desembolsados para indenizar individualmente cada usuário afetado que entrar com ação contra a empresa. Trata-se de importante decisão judicial com base na LGPD, o que abre margem para mais demandas do tipo e a potencialização da conscientização quanto aos cuidados a serem tomados pelos tratadores de dados.

Por fim, importante pontuar que, neste ano, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou o Guia de Boas Práticas de Proteção de Dados para a Indústria, bem como que a ANPD divulgou, em agosto, seu Relatório de Acompanhamento Semestral da Agenda Regulatória 2023-2024, constatando avanços da participação social no processo de regulamentação e elaboração de guias orientativos, como a consulta e audiência pública, por meio das quais a Autoridade recebeu 4.256 contribuições da sociedade.

Pois bem.

Entende-se que o processo agora é de amadurecimento. Era sabido que, nos primeiros anos, a insegurança do mercado e o desconhecimento por parte da sociedade civil ainda perdurariam. Aos poucos, certamente, a população e as empresas têm se conscientizado a respeito de seus direitos e da necessidade de proteção dos dados pessoais, e um indício desse esclarecimento é a alta de mais de 500% no número de ações judiciais que discutem a aplicação da LGPD, conforme levantamento realizado pelo escritório Mattos Filho. A maioria das demandas ao longo dos anos foi ajuizada por titulares de dados, representando mais de 90% no universo analisado.

Ademais, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), em relatório publicado, 86% das grandes empresas brasileiras alegam manter monitoramento e tratamento da privacidade de dados perante à LGPD mas, entre elas, a restrição orçamentária e o balanceamento das prioridades de oportunidades, apontados por, respectivamente, 72% e 50% das empresas, o que, evidentemente, resulta na limitação dos investimentos de segurança e TI.

Conclui-se, diante dos pontos aduzidos, que a regulação, por meio da ANPD, vai mais no sentido da orientação e prevenção do que propriamente de repressão por multas, deixando claro que penalizar não é uma prioridade agora. A organização social e o aculturamento da proteção de dados no Brasil é, indiscutivelmente, a pauta principal. O caminho é longo e, como demonstrado, a proteção de dados ainda não atingiu o status prioritário em todos os setores econômicos, porém, os marcos aqui destacados dão bons sinais de que a perspectiva adiante é positiva, tornando a segurança da informação ainda mais importante para a adequação ao mercado atual.

Por: André Garcia Filho