STJ fixa prazo para emissora guardar registros televisivos em arquivo

No julgamento do REsp 1.602.692, ocorrido em 03/10/2023, a 3ª turma do STJ fixou que emissora de televisão deve guardar registros televisivos em arquivo, com vistas a fomentar eventual ação de responsabilidade civil, até prescrição ou decadência do direito correspondente aos atos nele consignados.

O colegiado ressaltou, ainda, que nos casos que a lei não tenha fixado um prazo específico deve incidir, por analogia, a disposição contida no art. 1.194, do CC.

No caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça guiando-se pelo entendimento supracitado, negou seguimento ao recurso especial da emissora, mantendo incólume as decisões proferidas em instâncias inferiores, que determinaram a entrega de mídia referente  a reportagem exibida em novembro de 2010.

Em seus argumentos meritórios, a emissora alegou que, no momento da solicitação da entrega, o arquivo que continha a reportagem havia sido destruído e que inexistira obrigação legal  de apresentar o arquivo requerido, nos termos do artigo 71, parágrafo 3º do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), que prevê que o material deve ser guardado por apenas 20 dias.

No entanto, em que pese os argumentos trazidos em sede recursal, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva observou que essa regra teria a finalidade única de assegurar a aplicação das penalidades cabíveis às emissoras nos âmbitos administrativo e criminal, não tendo nenhuma relação com eventual transgressão ao direito de terceiros.

Neste sentido, em razão da inexistência de norma acerca do prazo para manutenção e guarda dos materiais, entende o Superior Tribunal de Justiça que se deve, por analogia, aplicar o 1.194 do Código Civil, segundo o qual o empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Assim, de acordo com a recente decisão, ainda transitada em julgado, devem os canais brasileiros de televisão manter em arquivo todo seu conteúdo exibido pelo prazo mínimo de três anos, considerando ser este o prazo prescricional indicado pelo Código Civil no que tange à reparação por responsabilidade civil (Art. 206, § 3º, V), sendo recomendável, acaso a decisão se torne definitiva, e conforme o caso, uma revisão dos procedimentos internos das emissoras para manutenção das mídias em seus arquivos pelo prazo mínimo de três anos.

O julgamento pode ser assistido através do link: https://www.youtube.com/watch?v=7CcMHduR_P4 , no minuto 52:00 ao 54:38min.

União e estados-membro são obrigados a fornecer medicamento à base de Canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com TEA e Epilepsia

Em recente decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2006118, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que União e Estados-membros devem fornecer medicamento à base de canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e epilepsia.

Trata de uma Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal contra União e o Estado de Pernambuco, pleiteando o fornecimento de medicamento à base de canabidiol, necessário ao tratamento da síndrome de West, síndrome de Beckwith-Wiedmann e Transtorno do Espectro Autista.

O pedido do MPF fundamenta-se no cenário em que o paciente já esgotou todos os tratamentos disponíveis no território nacional, todos sendo ineficazes para o caso clínico. Portanto, o medicamento pretendido, ou seja, o CDB ainda que não tenha registo na ANVISA e não esteja contemplado na lista daqueles que são fornecidos pelo SUS, foi prescrito pelo neuropediatra da criança como um tratamento alternativo a fim de garantir uma melhora na qualidade de vida da paciente.  

A ação foi inicialmente julgada procedente, tendo a decisão sido mantida em sede de segundo grau pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Entretanto, a União e o Estado de Pernambuco interpuseram recurso especial alegando, dentre outros fatores, a impossibilidade de fornecimento do medicamento visto que este não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como, não integra o protocolo dos medicamentos ofertados pelo SUS, além de atuar como um tratamento experimental.

Em decisão, a Segunda Turma negou provimento ao recurso especial da União e do Estado de Pernambuco que buscava reverter a decisão que condenou ambos os réus em sede de primeiro grau, e posteriormente, em grau recursal, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Segundo o relator, o Ministro Francisco Leão, é dever do Estado fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, conforme o tema 1.161 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, a discussão quanto a eventual ineficácia dos tratamentos tradicionais já experimentados pela paciente, bem como, da excepcionalidade da situação e de todo o arcabouço probatório dos autos, tais como laudos e prescrições médicas esbarraria na Súmula nº 7 do STJ.

Por: Maria Laura Vasconcelos

A Obrigatoriedade da Ata Notarial no Procedimento de Adjudicação Compulsória Extrajudicial

Inicialmente, é importante elucidar que a Adjudicação Compulsória trata-se de um procedimento estabelecido por Lei, visando a regularização do registro de um imóvel, através da autorização para a sua transferência ao credor.

O artigo 1.418 do Código Civil estabelece que o promitente comprador, ou seja, aquele que é titular do direito real, pode exigir do promitente vendedor ou a quem os direitos forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e caso haja recusa, deverá requerer a adjudicação do imóvel. Em palavras mais compreensíveis, este termo se refere a uma situação em que alguém adquire um imóvel, através do contrato de compra e venda, e, no final, no momento de lavrar a escritura, o vendedor se recusa a outorgar a escritura.

É válido ressaltar que com o advento da Lei 14.382 de 2022, o legislador trouxe a possibilidade de realizar o aludido procedimento através da via extrajudicial, conforme aduz o artigo 216-B: “Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo”.

É importante salientar que a possibilidade de realizar a adjudicação compulsória extrajudicialmente trouxe inovação e melhoria para a sociedade, promovendo maior agilidade e desafogando o judiciário.

No que tange aos requisitos para realizar o procedimento, podemos observar a obrigatoriedade da Ata Notarial, a qual pode ser entendida como uma espécie de documento necessário para comprovar algo. Este documento é lavrado em um Tabelionato de Notas, através de um tabelião profissional, que atestará evidências ou provas que foram vivenciadas por ele.

A Ata Notarial está conceituada no artigo 384 do Código de Processo Civil, aduzindo a aludida Lei: a existência de algum fato deverá ser atestada ou documentada, através do requerimento da pessoa interessada e diante de uma Ata lavrada por tabelião.

Diante disso, é relevante e imprescindível a disposição da Ata Notarial na Adjudicação Compulsória que ocorre no formato Extrajudicial, pois este procedimento é realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis e a Ata facilitará na comprovação de documentos importantes, sejam eles: a quitação da dívida, o contrato particular, a mora do devedor, entre outros.

Vale dizer, ainda, que este tema já foi considerado um tanto polêmico no meio jurídico, tendo em vista existir mais de uma reformulação quanto ao texto disposto no artigo 216-B, da Lei de Registros Públicos. O inciso terceiro, do artigo mencionado, abordava que a Ata notarial seria caracterizada como um documento fundamental para requerer a Adjudicação Extrajudicial, sendo ela lavrada por tabelião de notas, atestando a posse do requerente, a prova do pagamento da obrigação do comprador, conferindo-lhe a pretensão de adquirir a propriedade do imóvel e, a regular constituição em mora do promitente vendedor.

Ocorre que, este inciso havia sido vetado, sob a alegação de que a Ata Notarial iria encarecer e burocratizar o procedimento, porém, o Congresso Nacional derrubou o veto e, no dia 5 de janeiro de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou a obrigatoriedade da Ata Notarial, fazendo com que haja a exigência da aludida Ata para este procedimento, assim como ocorre na Usucapião.

Escrito pela equipe de Direito Imobiliário

PL 2055/2019 e seus impactos econômicos no País

No início deste mês, a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) aprovou o Parecer Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.055/2019, o qual instituí o Programa de Estímulo à Nova Empresa – Penemp. O dispositivo legislativo proposto possui como seu objetivo primordial o incentivo ao nascimento de novas estruturas empresariais no País. Para efetivação de sua finalidade, o PL pretende suspender o pagamento do Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas – IRPJ, durante os cinco primeiros anos da constituição das novas sociedades empresárias.

Não é de hoje que a pauta da carga tributária suportada pelas pessoas físicas e jurídicas no Brasil circula perante o nosso cotidiano. No esteio dessa discussão, o referido projeto permite que as pessoas jurídicas constituídas da data de sua publicação, as quais apurem o IRPJ na modalidade do Lucro Presumido ou pelo Lucro Real, se habilitem no Programa de Estímulo à Nova Empresa – Penemp, desde que preenchidos os seus requisitos, tais como: (i) as pessoas jurídicas contempladas não podem participar de forma relevante no capital social de outras empresa; (ii) os seus sócios não podem ter participado de forma relevante no capital social de outra empresa nos três anos anteriores à constituição da nova sociedade; (iii) uma vez usufruindo do benefício, os sócios da pessoa jurídica habilitada não poderão participar de qualquer outra sociedade, a partir da data de sua constituição.

Em consideração ao atual cenário de reforma em questões tributárias, é natural que novas questões sejam apresentadas e discutidas pela sociedade. Ao que se refere ao Programa de Estímulo à Nova Empresa – Penemp, é de se ressaltar alguns pontos iniciais já podem ser considerados como objetos de futuras demandas judiciais. Inicialmente, ao tratar da “participação relevante” no capital social, pela pessoa jurídica habilitada dos benefícios ou por seu sócio, o próprio Projeto de Lei já traz indícios de se envolver em questões jurídicas turbulentas. O quanto será considerado como “relevante”? Quais serão os critérios adotados? A quem incube essa árdua definição? São alguns dos questionamentos que possivelmente, muito em breve, serão enfrentadas pelos operadores do Direito.

Diante do não recolhimento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica pelas empresas habilitadas no Programa de Estímulo à Nova Empresa – Penemp, é nítido que a União, como Ente Federativo competente para regular os impostos sobre a renda, terá sua receita limitada nesse cenário. Porém, é de se questionar quais medidas serão adotadas para suprir essa queda da arrecadação e quem suportará a possível nova carga tributária, nesse furacão de novos dispositivos legais que tratam dos tributos no Brasil. O texto do Parecer Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.055/2019 foi devidamente aprovado pela CDE e já foi encaminhado para apreciação pela Comissão de Finanças e Tributação, a qual deverá nos próximos dias apreciar a matéria em votação.

Habilitação de crédito em processo de inventário

Trata-se de pedido de habilitação de crédito formulado em face do espólio nos autos da ação de inventário, com objetivo de recebimento deste, à luz do art. 642 do CPC. Em suas considerações iniciais, o autor da ação afirma ser credor do espólio em virtude da cessão de direitos hereditários, realizada por meio de instrumento particular, por uma das herdeiras, o qual continha cláusula contratual prevendo cessão de fração de 20% (vinte por cento) do total de seu quinhão hereditário decorrente de seu genitor, ora inventariado.

Ao realizar o respectivo pedido, requereu ao juízo que fosse determinada a separação de quantia ou, em sua falta, de bens suficientes para o pagamento da dívida. bem como a alienação dos bens, tantos quantos necessários para o pagamento do crédito, em praça ou leilão.

O Juízo da 2ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Bonito/MS extinguiu o pedido de habilitação, em decorrência da ilegitimidade ativa ad causam do autor, haja vista que a possibilidade de habilitação de crédito nos autos do inventário está adstrita aos credores do espólio, não aos herdeiros de forma individual. Desta forma, eventual cobrança de dívida de herdeiro deve ser realizada através de outras modalidades, não impedindo eventual incidência sobre o quinhão da herdeira inadimplente.

Interposto recurso, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina manteve hígida a sentença, destacando que, diferentemente do pedido de habilitação de crédito, existe a previsão legal para realização de penhora no rosto dos autos, entretanto, para efetivação da constrição que recairá nos bens ou direitos que couberem ao herdeiro no processo de inventário, indispensável a existência de ação prévia que reconheça tal direito.

Assim sendo, ainda que a herdeira tenha oferecido seu quinhão hereditário em garantia, inviável discutir a satisfação do crédito ou determinar a reserva de bens nos próprios autos do inventário, devendo ser executado o crédito pela via processual adequada, para posterior requerimento de penhora do quinhão da parte devedora no rosto dos autos do processo de inventário.

A respeito da cessão de direitos hereditários, esta pode se realizar de forma onerosa ou gratuita, observada a escritura pública como forma, conforme artigo 1.793 do CC/2002 e tem por objeto a universalidade de direitos, transferindo apenas direitos e não a qualidade de herdeiro. Ainda, deverá ser aperfeiçoado após a abertura da sucessão, com o recolhimento do respectivo imposto, a depender da modalidade, observado o direito de preferência dos coerdeiros quando onerosa.

Ainda a respeito do mesmo tema, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região decidiu pelo cabimento da penhora no rosto dos autos de processo de inventário quando a executada em ação trabalhista é uma das herdeiras, haja vista que a indivisibilidade ocorre somente até a partilha.

Nos autos do julgamento de agravo de petição de n° 0020125-59.2015.5.04.0702, a sócia executada requereu a desconstituição da penhora sob o seu quinhão bloqueado nos autos do inventário o qual figura como herdeira. Em suas razões, aduziu que não ser o espólio devedor, de forma que seria vedada a penhora no rosto dos autos antes de ultimada a partilha.

Em que pese as razões suscitadas, a decisão ressaltou que a constrição não incidiu sobre o espólio, mas sim, sobre o quinhão destinado a herdeira. Tratando-se ainda, de garantia ao credor trabalhista o seu direito, observado o limite do valor do quinhão destinada à herdeira.

Sendo assim, analisadas as possibilidades e limites impostos pela lei, é possível conferir aos credores a segurança da satisfação dos seus respectivos créditos, observados os direitos sucessórios dos herdeiros e proteção à segurança do espólio.

A Recuperação Judicial, os Créditos Trabalhistas e a Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito laboral

O processo de Recuperação Judicial, cujo marco regulatório é a Lei n° 11.101/2005, tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa devedora, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. É o que se chama do princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 da Lei n° 11.101/2005.

O mencionado princípio recuperacional foi concebido, pelo legislador, à luz do que dita a nossa Constituição Federal que, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (artigo 170, inciso III), como também, a busca do pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas.

A Lei de Recuperação Judicial e Falências determina, para os créditos trabalhistas (Classe 1), que os valores de natureza estritamente salarial, limitados até 150 (cento e cinquenta) vencidos nos 03 (três) meses anteriores à decretação da recuperação judicial e/ou falência, até o limite de 05 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, deverão ser pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

Inobstante, temos percebido que a Justiça do Trabalho tem se utilizado muito do instituto da desconsideração da personalidade jurídica para satisfazer o crédito de um trabalhador, cujo montante se encontra listado e habilitado em processo de recuperação judicial da empresa empregadora. Mas, será que tal comportamento se coaduna com o princípio da preservação da empresa tão preconizado na Lein° 11.101/2005?

Pois bem, a desconsideração da personalidade jurídica, na Justiça do Trabalho, é meio lídimo de satisfação da dívida pelo credor quando as tentativas de fazê-lo em face do devedor originário malograram.

O artigo 789 do Código de Processo Civil estabelece que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei, o que significa dizer que a satisfação da dívida enseja um dever para o devedor e uma responsabilidade para o seu patrimônio. É cediço que a pessoa do sócio não se confunde com a pessoa jurídica.

Os artigos 49-A e 1.024 do Código Civil, por sua vez, consagram o “princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas”, que nada mais é, nos termos do parágrafo único do artigo 49-A mencionado, do que um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Ou seja, a responsabilidade patrimonial do sócio encontra restrição nos artigos 790, inciso II, cumulado com o 795, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de que seus bens só respondem pela dívida societária nos casos previstos em lei.

A empresa detém o débito e a responsabilidade pelo pagamento, enquanto os sócios ao terem seus bens alcançados pelas dívidas da pessoa jurídica que compõem não possui débito, mas se tornam responsáveis pela obrigação contraída.  

Em verdade, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu unicamente com o intuito de ultrapassar pontualmente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em razão do uso indevido desta e não a personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica permite que bens de terceiros sejam processualmente excutidos para satisfazer dívida de credor que não obteve êxito para tanto do devedor originário.  Os requisitos para desconsideração da personalidade jurídica encontram-se presentes em diversas normas do ordenamento jurídico, a saber: art. 50, CC; art. 28, CDC; art. 2°, §2°, da CLT; art. 135 do CTN; arts. 117, 158, 245 e 246 da Lei n. 6.404/76;  art. 4° da Lei n. 9.605/98; art. 18, §3°, da Lei n. 9.847/99; art. 34 da Lei n. 12.529/2011; e art. 14 da Lei n. 12.846/2013.

Na esfera trabalhista, a 6ª turma do TRT da 1ª região, recentemente, negou provimento a um agravo de petição interposto pelos sócios de uma empresa de serviços gerais em processo de recuperação judicial. Condenados a responder subsidiariamente pelo inadimplemento dos créditos trabalhistas de um ex-empregado, os empresários alegaram que a inclusão no polo passivo da execução só caberia se comprovada a má administração da empresa, o que não ocorreu.

A relatora do acórdão, ao analisar o recurso, quanto à alegação de suspensão da execução, lembrou que conforme o disposto no artigo 6º da Lei n° 11.101/05, a abertura do processo de recuperação judicial suspende o curso de todas as execuções pelo prazo de 180 dias, salvo disposição judicial que amplie esse prazo. É o chamado stay period. No presente caso, a magistrada verificou que o referido prazo já estava superado e não havia, nos autos, prova de que foi prorrogado judicialmente, tendo destacado que:

“Revendo posicionamento até então adotado, passo a defender o entendimento de que nos casos em que a empresa executada está submetida a processo de recuperação judicial ou falência, há possibilidade de redirecionamento da execução, na Justiça do Trabalho, contra os sócios responsabilizáveis ou responsáveis subsidiários, antes mesmo de encerrado o processo no Juízo Universal.”

Percebe-se com a afirmação acima que o entendimento da Justiça do Trabalho para credores trabalhistas é no sentido de estimular a manutenção das reclamações existentes, mesmo que os créditos dos trabalhadores estejam listados e habilitados no processo recuperacional, dado que a execução pode ser imediatamente direcionada aos sócios, independentemente do desfecho do processo falimentar ou de recuperação judicial, bastando haver a confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da empresa, não sendo necessária a comprovação de fraude ou má administração, como exige a legislação civil.

Tem-se a impressão que a Justiça do Trabalho, smj, desconsidera a importância da preservação da empresa e pretende acabar com a recuperação judicial para crédito Classe 1 (de reclamantes) mediante despersonalização da pessoa jurídica de forma simples e automática, mesmo sem o preenchimento dos requisitos da lei civil. É preciso, urgente, fomentar o debate para que este entendimento seja modificado, preservando o instituto da recuperação judicial.

Multa prevista em acordo homologado judicialmente tem natureza de cláusula penal, decide o STJ

No julgamento do Recurso Especial nº 1.999.836/MG, de Relatoria da Min. Nancy Andrghi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a multa prevista em acordo homologado judicialmente tem natureza jurídica de multa contratual (cláusula penal), e não de astreintes. Assim, a sua redução se submete às normas do Código Civil (CC).

Com base neste entendimento, negou-se provimento ao referido Recurso Especial, uma vez que a imobiliária recorrente sustentava que a multa por atraso no cumprimento da obrigação, pactuada em transação homologada judicialmente, deveria caracterizar-se como astreintes, e, por isso, poderia ser revisada a qualquer tempo, por força do artigo 537, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.

Mas, ao contrário disso, a relatora do julgamento do recurso no STJ, a ministra Nancy Andrighi, observou que a transação é um contrato típico, previsto nos artigos 840 e 842 do Código Civil, de modo que a multa discutida no referido caso, por decorrer de acordo firmado entre as partes, tem natureza jurídica de multa contratual, ou seja, a chamada cláusula penal, prevista nos artigos 408 a 416 do Código Civil.

Inclusive, a Magistrada ainda ressaltou que o artigo 413 do Código Civil prevê expressamente a possibilidade da multa ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio.

E finalizou explicando, no referido julgamento, que como a multa prevista em transação homologada judicialmente tem natureza de cláusula penal, e não de astreintes, a imobiliária (recorrente) deveria ter fundamentado o pedido de revisão do valor com base no artigo 413 do CC, e não no artigo 537, parágrafo 1º, do CPC. Além disso, a E. Ministra comentou que a análise de eventual desproporcionalidade da cláusula penal só ocorre excepcionalmente em recurso especial, em razão da Súmula 5 e da Súmula 7 do STJ.

 No referido julgamento, portanto, a 3ª Turma do STJ deixou claro que a multa contratual derivada de um acordo homologado judicialmente tem a natureza de uma cláusula penal, regulamentada pelos artigos 408 a 416 do Código Civil, só podendo sofrer alguma revisão consoante as hipóteses expressamente elencadas no artigo 413 do mesmo código.

Patrimônio de afetação em loteamentos

Em 14/07/2023 foi promulgada a Lei 14.620/2023, a qual dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, estabelecendo suas novas diretrizes e, consequentemente, promovendo a alteração de legislações correlatas.

Dentre as várias mudanças operadas pela Lei, merece atenção a inclusão dos artigos 18-A a 18-F na Lei 6.766/1979, os quais disciplinam a possibilidade da instituição do regime de patrimônio de afetação em loteamentos, considerando que o instituto era restrito à incorporação imobiliária.

O patrimônio de afetação é caracterizado pela segregação do patrimônio do loteador de todo o terreno e infraestrutura desenvolvida para o loteamento, incluindo os bens e direitos, os quais ficarão afetados à consecução do empreendimento e à entrega dos lotes urbanizados aos respectivos adquirentes.

Nesse contexto, importante ressaltar a segurança jurídica trazida pelo instituto aos promissários compradores e investidores ao assegurar que o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do loteador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos, de modo que apenas responderá por dívidas e obrigações vinculadas ao respectivo loteamento.

Logo, o patrimônio de afetação afasta também todos os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do loteador, de modo que o terreno, a obra e os demais bens, tais quais: direitos creditórios, obrigações e encargos objeto do loteamento, não integrarão a massa concursal.

Além disso, importante ressaltar a maior transparência e controle sobre o caixa do empreendimento, considerando a obrigatoriedade de uma contabilidade separada e completa, mesmo que esteja desobrigado pela legislação tributária, permitindo uma fiscalização mais concreta por parte dos órgãos públicos, instituições financeiras e promissários compradores.

Em que pese o patrimônio de afetação proporcionar transparência e garantia de que o empreendimento será entregue dentro das condições estabelecidas, por outro lado provoca uma maior rigidez do caixa, considerando que o loteador não poderá utilizar os recursos daquele loteamento afetado em outros empreendimentos.

Diante disso, o instituto apenas passou a ter uma ampla adesão pelos incorporadores quando o Governo Federal passou a estimular o seu uso através da concessão do Regime Especial de Tributação (RET) para os empreendimentos que estivessem com seu patrimônio afetado, reduzindo a tributação do lucro presumido de 6,73% para 4%. Ocorre que, não há menção na nova lei acerca da aplicação do RET para os loteamentos.

Ademais, outro ponto de controvérsia está sendo a possibilidade de aplicação do parágrafo 5º, art. 67-A, da Lei 4.591/64, por analogia, aos loteamentos. A norma dispõe acerca da possibilidade de retenção de 50% (cinquenta por cento) pelo incorporador da quantia paga pelo adquirente, em caso de resolução por inadimplemento do promissário comprador, caso o empreendimento esteja submetido ao regime de patrimônio de afetação.  

Diante da ausência de julgados sobre o tema, pela recente promulgação e vigência da Lei 14.620/2023, devemos aguardar o posicionamento da jurisprudência acerca dos aspectos controvertidos em discussão.

Quais são os direitos dos dependentes dos planos de saúde cujo o titular veio a falecer?

No julgamento do Recurso Especial nº 2.029.978 – SP, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sob a Relatoria da Ministra Nancy Andrighi reconheceu, por unanimidade, que é direito de uma mulher idosa, então viúva, poder assumir a titularidade do plano de saúde após a morte do seu marido por tempo indeterminado. Desde que a mesma arcasse com o custeio integral do referido contrato, sem prejuízo de exercer, a qualquer tempo, o direito à portabilidade de carências para contratação de outro plano de saúde.

Dessa maneira, restou fixado para E. Min. Relatora que “falecendo o titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, nasce para os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos arts. 30 ou 31 da Lei 9.656/1998”.

Assim, conclui-se que é possível sim ao dependente do plano de saúde a permanência no mesmo, desde que assuma o seu pagamento integral e a partir daí a titularidade do referido contrato de plano de saúde.

Outrossim, antes de acontecer o exposto no julgamento supramencionado, os dependentes de um titular que veio a falecer ainda podem se beneficiar de um direito para garantir usufruir do referido plano de saúde por um período entre 1 e 5 anos sem que haja o custeio das mensalidades.

Esse direito mencionado, decorre da chamada cláusula de remissão que pode estar presente em seu contrato de plano de saúde, e é onde expressamente se fixa o período em que irá ser concedido ao dependente a continuidade do gozo do respectivo contrato sem que haja a contraprestação pecuniária naquele período estabelecido.

Caso exista a referida cláusula no plano de saúde contratado é necessário que o dependente informe ao Plano de Saúde o óbito do titular e requeira a ativação da cláusula de remissão, pois ela não é ativada de maneira automática.

Outra atenção que tanto os segurados como os Planos de Saúde devem ter, é se atentar para quem o benefício pode incidir, pois algumas cláusulas estabelecem um limite de idade para que os dependentes sejam alcançados pelo respectivo direito.

Por fim, importante destacar que a ANS – Agência Nacional de Saúde ainda dispõe da súmula nº 13/2010 que diz o seguinte: “O término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo”. Sendo assim, é de perceber que todos os atores envolvidos no contrato do plano de saúde devem prestar bastante atenção aos detalhes dos instrumentos pactuados, pois aquelas regras  vão definir e balizar os direitos de cada um na relação contratual, como é o caso dos direitos que os dependentes do plano de saúde cujo o titular veio a falecer possuem, quais sejam, o da remissão, caso haja a referida previsão e o cumprimento dos requisitos expressos, e a possibilidade de assumir a titularidade do plano de saúde do qual era dependente, desde que haja a manutenção das mesmas condições contratuais e o efetivo adimplemento das mensalidades, consoante se denota tanto do recente julgamento do Recurso Especial nº 2.029.978 – SP no STJ quanto da Súmula 13 da ANS.

Pejotização X Terceirização: entendimento do STF

O surgimento da contratação de pessoa jurídica foi proveniente da Lei n°11.196/2005, que autorizou, em seu artigo 129[1], a contratação de pessoas físicas que prestam serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, como pessoas jurídicas, gerando um estímulo à “pejotização” no segmento dos profissionais liberais em geral, como médicos, advogados, arquitetos, corretores, engenheiros e dos que atuam nos ramos jornalístico e artístico.

Em que pese essa autorização, permanecia antes da Reforma Trabalhista de 2017, uma ambiguidade regulatória, já que a ilegalidade da terceirização das atividades-fim contida na Súmula 331 do TST se manteve como referência para o julgamento de ações na Justiça do Trabalho e para a atuação do Ministério Público do Trabalho.

Com a Reforma Trabalhista e com a Lei da Terceirização (Lei nº 6.019/74 com alterações promovidas pela Lei nº 13.429/2017), essa contradição foi praticamente eliminada, pois houve a liberação da terceirização de forma irrestrita. Inclusive, no ano de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) não só afirmou a inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST por afronta à livre iniciativa, mas também declarou a constitucionalidade da terceirização irrestrita, conforme a tese de repercussão geral (Tema 725).

Em 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a Lei nº 13.429/2017, que permitiu a terceirização de atividades-fim das empresas urbanas, julgando improcedentes cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5685, 5686, 5687, 5695 e 5735).

Com a constitucionalização da terceirização, o STF não recomendou, muito menos liberou indistintamente a “pejotização”. Apenas conferiu validade à terceirização de serviços, seja ela da atividade meio ou fim da empresa, sem que haja, em tese, a presunção de fraude ao contrato de trabalho que, para seu enquadramento em específico, deve obrigatoriamente conter os requisitos previstos no artigo 3º da CLT[2].

Em 2022, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, considerou lícita a contratação de médicos como pessoa jurídica em um hospital da Bahia, ao julgar a Reclamação RCL 47.843, onde o principal ponto para a afastar o vínculo de emprego postulado foi a celebração de contrato de prestação de serviços por trabalhador considerado “hipersuficiente”[3], onde não se verificava a subordinação direta.

O entendimento não é pacificado no STF, inclusive fazendo um estudo com base nas decisões da 2ª Turma do STF acerca da pejotização e terceirização, verifica-se que a Turma entende majoritariamente não haver aderência estrita entre a terceirização lícita discutida no Tema 725 e ADPF 324 e a pejotização por fraude na contratação, em clara ofensa ao artigo 9º da CLT, entendimento esse que é acompanhado pela maioria dos Ministros do STF.

É certo que apesar das barreiras impostas pela legislação trabalhista e jurisprudência, a pejotização já é uma realidade no mercado de trabalho brasileiro e as novas interpretações do Supremo Tribunal Federal têm dado margem para discussões. Embora as novas decisões do Supremo não tragam segurança jurídica suficiente para a tomada de decisões mais arrojadas, serve como base argumentativa e indica uma tendência futura de posicionamento.


[1] Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

[2] Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

[3] Embora o artigo 444 da CLT seja aplicado para celetistas, a figura do hipersuficiente está sendo utilizada pelos Tribunais como um balizador para os contratos “pejotas”. Dentro de uma relação de emprego, empregados que recebem acima de R$ 15.014,98 (hoje, o teto do INSS está em R$ 7.507,49) e que tem curso superior, são tratados pelo legislador como hipersuficientes.


[1] Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

[1] Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

[1] Embora o artigo 444 da CLT seja aplicado para celetistas, a figura do hipersuficiente está sendo utilizada pelos Tribunais como um balizador para os contratos “pejotas”. Dentro de uma relação de emprego, empregados que recebem acima de R$ 15.014,98 (hoje, o teto do INSS está em R$ 7.507,49) e que tem curso superior, são tratados pelo legislador como hipersuficientes.

Por: Eduarda Medeiros e Kelma Collier