A irregularidade na desclassificação de licitantes por erro na planilha de custos

Apesar de ser medida muitas vezes adotada nas licitações, a desclassificação sumária de licitantes por erro na planilha de custos e formação de preços deve ser considerada irregular.

Como se sabe, o instrumento convocatório da licitação possui a função de estabelecer os principais critérios e condições para a participação das empresas interessadas em contratar com o Poder Público. Dentre as possíveis exigências, está a apresentação da planilha de custos e formação de preços, documento por meio do qual o licitante deve, detalhadamente, demonstrar os custos considerados na formulação da proposta apresentada e evidenciar a sua exequibilidade.

A complexidade dos contratos e dos elementos de custo inerentes à oferta, por sua vez, torna possível a ocorrência de eventuais erros na elaboração dessas planilhas. Nesses casos, alguns agentes de contratação, erroneamente, decidem pela desclassificação sumária dos licitantes, ou seja, deixam de oportunizar a correção dos eventuais erros encontrados.

Esta prática, no entanto, contraria a própria finalidade da licitação, uma vez que resulta na desclassificação de empresas que poderiam oferecer preços mais vantajosos e executar plenamente o objeto do contrato. Em outras palavras, a impossibilidade de saneamento de falhas que não comprometem a essência da proposta viola princípios fundamentais que devem reger os atos administrativos, como o alcance da contratação mais vantajosa, a razoabilidade e, por consequência, a supremacia do interesse público e a legalidade, todos previstos na legislação pátria.

Os atos praticados no processo licitatório devem ser razoáveis e coincidir com os interesses da sociedade. Nesta senda, a busca da proposta mais vantajosa não pode ser inobservada em razão de formalismo exacerbado na condução do certame. É fundamental, portanto, que seja conferida a oportunidade de saneamento de erros eventualmente identificados na proposta, em vez de proceder-se com a desclassificação sumária do licitante. Somente com esta conduta se garante a lisura, a eficiência e a consequente validade dos processos licitatórios.

A Importância da Atuação Advocatícia para a Fixação dos Honorários Sucumbenciais: Uma Análise à Luz do CPC/2015

No recente julgamento do Recurso Especial nº 2.091.586/SE, pelo Superior Tribunal de Justiça, um tema recorrente e de significativa importância para a prática advocatícia foi abordado: a fixação de honorários sucumbenciais em casos de extinção do processo sem resolução de mérito.

A decisão, proferida pela Terceira Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, negou provimento ao Recurso Especial interposto pela Central dos Esportes Ltda., mantendo o entendimento de que, na ausência de atuação do advogado, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais.

É sabido que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe inovações significativas em relação à fixação dos honorários advocatícios, estabelecendo critérios objetivos para a sua aplicação.

O artigo 85 do Código de Processo Civil dispõe que os honorários sucumbenciais devem ser fixados conforme os parâmetros de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Este dispositivo legal busca assegurar a justa remuneração pela atuação do advogado, reconhecendo a essencialidade de sua função para a administração da Justiça, conforme consagrado no artigo 133 da Constituição Federal. 

O cerne da controvérsia, no caso em análise, repousa na interpretação do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, em situações em que há extinção do processo sem resolução de mérito e ausência de atuação do advogado da parte vencedora.

O entendimento firmado pelo STJ é de que a fixação dos honorários sucumbenciais está intrinsecamente ligada à efetiva atuação profissional do advogado. Na hipótese específica dos autos, a parte recorrente buscava a condenação em honorários advocatícios sob o argumento de que a citação válida configuraria, por si só, motivo suficiente para a fixação da verba honorária, mesmo sem a atuação direta do causídico.

A decisão do STJ enfatiza que, embora o princípio da sucumbência seja um dos pilares para a fixação dos honorários advocatícios, deve ser observado, concomitantemente, o princípio da causalidade. Este princípio imputa a responsabilidade pelas despesas processuais à parte que deu causa ao processo, devendo ser aplicado com parcimônia quando não há participação ativa do advogado na condução do feito. 

O reconhecimento da atuação do advogado como condição sine qua non para a fixação dos honorários sucumbenciais reafirma a valorização do exercício profissional no sistema jurídico brasileiro.

Os honorários advocatícios não devem ser encarados apenas como uma mera consequência processual, mas sim como a justa remuneração pela contribuição efetiva do advogado para o desfecho do litígio. Assim, a ausência de atuação do profissional, como no caso em questão, legitima a não fixação de honorários sucumbenciais, evitando a remuneração por um trabalho não realizado.

O julgamento do Recurso Especial nº 2.091.586/SE pelo STJ reforça a interpretação de que a atuação efetiva do advogado é imprescindível para a fixação de honorários sucumbenciais.

Este entendimento promove a equidade e assegura que a remuneração advocatícia seja condizente com a efetiva contribuição profissional.

Ademais, a decisão harmoniza os princípios da sucumbência e causalidade, conferindo maior segurança jurídica e previsibilidade às partes envolvidas no processo. A valorização da atuação do advogado é, portanto, um aspecto fundamental para a justiça processual e para a concretização dos direitos das partes em litígio.

Atenção às nomenclaturas acerca dos valores estimado e máximo na redação da nova lei de licitações

De acordo com o artigo 24 da Lei 14.133/2021 valores estimado e máximo não são considerados  sinônimos, como pode ser visto adiante:

Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas, e, nesse caso:

(…)

Parágrafo único. Na hipótese de licitação em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação.

(Grifos acrescidos)

Ou seja, em regra, na Lei Geral de Licitações, a fixação de valor máximo para a contratação ao invés de estimado é ato discricionário do agente público e ambos não se confundem. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União possui entendimento consolidado[1]ao estabelecer que quando a Administração pretende incluir o montante máximo como requisito de validade para a contratação, este deve ser o teto obedecido pelos licitantes, sob pena de não aceitação das propostas. Por outro lado, ao incluir a redação de preço estimado, o órgão contratante apenas pretende guiar os concorrentes para que não apresentem necessariamente, propostas manifestamente inexequíveis.

Por outro lado, no âmbito de empresas públicas, bem como de sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, vinculadas à Administração Pública, os valores estimados e máximos devem ser tratados como sinônimos, consoante rezao artigo 56 da lei 13.303/2016:

Art. 56. Efetuado o julgamento dos lances ou propostas, será promovida a verificação de sua efetividade, promovendo-se a desclassificação daqueles que:      

(…)

IV – se encontrem acima do orçamento estimado para a contratação de que trata o § 1º do art. 57, ressalvada a hipótese prevista no caput do art. 34 desta Lei;

(Grifos acrescidos)

Quanto ao assunto, o plenário do próprio Tribunal de Constas da União, recentemente, proferiu o Acórdão nº 1.464/2024, nos autos do Processo 037.059/2023-8, referendando esse posicionamento:

1. Nas licitações regidas pela Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), o preço estimado é o preço máximo a ser admitido (art. 56, inciso IV), devendo ser desclassificadas as propostas que permanecerem acima do valor estimado após a negociação (art. 57, caput e § 1º)

(Grifos acrescidos)

Desse modo, o recente acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União é um importante alerta para que os licitantes estejam atentos à legislação aplicável a cada certame licitatório e, sobretudo, à elaboração da proposta, sob pena de que sejam desclassificados por terem ultrapassado o limite máximo aceitável para a celebração do contrato administrativo. 


[1] E 6.452/2016 – 2ª Câmara. “O ‘valor de referência’ ou simplesmente ‘valor estimado’ não se confunde com ‘preço máximo’. O valor orçado, a depender de previsão editalícia, pode eventualmente ser definido como preço máximo a ser praticado em determinada licltação, mas não necessariamente.

Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) instaura Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas que versa sobre responsabilidade dos acionistas de Sociedades Anônimas

Em 25 de junho do corrente ano, a Desembargadora Solange Moura de Andrade determinou a suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de Pernambuco, inclusive com interposição de Recursos de Revista pendentes de exame de admissibilidade, desde que satisfaçam os pressupostos extrínsecos, que versem sobre a seguinte questão jurídica:

“Na hipótese de execução trabalhista em desfavor de sociedade anônima, aplica-se a Teoria Maior ou Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica e quais seriam os requisitos exigidos para o acolhimento deste incidente em relação aos sócios (acionistas), diretores e administradores?”

Essa questão decorreu da instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva pela iniciativa da Excelentíssima Desembargadora Ana Claudia Petruccelli de Lima com o objetivo de definir tese jurídica à controvérsia acima suscitada.

A controvérsia é gerada pelo fato de as Sociedades Anônimas (S.A.) serem empresas nas quais o capital é dividido em ações que podem ser compradas e vendidas. Desse modo, os acionistas, em tese, têm responsabilidade limitada, ou seja, só perdem o valor das ações que possuem.

Contudo, é muito comum que, em caso de Execuções Trabalhistas, seja requerido por parte dos autores a desconsideração da personalidade jurídica, visando a atingir os bens dos sócios (acionistas), diretores e administradores com o fito de satisfazer o cumprimento da execução e, consequentemente, exaurir créditos trabalhistas eventualmente devidos.

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto legal que permite que se ignore a separação entre os bens da empresa e de seus sócios, tratando-os como responsáveis pelas dívidas e obrigações da empresa em determinadas circunstâncias.

Diante disso, qual Teoria (maior ou menor) deverá ser aplicada quando instaurada desconsideração da personalidade jurídica?

Em síntese, a Teoria Maior, que é considerada regra geral no sistema jurídico brasileiro, impõe que a desconsideração da personalidade jurídica apenas ocorrerá quando há evidência de manipulação fraudulenta ou abusiva da empresa, sendo necessários elementos específicos para que se demonstre o usufruto fraudulento da personalidade jurídica para prejudicar terceiros.

Por conseguinte, em relação à Teoria Menor, por outro lado, é uma abordagem mais simples que condiciona a desconsideração da autonomia patrimonial apenas à incapacidade da empresa de satisfazer suas dívidas. Essa teoria é adotada de forma excepcional em outros âmbitos do direito e se aplica com base apenas na prova de insolvência da pessoa jurídica para cumprir suas obrigações, sem necessidade de comprovar desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

De acordo com o artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade por ato regular de gestão, mas responde pelos prejuízos que causar se agir com culpa ou dolo (intenção) ou violar lei ou estatuto.

Esse é, inclusive, o entendimento já pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho, já que, em recente julgado (Processo 1000731-28.2018.5.02.0014) a Sétima Turma excluiu dois sócios de uma Sociedade Anônima da execução de valores devidos a um engenheiro. Isso porque, conforme mencionado pelo colegiado, “para que eles respondessem pessoalmente pela dívida da empresa, seria necessário comprovar que eles tiveram culpa ou intenção no não pagamento dos valores, uma vez que a empresa é uma sociedade anônima empresarial”.

Desse modo, a admissão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em relação às Sociedades Anônimas objetiva tão somente a preservação da segurança jurídica das relações que são objeto do incidente.

Em razão disso, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região determinou a suspensão dos processos que versam sobre o tema até o julgamento do IRDR.

Por: Pedro Rodrigues

Ações de cobrança regressivas acidentárias: um mecanismo do INSS que tem causado impacto financeiro contra empregadores

A legislação previdenciária que regulamenta os requisitos e processamento dos benefícios em espécie, prevê a possibilidade de ajuizamento de ações regressivas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra agentes responsáveis pela concessão de benefícios de caráter acidentário ou de violência doméstica.

O intuito é ter ressarcido aos cofres públicos o montante gasto com benefícios cujo os responsáveis, os quais deram causa à concessão, são identificáveis. A medida tem sido tomada, sobretudo, diante da eminência de um colapso previdenciário avistado por especialistas que mencionam, inclusive, a necessidade de uma nova Reforma da Previdência.

Além do objetivo punitivista e indenizatório ao erário, essas ações também possuem caráter pedagógico, a fim de reafirmar para os empregadores a necessidade de observância e cumprimento das regras de segurança de trabalho e demonstrar os impactos financeiros de seu descumprimento. Nesse sentido, o subprocurador-geral Federal de Cobrança e Recuperação de Créditos, Fábio Munhoz, pontuou: Nossa atuação vem melhorando a cada ano, mas o objetivo principal nesse caso não é o arrecadatório, mas sim o pedagógico. É mostrar para as empresas que vale muito mais a pena cumprir as leis e as normas regulamentadoras, para evitar acidentes de trabalho, do que sofrer depois as ações regressivas.

Os benefícios previdenciários de caráter acidentário podem ser pagos diretamente ao segurado empregado (auxílio por incapacidade temporária acidentário, aposentadoria por incapacidade permanente acidentária e auxílio-acidente) ou aos seus dependentes, como no caso da pensão por morte acidentária.

O INSS tem aumentado significativamente o ingresso dessas ações a partir da criação da Equipe Especializada em Ações Regressivas da Procuradoria-Geral Federal (PGF), desde 2016 já foram 2.494 ações ajuizadas, possibilitando o ressarcimento de R$ 410 milhões ao INSS.

Ao longo de 2023, R$ 66 milhões foram indenizados aos cofres públicos, por empregadores, devido à gastos do INSS com pagamento de benefícios oriundos de acidentes do trabalho. O valor revela um aumento de 10% quando comparado ao montante obtido com as ações no ano anterior, além disso, a taxa de êxito da AGU no referido ano foi de aproximadamente 80%.

Em 2024, o INSS já obteve o ressarcimento de R$ 16 milhões. Em abril desse ano, 73 novas ações já foram ajuizadas.

Apesar do ajuizamento e êxito crescente do INSS, o ressarcimento ao erário está intrinsecamente ligado à culpa do empregador por inobservância e descumprimento das normas de segurança de trabalho. Uma vez comprovado que a empresa não teve culpa no acidente, esta fica desobrigada a indenizar a Previdência Social.

Ainda neste ano, a exemplo, a 10ª turma do TRF-1, por unanimidade, reconheceu a inexistência de culpa de empresa ré na ação proposta pelo INSS, em acidente de trabalho ocorrido com funcionário, de modo que, esta se desobrigou do dever de indenizar. A empresa comprovou ter fornecido EPIs, além do termo de responsabilização para trabalho em alturas e área de risco. Este último documento, assinado pelo trabalhador, atesta que ele recebeu orientações e se comprometeu a seguir os procedimentos de segurança. (Processo: 0033606-53.2011.4.01.3400)

Diante do comprometimento progressivo do orçamento público com a Previdência Social, os mecanismos de redução de gastos serão cada vez mais intensificados, o que justifica o aumento das ações de cobranças. Essa crescente demanda ratifica a importância de cumprimento das normas de segurança de trabalho não apenas por dever social de prevenção de acidentes aos trabalhadores, mas também como mecanismo de proteção financeira e prevenção das ações de cobrança propostas pelo INSS.


Por: Ana Letícia Franco

A nova regra do foro de eleição

No último dia 05/06/2024 ocorreu uma importante alteração no Código de Processo Civil, com a promulgação da Lei n° 14.879/2024.

A nova legislação trouxe alterações importantes para o Código de Processo Civil quanto à cláusula de eleição de foro nos contratos civis em geral, impondo certos limites à escolha pelas partes contratantes.

A mencionada Lei alterou a redação do §1º, do artigo 63 e incluiu o §5º ao suso mencionado artigo, os quais possuem os seguintes comandos legislativos:

§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.

§ 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.

Percebe-se, pois, a partir da leitura das novas regras que a eficácia da cláusula de eleição de foro está condicionada à verificação dos seguintes requisitos (cumulativamente): (i) ser escrita (não se admite eleição de foro em contrato verbal);    (ii) aludir a determinado negócio jurídico; e, (iii) guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação. 

Não havendo o cumprimento dos requisitos, o ato praticado será considerado como uma prática abusiva, justificando a declinação da competência de ofício.

De certa forma, a nova legislação “limita a liberdade das partes de colocar o foro que entendem como o melhor para decidir um eventual litígio”. Viola, inclusive, a Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019), segundo a qual “os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes”. Por tais motivos a nova Lei vem sendo criticada pelos operadores do Direito, que questionam, inclusive, a sua constitucionalidade.

Deixando de lado as críticas, a nova Lei deve respeitar o direito intertemporal, previsto no artigo 14 do Código de Processo Civil, que assim dita:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Ou seja, a observância do novo regramento para fixação do foro de eleição só deve ter cabimento para os contratos celebrados a partir da sua vigência.

Desta forma, pode-se dizer que, apesar do novo regramento para a questão do foro de eleição, em razão do direito intertemporal, não será possível a retroatividade para: (i) desfazer negócios; (ii) para alcançar negócios celebrados com efeitos jurídicos pendentes; ou, (iii) para alcançar efeitos jurídicos futuros do negócio jurídico praticado.

Para além do acima, importante destacar que a reforma do artigo 63 do Código de Processo Civil se limita, exclusivamente, a eleição de foro, que é totalmente diferente da eleição de Cortes Arbitrais.

Apesar das Cortes exercerem um papel jurisdicional e suas sentenças terem força de título judicial, não fazem parte dos órgãos do Poder Judiciário, razão pela qual o instituto arbitral é regido pelo artigo 42 do Código de Processo Civil e pela Lei nº 9.307/96.

Nestes casos, a Corte Arbitral deverá ser mantida como prioritária e o juiz só poderá declinar de sua competência, após a alegação do réu, em questão de preliminar de contestação em contraditório, como preconiza o artigo 337, inciso X, do Código de Processo Civil, bem assim, a Súmula 33 do STJ. Caso contrário, haverá a prorrogação de competência na forma dos artigos 64 e 65, ambos, do Código de Processo Civil. De toda forma, cabe ao operador do Direito acompanhar o posicionamento da jurisprudência a respeito da nova regra de estabelecimento do foro de eleição, para que possa realizar a melhor entrega ao seu cliente, quando da elaboração de um  contrato civil e empresarial.

Estelionato Emocional e a possibilidade de reparação civil

Em recente julgado no Distrito Federal, a 2ª Turma Cível do TJDFT, pelo Acórdão de número 1364563, trouxe a seguinte definição acerca do tema: “O estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais”.

Desta feita, a conduta do estelionato sentimental traduz-se quando um dos indivíduos envolvido no relacionamento, se utiliza da confiança e do ‘falso’ vínculo afetivo que permeia a relação, para, em verdade, abusar do imaginário da vítima, para aplicar golpes.

O estelionatário se utiliza da relação de confiança criada para obter vantagem patrimonial da vítima, violando a boa-fé objetiva. A vítima, por acreditar no afeto e no relacionamento construído, cede às investidas e entrega ao estelionatário valores em troca de uma futura promessa ou de um compromisso mais sério, como o casamento.

Defendendo esse entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG julgou pela modificação da sentença proferida pela 6ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora para reconhecer a ocorrência do estelionato sentimental e fixar indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00, além de R$ 2.520,00 por danos materiais.

No caso, a parceira alegou que, na constância do relacionamento, o parceiro havia retirado dinheiro de sua carteira, subtraído um cartão de crédito e realizado seis saques bancários, totalizando R$ 3.520,00, sendo devolvido apenas R$ 1.000,00.

A relatora destacou que o estelionato sentimental se concretiza quando uma das partes pretende obter, para si ou outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, incentivando ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, ressaltando a Desembargadora: “Nessa ordem de ideias, o parceiro, aproveitando-se da confiança amorosa entre o casal, valeu-se de meios ilícitos para obter vantagem pecuniária, o que é causa suficiente para configurar o dano moral”.

Relevante ressaltar que, para além dos reflexos civis, tal modalidade criminosa pode ser enquadrada no artigo 171 do Código Penal, tratando-se de uma nova espécie de estelionato, eis que o agente “se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, configurando o delito de estelionato.” (Acórdão 1141866 da 1a Turma Criminal).

Do incentivo à participação de consórcios em licitações pela Lei 14.133/2021

No âmbito de Licitações, quando da vigência da Lei 8.666/93, a possibilidade de participação de consórcios nos certames precisava estar expressamente prevista em edital, consoante se percebe através da redação do artigo 33 da referida legislação:

Art. 33.  Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:

(Grifos acrescidos)

O trecho “quando permitida” representa a exceção à regra, ou seja, somente seria possível a participação de consórcios mediante ato devidamente motivado do administrador público. Inclusive, os precedentes da jurisprudência afirmam que quando o certame, ainda regido pela antiga lei, apresenta objeto de baixa complexidade, a motivação para a não participação de consórcios é presumida, sem a necessidade de justificativa formal do órgão licitante.

Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei 14.133/2021, a realidade muda de cenário, pois a regra passa a ser da possibilidade de participação em consórcio de empresas, devendo, a vedação ser devidamente justificada, consoante previsão constante no artigo 15 da mencionada legislação:

Art. 15. Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas:

(Grifos acrescidos)

Dessa forma, mesmo com a mudança, é válido alertar para a importância de a Administração atentar acerca da complexidade do objeto a ser licitado, se realmente se faz necessário a participação de empresas em consórcio. Afinal, abre-se margem para que concorrentes se unam mesmo quando poderiam prestar o serviço cada um de forma independente, prejudicando a concorrência. Igualmente, licitantes que desejem participar individualmente de determinado certame com baixa complexidade, devem ficar atentos e, se for o caso, impugnar o Instrumento Convocatório, tornando obrigatório que a Administração Pública, por meio de ato administrativo devidamente motivado, justifique a manutenção da possibilidade de participação em consórcio por empresas interessadas no certame – decisão essa que é de discricionariedade da administrador público, conforme entendimento pacificado do TCU e demais tribunais de justiça pátrios.

O Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos Discricionários: Limites e Princípios Fundamentais observados no julgamento do AREsp 1.806.617/DF pelo STJ

O ato administrativo emanado pelo Estado através de seus representantes, tem como imediata finalidade criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir direitos dos seus administrados. Como exemplos práticos de atos administrativos produzidos pelo Estado temos a demissão de funcionários públicos, a inabilitação de candidato em concurso público, a concessão de alvará de construção ou até mesmo a cobrança de multas.

Diante desse contexto, ao examinar os tipos de atos praticados pela Administração Pública, observa-se a distinção entre dois tipos de atos: os atos vinculados e os atos discricionários, cada um com efeitos jurídicos específicos. Enquanto no ato vinculado não há margem de liberdade na tomada de decisões ou ações em situações concretas, uma vez que a lei estabelece os requisitos do ato, afastando a liberdade de análise do agente público, no ato discricionário, a escolha é feita com base nos critérios de conveniência e oportunidade do Administrador, visando selecionar a melhor alternativa em prol do interesse público, seguindo um critério de mérito. 

Todavia, em que pese a Constituição Federal de 1988 estabeleça que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e autônomos para produzirem seus atos, admite-se interferência recíproca via controle externo, a fim de reprimir violações a princípios e abusos de poder.

Nesse cenário, é pertinente discorrer sobre a interpretação desenvolvida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir da análise do Agravo em Recurso Especial nº 1.806.617/DF. Segundo consta, o caso em questão envolveu a Administração Pública do Distrito Federal, que organizou um concurso público para o preenchimento de cargos de soldados. Entretanto, em determinado momento, um candidato, após ser aprovado nas fases iniciais, foi desclassificado na etapa de investigação social durante o Curso de Formação da Polícia.

Neste específico, o ato administrativo que impediu a participação do candidato na fase subsequente do certame ocorreu devido à menção, na ficha cadastral do candidato, do uso de drogas em 2011, quando o candidato tinha 19 anos de idade e estava envolvido em um processo criminal, que foi arquivado em 2012 devido à extinção da punibilidade. Logo, trata-se de um ato administrativo claramente descompassado da legalidade, uma vez que foi produzido sem observar a impessoalidade e o interesse público.

Diante desse contexto, ao analisar o caso, o STJ destacou que a discricionariedade administrativa não é imune ao controle judicial, especialmente diante da prática de atos que impliquem restrições a direitos dos administrados, como a eliminação de concurso público, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, seja a sua competência, finalidade ou forma, bem como a razoabilidade e proporcionalidade.

Inclusive, ao determinar a reintegração do candidato ao concurso, o colegiado considerou, entre outras razões, o fato de o candidato já estar exercendo um cargo no serviço público, o longo período decorrido desde seu contato com entorpecentes e sua aprovação na investigação social em outro concurso para a carreira policial no Estado do Maranhão.

Ainda, na avaliação do relator, o ministro Og Fernandes, impedir o candidato de prosseguir no certame, além de revelar uma postura contraditória da administração – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos seus quadros – acaba por aplicar uma sanção de caráter perpétuo, cristalinamente ilegal no Ordenamento Jurídico Brasileiro, conforme previsão legal no art. 5º, inciso XLVII, b, da Constituição Federal de 1988, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.

Assim, resta consignado, portanto, que o controle judicial dos atos administrativos, nas situações de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada, é uma ferramenta essencial para a manutenção do Estado Democrático de Direito, proporcionando ao administrado a oportunidade de buscar a revisão do mérito administrativo quando o exercício da competência discricionária viola princípios constitucionais.


Por: João Leite

A relação entre a Lei Geral de Proteção de dados e o Direito Imobiliário

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada no Brasil em agosto de 2018, estabelece regras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais por empresas ou pessoas físicas, com penalidades para o não cumprimento da norma. Essa lei foi inspirada na legislação europeia, chamada de “General Data Protection Regulation” (GDPR).

A GDPR, por sua vez, foi criada após vazamento em massa de dados pessoais de usuários do Facebook, envolvidos no escândalo que vinculou o projeto Brexit e a empresa de dados Cambridge Analytica. No caso do Brasil, muitos usuários da internet e redes sociais consideravam a internet uma “terra sem lei”, onde poderiam falar o que quisessem, vazar dados e imagens particulares de outras pessoas sem autorização. A LGPD chegou para mudar essa cultura e criar proteção aos direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.

No setor imobiliário, a referida Lei trouxe importantes mudanças, impactando diretamente a forma como empresas lidam com informações pessoais de clientes, fornecedores e colaboradores. A LGPD exige que as empresas adotem medidas rigorosas para garantir a segurança e privacidade dos dados coletados durante transações imobiliárias, como compra, venda, locação, administração de imóveis etc.

As imobiliárias e corretores devem obter consentimento explícito dos clientes para coletar e processar seus dados pessoais, explicando claramente como serão utilizados. Além disso, é fundamental garantir a segurança dessas informações, adotando medidas de proteção adequadas para evitar vazamentos ou acesso não autorizado.

No contexto de transações imobiliárias, a LGPD também impacta a forma como as informações são compartilhadas entre as partes envolvidas, como compradores e vendedores, locadores e locatários. É necessário garantir que apenas dados estritamente necessários sejam compartilhados e que haja um cuidado especial ao transferir informações para terceiros, como empresas de financiamento ou seguradoras.

Ainda no âmbito imobiliário, os dados pessoais frequentemente coletados, armazenados ou processados incluem informações de identificação (como nome, CPF, RG, endereço, telefone e e-mail), dados financeiros (como renda, comprovante de renda e histórico de crédito) e informações sobre preferências imobiliárias, incluindo histórico de buscas e interesses específicos em imóveis. As imobiliárias também precisam seguir à risca as regras, a fim de estarem aptas para atuar de acordo com a lei e, também, para oferecer confiança aos clientes.

A LGPD estabelece penalidades severas para o descumprimento das normas de proteção de dados, incluindo multas que podem chegar a valores significativos. Portanto, é essencial que as empresas do setor imobiliário estejam em conformidade com a lei, implementando políticas e procedimentos robustos de proteção de dados e promovendo a conscientização sobre a importância da privacidade das informações pessoais no contexto imobiliário.

A prova dessa penalidade severa é que a primeira sentença aplicando a LGPD no Brasil envolveu o setor imobiliário. O autor da ação havia adquirido um imóvel com uma construtora e foi incomodado por ligações de parceiros da construtora oferecendo móveis planejados e outros serviços. Em 29 de setembro de 2020, a sentença foi proferida penalizando a construtora, grande empresa do setor imobiliário do país, por compartilhar indevidamente dados pessoais e contatos dos seus clientes.

Por fim, é de suma importância que essa sentença sirva de alerta para o setor imobiliário. Ainda há quem acredite que o vazamento de um telefone, ou um e-mail, sem autorização do cliente não vá trazer problemas, que apenas a divulgação de documento ou informações confidenciais poderia acarretar numa ação judicial aplicando a LGPD. Porém, sentenças como essa afirmam o contrário desse pensamento e certificam que o vazamento de qualquer dado pessoal, sem autorização do cliente, está infringindo a Lei Geral de Proteção de Dados.