O uso das novas tecnologias na prática jurídica

Direito Civil                 

Por Sérgio Araújo e Rafael Collachio

Incontestável é o impacto positivo que a tecnologia vem imprimindo dentro do mundo jurídico, seja porque trouxe um novo arcabouço de ferramentas aptas a dar maior celeridade ao processo, seja porque trouxe maiores reflexões sobre matérias que hoje compõem precedentes do que se convencionou chamar de Direito Digital.

Com tais avanços, o Judiciário vê-se obrigado a repensar determinados procedimentos em que se considerava imprescindível a proximidade física para realização do ato de intimação. Se no Direito Internacional já tínhamos precedentes de intimações por meio eletrônico ou rede social, como Twitter e Facebook, no Brasil tais possibilidades são cada vez mais reais.

Recentemente tivemos, no Brasil, exemplos de situações em que se utilizou do aplicativo WhatsApp com o intuito de facilitar a comunicação entre as partes e o juízo. Em um desses exemplos, em 2014 um juiz de Presidente Médici/RO determinou que a autora de um processo fosse encontrada e notificada por meio do aplicativo em questão.

De forma semelhante, o aplicativo também tem sido utilizado com a finalidade de informar a respeito de processos que tramitam em determinada vara ou seção. A exemplo disso, a 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo oficializou essa prática e, desde então, faz o cadastro dos interessados, que passam a poder agendar audiências com os magistrados e diligências para consultas aos autos, bem como retirar certidões e alvarás, entre outros.

Mesmo a nossa legislação processual ainda não estando devidamente atualizada para abraçar o mundo da tecnologia, é natural que o ordenamento jurídico seja adaptado, aos poucos, para essa nova realidade, fazendo um constante diálogo entre a tecnologia e o Direito, a fim de solucionar casos concretos e trazer mais celeridade e eficiência ao nosso processo judicial. ­

Texto publicado na News 18/2016, em 05.10.2016

Despesas com abastecimento e depreciação de veículo particular utilizado para o exercício das atividades laborais

Direito Trabalhista 

Por Ítala Ribeiro

Não é raro nos depararmos com situações em que o empregado se utiliza de veículo próprio para exercer as atividades laborais. Exemplo comum são os vendedores externos, que normalmente recebem do empregador determinado valor mensalmente, muitas vezes um valor fixo, para custeio do abastecimento e da depreciação do veículo.

A empresa deve estar atenta ao fato de que o pagamento habitual de valores a título de ajuda de custo, dissociado de comprovante de despesas pelo empregado, configura salário, devendo ser a ele integrado para todos os efeitos.

Algumas empresas têm adotado, com o fito de garantir a natureza indenizatória desta verba, a emissão de recibo discriminando os valores pagos a título de reembolso de abastecimento, considerando os quilômetros rodados e a depreciação do veículo, tudo mediante apresentação da nota fiscal. Imperioso atentar que, diante da ausência de previsão na legislação trabalhista, para estipular o valor da indenização em comento, deve-se levar em conta os valores praticados pelo mercado de venda de combustível e manutenção de veículo (oficinas), bem como o gasto médio da marca/modelo do veículo envolvido.

Uma segunda alternativa é a negociação entre os Sindicatos dos empregados e patronal com a consequente homologação de norma coletiva disciplinando a questão.

Das recentes decisões dos Tribunais do Trabalho, entretanto, existe, inclusive, precedente em caso de acidente de trânsito em que a empresa foi condenada a proceder com o ressarcimento dos custos, de modo que o mais recomendado continua sendo que o veículo seja fornecido pela empresa, já que, nos termos do artigo 2º da CLT, o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador.

Texto publicado na News 18/2016, em 05.10.2016

Estado de Pernambuco institui programa para redução de multas e juros referentes a débitos de ICMS

Direito Tributário 

Por Rafaela Martins

No dia 15 de setembro, foi publicada a Lei Complementar nº 333/16, através da qual o estado de Pernambuco instituiu o Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, o qual concede redução parcial de valores de multas e juros de débitos de ICMS, mediante pagamento integral à vista ou parcelado em até 24 prestações mensais.

As reduções do crédito tributário – não cumulativas com quaisquer outras reduções de multa previstas em lei – correspondem, na hipótese de pagamento à vista, aos percentuais de 95% da multa e 85% dos juros, enquanto que a redução em caso de parcelamento será de até 80% da multa e 70% dos juros. O benefício é condicionado ao pagamento do valor integral do débito à vista ou da primeira parcela até o dia 30/11/2016.

Igualmente poderão ser incluídos no Programa os créditos inscritos em Dívida Ativa, ainda que já em fase de cobrança judicial, bem como os débitos já parcelados anteriormente. Contudo, os benefícios não se estendem a empresas optantes do regime tributário do Simples Nacional.

A adesão ao Programa deve cumprir todos os requisitos previstos na referida lei complementar, sendo que a inobservância de qualquer das exigências ali estabelecidas implicará revogação dos benefícios, com recomposição do valor total anterior ao pagamento ou início do parcelamento e exigibilidade imediata do crédito remanescente não pago.

Texto publicado na News 17/2016, em 26.09.2016

É possível excluir valores da base de cálculo do ICMS na fatura de energia elétrica

Direito Tributário 

Por Diljesse Vasconcelos

Em decisões cada vez mais comuns, o Judiciário vem reconhecendo a impossibilidade de cobrança do ICMS sobre valores de tarifas que compõem o valor da conta de energia elétrica adquirida pelos consumidores – seja no mercado livre de energia ou diretamente de concessionárias distribuidoras – e que comumente são incluídas na base de cálculo do imposto estadual.

Tais tarifas são as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), as quais visam remunerar as operadoras da rede de transmissão (Furnas, Chesf, etc.) e distribuição (Celpe, Eletropaulo, etc.) pelo uso do sistema. Tais valores são incluídos no custo da energia e equivocadamente adicionados à base de cálculo do ICMS incidente na operação.

Partindo do pressuposto que as tarifas em questão dizem respeito à remuneração do “transporte” da energia e que o imposto estadual apenas pode incidir sobre a venda ao consumidor, o Superior Tribunal de Justiça vem consignando o entendimento de que tais tarifas devem ser removidas da base de cálculo do ICMS sobre a energia e que o consumidor final tem legitimidade para pleitear a restituição do ICMS indevidamente pago a maior.

A exclusão de tais valores da conta de ICMS reflete diretamente nos custos arcados mensalmente pelos consumidores, o que pode gerar impactos financeiros positivos e relevantes para as empresas.

Texto publicado na News nº 16/2016, em 14.09.2016

A dispensa de consularização de documentos públicos estrangeiros

Direito Societário 

Por Gabriela de Sá

Em 14 de agosto deste ano, entrou em vigor a “Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros”, também chamada de “Convenção da Apostila”, promulgada através do Decreto nº 8.660/2016.

Essa convenção determina que os Estados-parte ficam dispensados de realizar a legalização, por autoridade consular ou diplomática, de documentos expedidos por agentes públicos estrangeiros (exemplo: procuração pública, contratos sociais registrados nas juntas comerciais etc.). Para isso, a autoridade competente do país de origem do documento deverá apor a “apostille”, indicada no anexo da convenção, conferindo-lhe validade em outros países signatários. Antes da entrada em vigor dessa convenção, os documentos públicos emitidos por autoridades estrangeiras precisavam ser legalizados para que produzissem efeitos no Brasil, situação esta que gerava altos custos aos solicitantes.

Contudo, importa observar que as disposições da convenção são válidas apenas para os signatários, dentre os quais se encontram, além do Brasil, Estados Unidos, Hong Kong e Panamá. Além disso, a convenção não se aplica aos documentos emitidos por agentes diplomáticos e consulares, nem aos documentos administrativos relacionados a operações comerciais ou aduaneiras.

Em suma, a adesão do Brasil à Convenção da Apostila representa um importante passo com vistas à desburocratização, facilitando, por exemplo, a representação de investidores estrangeiros em assembleias gerais de empresas – que muitas vezes era impedida pela impossibilidade de regularização da documentação em tempo hábil.

Texto publicado na News nº 16/2016, em 14.09.2016

A Imposição de Limitação aos Gastos Públicos – PEC 241/16

Direito Administrativo 

Por Kassya Menezes

No último dia 15.07 foi apresentada no Congresso Nacional, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC-241), a qual institui o “Novo Regime Fiscal”, cujas regras valem para os três Poderes, além do Ministério Público da União, da Defensoria Pública da União e do Tribunal de Contas da União, com período de aplicação de 20 anos, ou seja, a proposta institui o congelamento dos gastos públicos, período em que o dinheiro economizado será (em tese) canalizado para o pagamento da dívida pública, que atualmente consome quase metade do orçamento do País. O teto dos gastos do ano anterior, devidamente atualizados pela inflação caracteriza a referência para o ano subsequente.

A grande problematização feita à PEC se refere quanto ao descumprimento do teto, cujas sanções estabelecidas incluem a vedação a reajuste salarial, criação de novos cargos ou funções, reestruturação de carreira e realização de concursos públicos.

Destaca-se ainda a polêmica quanto à limitação aos necessários “crescentes” investimentos nas áreas da saúde e educação. Assim, com o impedimento de expansão dos gastos, os serviços públicos (a qualidade), de forma geral, restarão estagnados por, no mínimo, 10 anos.

Quanto à sua tramitação, a referida emenda já foi aprovada na Comissão de Constituição e justiça em 09.08.2016 e, atualmente encontra-se na Comissão Especial, com prazo de 10 sessões do plenário para apresentação de emendas.

Texto publicado na News nº 15/2016, em 31.08.2016

Novo Provimento da Corregedoria Geral de Justiça disciplina o procedimento dos Cartórios de Pernambuco para usucapião extrajudicial

 

Direito Imobiliário

Por Thiago Jacobovitz

Introduzida pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), vigente desde março de 2016, a possibilidade de reconhecimento de usucapião pela via extrajudicial ainda não tinha aplicabilidade, tendo em vista diversas lacunas que deixaram os interessados sem saber como atuar.

O Provimento de nº 14/2016 da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – CGJ/TJPE, publicado no Diário Oficial do dia 29 de julho de 2016, surge com a finalidade de uniformizar a atuação dos tabeliões e registradores do estado de Pernambuco.

Além de detalhar as informações, caracterizações e relatos que devem ou podem constar na Ata Notarial para melhor caracterização do exercício da posse, estabelecer a competência territorial dos Tabelionatos e definir o relacionamento com a Secretaria do Patrimônio da União – SPU, ao fixar os valores dos emolumentos a serem cobrados pelos Cartórios para os atos de lavratura e registro, o Provimento superou o principal impasse, que, até então, impossibilitava o ingresso do procedimento extrajudicial no estado de Pernambuco.

No entanto, como restrições, o Provimento ressaltou a impossibilidade de pedido de reconhecimento de usucapião extrajudicial por quem detém a qualidade de herdeiro daquele que é o titular do direito desejado e, também, para unidade autônoma sem a regularização prévia de todas as questões referentes ao condomínio edilício, à edificação ou à incorporação imobiliária.

Sendo a usucapião uma modalidade de regularização de propriedade que, em virtude dos complexos processos judiciais, era tomada como última opção, certamente, o início dos procedimentos extrajudiciais para seu reconhecimento representa grande avanço para liberação de antigos entraves.

Texto publicado na News nº 15/2016, em 31.08.2016

Possibilidade de protesto de crédito inscrito em Dívida Ativa antes da vigência da Lei nº 12.767/12 

Direito Tributário

Por Rafela Martins

O artigo 1º da Lei 9.492/97 conceitua o protesto como: “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Essa parte final do dispositivo fez surgir indagações acerca da inclusão da Certidão de Dívida Ativa (CDA) como um dos documentos passíveis de serem protestados. A posição inicial do STJ era de ser desnecessário o protesto de CDA, tendo em vista que, por ser título executivo, é possível o ajuizamento, desde logo, da execução fiscal.

Visando a afastar quaisquer dúvidas, foi publicada a Lei nº 12.767/2012, que acrescentou o parágrafo único no artigo 1º da Lei nº 9.492/97, incluindo expressamente a CDA como um dos títulos sujeitos a protesto. Consequentemente, em 2013, o STJ mudou seu posicionamento, através do REsp 1.126.515/PR, entendendo pela possibilidade de protesto da CDA, ao afirmar que a Lei de Execuções Fiscais tão somente disciplina sua cobrança judicial, não havendo qualquer vedação à utilização de mecanismos extrajudiciais de cobrança.

No entanto, surgiu, ainda, outra controvérsia sobre o assunto, referente à possibilidade de protesto de crédito inscrito em Dívida Ativa antes da vigência da Lei nº 12.767/2012. Em decisão publicada no dia 14/06/2016 no REsp 1.596.379/PR, o STJ entendeu ser viável o protesto em tais casos, uma vez que a nova legislação possui o caráter meramente interpretativo, considerando que a Lei 9.492/97 já permitia, no caput do artigo 1º, o protesto de outros documentos de dívida e não apenas títulos cambiais.

Dessa forma, criou-se um sólido precedente que admite o protesto de CDA inclusive para os casos em que o crédito tenha sido inscrito em Dívida Ativa em período anterior à inserção do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/97.

Texto publicado na News nº 14/2016, em 18.08.2016

Distribuição Desproporcional de Lucros nas Sociedades Limitadas

Direito Societário

Por Tatiana Rands

A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404), ao estabelecer que as ações da mesma classe terão os mesmos direitos, veda a exclusão de acionistas na participação nos lucros e nas perdas, assim como veda a distribuição desproporcional de dividendos.

Por sua vez, o Código Civil, que regula a sociedade limitada, que tem como característica a contratualidade, prevê, em seu artigo 1.007, a possibilidade de adoção da distribuição desproporcional dos lucros, em que pese também vedar a exclusão do sócio na participação nos lucros e nas perdas. Significa dizer que aos sócios é permitido contratar a proporção que caberá a cada um na distribuição, não sendo, necessariamente, correspondente à participação no capital social, desde que todos recebem uma parcela do lucro.

Tal normal encontra-se inserida no capítulo relativo às sociedades simples, mas também se aplica às sociedades limitadas, já que estas, nos casos de omissão, são regidas pelas regras das sociedades simples, nos termos do artigo 1.053 do Código Civil.

A possibilidade de distribuição desproporcional dos lucros deve estar, preferencialmente, prevista em contrato social. Apesar de discussões acerca da exigência de previsão contratual, é importante adotar uma posição conservadora nesse aspecto. Isso porque, de acordo com a Solução de Consulta nº 46, de 2010, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a isenção de imposto de renda apenas alcança os lucros distribuídos desproporcionalmente quando há estipulação contratual nesse sentido.

Ademais, a distribuição desproporcional, sempre que ocorrer, deve ser formalizada em ata de reunião ou assembleia de sócios, com a aceitação de todos, uma vez que, dessa forma, nenhum sócio, herdeiro ou sucessor pode contestar o recebimento de lucros a menor que sua participação societária. Assim, havendo ou não expressa previsão contratual, é importante o registro da ata com a deliberação dos sócios pela distribuição desproporcional, tornando-a oponível a terceiros e evitando problemas futuros entre os sócios.

Texto publicado na News nº 14/2016, em 18.08.2016

Cobertura de tratamento de infertilidade feminina por plano de saúde

Direito Civil          

Por Jamille Santos e Rafael Collachio

A Lei nº 9.659/98, também conhecida como Lei de Planos de Saúde, traz a possibilidade de não cobertura, pelos planos de saúde, do tratamento da inseminação artificial. Entretanto, em 2009, a Lei nº 11.935/09 modificou parte da Lei de Planos de Saúde, inserindo previsão que torna obrigatória a cobertura de casos que se encaixam na categoria de planejamento familiar.

Também sobre esse tema, a Resolução Normativa nº 192/2009, editada pela Agência Nacional de Saúde (ANS), dispões que não há a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos de reprodução assistida. Por outro lado, a própria ANS afirma que os planos devem cobrir procedimentos relativos ao diagnóstico e ao tratamento da infertilidade, a exemplo de exames hormonais, cirurgias e ultrassons.

Além disso, a Lei nº 9.263/96 inclui na descrição de planejamento familiar o aumento da prole, referindo-se, portanto, não somente aos métodos contraceptivos, mas também aos conceptivos. Tais previsões legais, muitas vezes conflitantes, acabaram por abrir a discussão sobre a possibilidade de se buscar judicialmente a cobertura do tratamento de infertilidade.

A discussão ainda não é pacífica nos tribunais, havendo posições contrárias à cobertura desse tipo de tratamento pelos planos de saúde. No entanto, vem prevalecendo a posição favorável à obrigatoriedade da cobertura, pesando a favor desse posicionamento o fato de que a infertilidade feminina é patologia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.

Texto publicado na News nº 13/2016, em 03.08.2016