Enunciados do Fórum Nacional de Saúde – Fonajus:  Importante Conhecer

Nos meses de abril e maio de 2009, em resposta ao aumento do número de ações judiciais relacionadas à assistência à saúde e a consequente necessidade de aprofundar os estudos sobre a temática da saúde, o Supremo Tribunal Federal – STF, realizou a Audiência Pública n. 04, objetivando esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas, econômicas e jurídicas atinentes ao tema.

Como produto da referida audiência, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ constituiu, através da Portaria 650/2009, um grupo de trabalho para elaborar estudos e propor medidas referentes às demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, do qual decorreu a aprovação da Resolução CNJ nº: 107, que instituiu o atual Fórum do Judiciário para a Saúde – Fonajus.

O Fonajus tem por objetivo elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos na área da Saúde Pública e Suplementar.

Entre suas ações, relevante citar a realização das Jornadas de Direito da Saúde, que têm por foco aprimorar o conhecimento técnico sobre a saúde pública e suplementar, discutindo os desafios da judicialização e encontrando soluções para esse problema.

Em sua sexta edição, realizada em junho/2023, a Jornada tratou de temas relevantes para a qualificação e racionalização da judicialização da saúde e teve parte da agenda destinada à aprovação de novos enunciados sobre o direito da saúde, além da revisão de enunciados aprovados em jornadas anteriores.

Atualmente o Fonajus já conta com 117 enunciados aprovados, que se revelam como importantes norteadores para a atuação de operadores do direito, operadoras e seguradoras de saúde.

Os Enunciados buscam fomentar o recurso ao apoio do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário – Natjus e dos Núcleos de Assessoramento Técnico em Saúde – NATS, orientam advogados e partes, quanto à forma adequada de instrução de demandas judiciais, bem como os magistrados na fundamentação de suas decisões.

Como exemplo, cita-se o Enunciado nº: 18, que preconiza que “Sempre que possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário – NatJus e/ou consulta do banco de dados pertinente.”, bem como Enunciado nº: 83, o qual prevê que “a autoridade judicial determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a juntada ao processo de documentos de evidência científica (nota técnica ou parecer) disponíveis no e-NatJus (CNJ) ou em bancos de dados dos Núcleos de Assessoramento Técnico em Saúde (NATS) de cada estado, desde que relacionados ao mesmo medicamento, terapia ou produto requerido pela parte.” Os enunciados aprovados estão disponíveis na página do CNJ: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/06/todos-os-enunciados-consolidados-jornada-saude.pdf

Nova lei traz estabilidade regulatória ao serviço de praticagem nos portos brasileiros

Na segunda-feira passada (15/01/2024) foi sancionada a Lei nº 14.813/2024, destinada a regulamentar tecnicamente e conferir estabilidade regulatória aos preços do serviço de praticagem nos portos brasileiros.

O serviço de praticagem, que consiste em guiar o navio no porto até a ancoragem para garantia da segurança da navegação, e que até então era executado exclusivamente pelos práticos devidamente habilitadas perante a Marinha do Brasil, poderá ser feito por Comandantes brasileiros de navios de bandeira brasileira que tenha até 100 (cem) metros de cumprimento e cuja tripulação seja composta de, no mínimo, 2/3 (dois terços) de brasileiros, desde que adquiram Certificado de Isenção de Praticagem.

Para obter este certificado de isenção, o Comandante deve preencher requisitos relacionados ao tempo de descanso monitorado pela autoridade marítima e à atuação prévia como Comandante do navio dentro da zona de praticagem.

O certificado de isenção não exime o tomador do pagamento da remuneração devida à praticagem local em razão da sua permanente disponibilidade do serviço. E sobre isso a nova lei estabelece que o preço do serviço será livremente negociado entre os tomadores e prestadores do serviço, reprimidas quaisquer práticas de abuso do poder econômico.

Na prática, cabe à cada empresa de praticagem estabelecer sua tabela de preço. O que deve ser obedecida é a Escala de Rodízio Único (ERU) que é fiscalizada pela Marinha do Brasil (regulação técnica). Por isso, o tomador não tem como definir qual empresa lhe prestará o serviço de praticagem, o qual deve seguir a ERU.

Em Pernambuco, por exemplo, há três empresas de praticagem, e uma delas optou por não mais seguir os valores convencionados na tabela de preços constante do acordo firmado entre o Sindicato dos Práticos e o Sindicato das Agências de Navegação, criando sua própria tabela de preços, o que é permitido diante da forma como a regulação econômica da atividade está disposta na nova lei.

Isso porque, apenas em casos excepcionais e mediante provocação fundamentada de uma das partes contratantes, a autoridade marítima, poderá fixar o preço do serviço de praticagem, por período não superior a um ano, prorrogável por igual período, se comprovado abuso do poder econômico ou defasagem do preço do serviço. O parecer respectivo deverá ser emitido em até 45 (quarenta e cinco) dias.

ANPD abre consulta para regulação do encarregado de proteção de dados (DPO)

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) realizou, no último dia 05 de dezembro, uma audiência pública visando colher contribuições da sociedade quanto à proposta de regulamento para o Encarregado de Dados[1], o chamado DPO (Data Protection Officer), previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A mencionada audiência, em conjunto com a consulta pública, aberta entre os últimos meses de novembro e dezembro, disponibiliza a todos a possibilidade de aprimorar a proposta de regulamentação incluída na Agenda Regulatória da Autoridade para o biênio 2023-2024[2], especialmente aos profissionais e organizações interessadas.

Diante de uma série de avanços e marcos de relevo observáveis nos últimos anos[3], a LGPD caminha rapidamente à sedimentação de sua influência no ambiente de proteção de dados no Brasil. Para isso, a função do Encarregado de Dados (DPO) é imprescindível.

O Encarregado de Dados é o elo entre a organização, os titulares dos dados pessoais e a ANPD, tornando-se fundamental à defesa dos princípios encampados na LGPD. No processo de adequação à referida legislação, uma das várias medidas a serem adotadas pelas empresas ou entes públicos é, certamente, a designação do DPO.

Suas atividades incluem receber reclamações dos titulares/comunicações da ANPD e respondê-las, bem como orientar os colaboradores nos processos relacionados à conformidade com a proteção de dados, a partir da definição do artigo 41 da LGPD, de diretrizes pela ANPD e de boas práticas internacionais.

A resolução sugerida pela ANPD aborda diversos aspectos da atuação do Encarregado, dentre eles os requisitos para o exercício da função, importantes definições sobre acúmulo de funções e sobre conflitos de interesse, bem como o esclarecimento de dúvidas que pairavam quanto às responsabilidades designadas.

Após o encerramento da consulta pública, a ANPD analisará as contribuições recebidas e elaborará uma versão final da resolução. A resolução será publicada no Diário Oficial da União e entrará em vigor em até 180 dias após a sua publicação.

Como citado supra, a regulamentação efetivamente positivada do Encarregado de Dados é um passo importante à implementação da LGPD no Brasil, diante da essencialidade da figura do Encarregado à proteção dos dados pessoais tratados pelas organizações, o que, evidentemente, exige grande responsabilidade para a atuação apropriada dessa função.

Em janeiro de 2022, uma resolução da ANPD flexibilizou uma série de pontos da LGPD para pequenas empresas e startups.

Com as novas regras, a indicação de um Encarregado passou a ser opcional para pequenas empresas e startups, e continuou sendo obrigatória para as demais, também abrindo caminho para que a função seja exercida por um prestador de serviços, seja pessoa física ou jurídica.

Dessa forma, o cargo não precisa, necessariamente, ser exercido por algum colaborador da empresa. É possível terceirizar a função para uma pessoa, advogado, empresa ou escritório de advocacia especializados na área.

O fundamental é que o Encarregado, tal como concebido na legislação europeia[4], seja designado com base em suas qualidades profissionais, e, principalmente, tenha conhecimento especializado no domínio do direito e das boas práticas de proteção de dados pessoais.

Na prática, advogados/escritórios de advocacia, consultores e profissionais de segurança da informação vêm ocupando o referido cargo, de modo que a multidisciplinaridade se consolida como importante fator para o cumprimento dos encargos do DPO.

Destaca-se, por fim, que, independentemente da obrigatoriedade ou não do cargo, a presença de um Encarregado configura boa prática para a manutenção do programa de conformidade da organização, motivo pelo qual se recomenda a busca de profissionais da área para o cargo, observando-se, logicamente, o porte da organização, bem como suas atividades e atribuições no tratamento dos dados pessoais.


[1] https://www.gov.br/participamaisbrasil/regulamento-encarregado

[2] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-anpd-n-35-de-4-de-novembro-de-2022-442057885

[3] https://www.coelhodalle.com.br/3-anos-de-lgpd-primeiros-passos-na-protecao-de-dados-no-brasil/

[4] Legislação europeia que inspirou a formulação da LGPD.


Por: André Garcia Filho

“Novo” prazo para impugnação ao edital e pedido de esclarecimentos da Nova Lei de Licitações

A nova lei de licitações trouxe consigo algumas novidades em diversos âmbitos do processo licitatório e uma delas é “novo” prazo para apresentação de impugnações e dos pedidos de esclarecimentos ao edital. São por meios desses instrumentos que os licitantes exercem seu direito de controle à legalidade sobre possíveis ilegalidades cometidas equivocadamente pela Administração Pública no âmbito de uma licitação.

A redação do artigo 41, §1º, da Lei nº 8.666/93, que ainda continua sendo aplicado, estabelece 02 (dois) prazos diversos para impugnar um edital, o primeiro dele sendo 05 (cinco) dias úteis anteriores à data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação por qualquer cidadão e o segundo de 02 (dois) dias úteis para os licitantes.

Ocorre que, atualmente, existindo a possibilidade, o certame licitatório deve ocorrer preferencialmente por meio eletrônico, motivo pelo qual, na prática, as licitações em sua maioria acontecem na modalidade do pregão eletrônico, regulado pelo Decreto nº 10.024/2019, que estabelece em seu artigo 24 um único prazo, independentemente de ser licitante ou não, de até 03 (três) dias úteis anteriores à data fixada para a abertura da sessão pública.  Por essa razão, agora, o artigo 164 da Lei nº 14.133/2021 seguiu os mesmos moldes.

É importante destacar que essa previsibilidade é um meio de colaboração na licitação e que resulta na pactuação de contratos mais eficientes tanto para os licitantes quanto para a Administração Pública, bem como reforça a possibilidade de que o órgão possa rever seus próprios atos através da aplicação do princípio da autotutela, anulando-os quando ilegais ou revogando-os quando inapropriados.

Por fim, faz-se necessário ressaltar que, independentemente da atual ou nova Lei de Licitações, nem todos os entes da Administração Pública estão vinculados às previsões ora abordadas, como, por exemplo, estatais e Sistema S, que possuem autonomia para terem seus regulamentos próprios acerca das normas que nortearão seus certames licitatórios, desde que seja respeitado, por óbvio, os princípios gerais. Logo, é de suma importância que os licitantes estejam atentos especificamente à previsão constante em cada edital quanto aos prazos para apresentação de impugnação e/ou pedidos de esclarecimentos.


Por: Camila Soares

É possível realizar a compra e venda de um imóvel em processo de inventário?

A pergunta realizada no título desta matéria pode ser uma dúvida bastante frequente das pessoas que passam por situações de perda de parentes, afinal, os gastos que os familiares têm com os custos funerários são muito altos.

Antes de adentrar ao tema, é importante destacar que o inventário é um instrumento jurídico de muita relevância, pois, é nele que será discriminado o espólio, ou seja, o conjunto de todos os bens, direitos e obrigações da pessoa falecida, a fim de se promover a partilha.

Como dispõe o artigo 1.784 do Código Civil, a partir do momento em que um indivíduo falece, todos os seus bens são transmitidos aos seus herdeiros de forma imediata. Dessa maneira, o condutor do procedimento de inventário, geralmente é um dos herdeiros, em observância à ordem de preferência legal. A legislação aduz que o juiz nomeará, primeiramente, o cônjuge ou o companheiro sobrevivente que estivesse convivendo com o falecido quando da sua morte, não havendo tal parceiro ou este não podendo assumir a aludida função, outro herdeiro será nomeado inventariante.

Nessa esteira, tendo em vista a transmissão dos bens e direitos aos herdeiros ocorrer imediatamente no momento da morte, o inventário deverá ser aberto em até 60 dias após o óbito, sob pena de multa sobre o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação).

Para este procedimento ser realizado, os herdeiros poderão optar por qual caminho seguir: a via judicial ou a extrajudicial. A primeira, realizada com a intervenção do Judiciário, é indicada para as situações de maior complexidade, como por exemplo: herança envolvendo menores de idade ou casos em que os herdeiros não chegam a um consenso no tocante à partilha. Já a segunda categoria, em que não há a necessidade da atuação do Poder Judiciário, se dá diante do consenso entre as partes envolvidas sobre como a partilha ocorrerá, entre outros requisitos e poderá ser realizada em qualquer Cartório de Notas, de maneira mais ágil e flexível.

É válido dizer, ainda, que a realização de um inventário é essencial para que a transferência dos bens do falecido seja reconhecida em órgãos públicos, bancos, judiciário, entre outros, garantindo aos herdeiros pleno direito sobre os bens.

Feitas essas considerações, é comum observar que os familiares geralmente têm interesse na venda de algum dos bens objetos do inventário devido às diversas despesas do procedimento, tais como: custos com advogados, com o registro do formal de partilha e até o próprio Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, entre outros. Diante disso, é importante mencionar que, independentemente do meio, judicial ou extrajudicial, do inventário, existe a possibilidade da venda do imóvel através de uma autorização judicial, mediante um alvará. O aludido procedimento está disposto no artigo 619 do Código de Processo Civil, e aduz que o inventariante deverá requerer autorização do juiz para realizar a alienação do imóvel objeto de inventário, enquanto a partilha de bens estiver pendente, devendo, ainda, informar os motivos para que ocorra a antecipação da venda.

Por fim, respondendo à pergunta inserida no título do texto, a compra e venda de um imóvel integrante de um espólio é permitida, desde que haja um alvará judicial possibilitando a lavratura da escritura de compra e venda.

Operadora de plano de saúde pode utilizar procedimento de junta médica para dirimir dúvidas quanto ao caráter reparador de cirurgia pós-bariátrica.

No último dia 13 de setembro, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou duas teses a respeito da cobertura pelo plano de saúde, de cirurgias plásticas após cirurgia bariátrica. Sobre a matéria, há formação de precedente e a tese norteará as decisões que versarem sobre o assunto.

A primeira tese consolidou no judiciário uma prática que já aparecia como tendência nos Tribunais, determinando a obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde em cobrir as despesas de cirurgias plásticas de caráter reparador ou funcional, em paciente após cirurgia bariátrica. O entendimento é que a cirurgia plástica é uma etapa complementar decorrente do tratamento de obesidade mórbida.

Sob a relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cuevas, a decisão representa uma atualização no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, permitindo que assim haja a integralidade de ações na recuperação do paciente.

Entretanto, não será qualquer cirurgia plástica pós-bariátrica que estará coberta pelo plano, especialmente se não objetivarem a restauração funcional do paciente. Nesse sentido, a segunda tese foi firmada destacando a possibilidade de as operadoras de planos de saúde utilizarem-se do procedimento da junta médica para dirimir divergências em caso de dúvidas justificáveis quanto ao caráter da cirurgia plástica, nos seguintes termos:

Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.” A referida tese fortalece a necessidade de prova técnica em demandas judiciais de planos de saúde para avaliar a indispensabilidade do procedimento requerido pelo beneficiário. Nessa perspectiva, o ministro relator reforçou que não se pode ampliar desenfreadamente o rol previsto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, de modo que inclua quaisquer tratamentos complementares ressaindo de seu caráter funcional e reparador, porém, é fundamental que seja dada pelo plano a assistência médica a situações que podem provocar diversas complicações de saúde ao paciente.

Por: Helena Porto

Piso Salarial da Enfermagem e o Setor Privado

A discussão sobre o piso salarial da enfermagem é enfrentada há anos no Brasil, mas ganhou forças com a pandemia da Covid-19, vivenciada no nosso país em 2020, o que fez com que o segmento se fortalecesse ainda mais em busca do aumento salarial.

Em 14 de agosto de 2022, foi sancionada a Lei 14.434, instituindo o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

A referida lei fixou o piso salarial em R$ 4.750,00, para os enfermeiros dos setores público e privado. O valor desse piso ainda serviu de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem, que é de 70% do piso, bem como dos auxiliares de enfermagem e parteiras, que é de 50% do piso. A lei foi considerada um avanço e muito comemorada pela enfermagem.

Em 04 de setembro de 2022, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, através de uma decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222, suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

A ADI 7222 foi apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços – CNSaúde, visando questionar a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, assegurando que a aplicação da lei poderia aumentar o desemprego, gerar a falência de unidades de saúde ou aumento de repasse de custos no serviço privado, entre outros problemas.

Em 15 de maio de 2023, Luís Roberto Barroso revogou a liminar concedida na ADI 7222 e determinou o cumprimento do piso nacional da Enfermagem, em todo o território brasileiro. A nova decisão proferida levou em consideração a sanção da Lei 14.581/2023, que autorizou a transferência de R$ 7,3 bilhões destinados à assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o pagamento do piso salarial dos profissionais da enfermagem.

Nos termos da decisão de Luís Roberto Barroso, o cumprimento do piso salarial, para os entes públicos, deveria ser de forma imediata. Já no caso dos profissionais da iniciativa privada, o ministro ressaltou que haverá a possibilidade de negociação coletiva. Além disso, também para as empresas privadas, estabeleceu um prazo maior para produção de efeitos da decisão, que seria a partir de 1º de julho de 2023.

O caso foi levado ao Plenário para a análise e votação dos demais ministros, tendo o STF, quando do julgamento da ADI 7222, fixado o entendimento de que o piso salarial nacional da enfermagem, do setor público, deve ser pago pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, na medida dos repasses dos recursos federais.

O Supremo definiu, ainda, em relação às empresas privadas, que é imprescindível a tentativa de negociação coletiva para a implementação do piso salarial nacional, tratando isso como requisito procedimental obrigatório. Acrescentou que, nos casos em que não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, definiu que a aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação da ata do julgamento, mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.

Após a decisão do STF, a CNSaúde buscou auxílio ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), para uma possível mediação e busca de alternativas que pudessem atender ambas as partes. A entidade alegou entraves e dificuldades enfrentadas para chegar a um acordo com os representantes dos trabalhadores, afirmando que “há uma procrastinação das tratativas sobre o piso da enfermagem, no intuito de deixa vencer o prazo de 60 dias sem negociação concluída, para manter os valores fixados em lei”. Já os representantes dos trabalhadores alegam que as propostas apresentadas sugerem prazos longos para recebimento dos novos valores, o que não é aceito por eles.

Após alguns adiamentos, a negociação unilateral com o CNSaúde foi realizada no dia 07 de novembro de 2023, no entanto, o TST não aceitou a proposta apresentada pela entidade patronal para implantação do piso nacional dos profissionais de enfermagem do setor privado e, por essa razão, o documento não foi levado à categoria dos trabalhadores. O TST considerou que a proposta era incapaz de atender aos interesses da Enfermagem. Após finalizada a reunião, a CNSaúde solicitou prazo para apresentar uma nova proposta, que diz ser capaz de atender aos pleitos da enfermagem. A nova proposta foi entregue no dia 17 de novembro de 2023, mas o seu teor não foi divulgado e a justificativa do TST foi de que primeiro queria debater com os trabalhadores, antes que torne público para toda a sociedade.

Em paralelo, também após aquela decisão do STF, foram opostos alguns Embargos de Declaração, cujo julgamento daqueles embargos opostos pelo Senado Federal foi finalizado no último dia 18/12/23. Os demais embargos declaratórios deixaram de ser acolhidos.

Por maioria, o plenário do STF decidiu manter as 44 horas semanais trabalhadas, como referência para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem, bem como determinou a negociação coletiva regionalizada sobre o pagamento do piso no setor privado. Também foi autorizada a redução salarial, com pagamento proporcional do piso, em caso de redução de jornada.

Foi esclarecido, também, que para a observância do piso salarial devem ser consideradas todas as parcelas que integrem a remuneração e sejam pagas aos trabalhadores de forma permanente. Ou seja, o piso salarial vai levar em consideração a remuneração global e não apenas o salário base, podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente, no caso de carga horária inferior a 8 horas por dia ou 44 horas semanais.

No caso das entidades privadas, a implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada, mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Em sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, que se dará via processo judicial.

Conforme esclarecido acima, antes dessa nova decisão, o STF havia decidido que, para as entidades privadas, nos casos em que não houvesse acordo, o piso deveria ser pago na forma da lei. Essa mudança acabou sendo, de certa forma, positiva para as entidades privadas, pois a possibilidade de se admitir negociações coletivas regionalizadas vai permitir uma adequação do piso à realidade dos diferentes hospitais e entidades privadas de saúde.

Não se questiona e nem se discute que o novo piso nacional representa uma conquista para os profissionais do setor. No entanto, na rede privada, é um ponto que tem gerado grandes preocupações e discussões diversas, a começar pela viabilidade ou não do pagamento, já que os hospitais privados alegam que não conseguem, financeiramente, realizar o aumento nas remunerações desses profissionais. Foram realizadas várias pesquisas sobre o impacto desse aumento, na esfera das entidades privadas, e o resultado que se tem é que, por estimativa, a medida ocasionaria em uma demissão de 79,3 mil profissionais da enfermagem, o que é um quadro preocupante. Nos parece que as entidades privadas tem um desafio a percorrer e a negociação vai se tornar necessária.

Da responsabilidade do banco por vazamentos de dados que resultaram na aplicação do “golpe do boleto”

No julgamento do REsp 2.077.278, ocorrido em 09/10/2023, a 3ª turma do STJ entendeu que as instituições bancárias respondem pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

Sabe-se do crescente número de estelionatos ocorridos na era digital, bem como da existência de golpistas que se passam por funcionários de um banco e emitem boleto falso para receberem indevidamente o pagamento feito pelo cliente.   

No caso concreto, trata-se de ação de declaratória de inexigibilidade de débito por vazamento de dados bancários cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, através da qual a Autora informou que havia solicitado informações acerca da quitação do financiamento via e-mail, tendo sido contatada via WhatsApp para quitação da dívida, oportunidade em que realizou o pagamento do boleto falso, no valor que girou em torno de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

A sentença de primeiro grau condenou o banco a considerar a dívida quitada mediante o pagamento do boleto falso e a devolver o valor que foi pago a partir de então, com correção e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês.

No julgamento de segundo grau, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),  que o golpe contra a cliente foi aplicado por meio de negociações realizadas de maneira informal, afastando a responsabilidade do banco com base no fundamento de que os dados do boleto falso divergiam dos dados constantes do contrato de financiamento, imputando a responsabilidade à consumidora que “falhou em seu dever de segurança e cautela”.

A consumidora, então, apresentou recurso especial, tendo o STJ decidido por reformar o acórdão do TJSP, restabelecendo a sentença que condenou o banco a declarar válido o pagamento realizado por meio de boleto fraudado e devolver à cliente parcelas pagas indevidamente em contrato de financiamento.

Nos fundamentos do Recurso Especial, a ministra Nancy Andrighi entendeu que, no caso concreto, houve  defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC e art. 44 da LGPD), vez que os criminosos teriam conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias da consumidora.

Isto é, os estelionatários sabiam que a consumidora era cliente da instituição e havia encaminhado e-mail a fim da quitação da dúvida, além destes terem conhecimento dos dados relativos ao próprio financiamento (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor).

Segundo a Ministra, não poderia ser imputado ao banco a responsabilidade exclusiva no caso de vazamento de dados cadastrais básicos, como nome e CPF, vez que de fácil acesso. Por outro lado, pontuou que, caso os dados do consumidor sejam vinculados a operações e serviços bancários, a instituição tem o dever de armazenamento e proteção, sob pena de eventual vazamento configurar falha na prestação do serviço.

Assim, seguiu-se o entendimento de que há, portanto, a necessidade de analisar o nexo de causalidade. Isso porque resta imprescindível averiguar a situação fática para analisar quais dados foram vazados, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, por consequente, a responsabilidade das pessoas envolvidas.

Do contrário, pontuou a Ministra Relatora que “inexistindo elementos objetivos que comprovem esse nexo causal, não há que se falar em responsabilidade das instituições financeiras pelo vazamento de dados utilizados por estelionatários para a aplicação de golpes de engenharia social (REsp 2.015.732/SP, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023)”. Por todo o exposto e, de acordo com a recente decisão já transitada em julgado, o STJ firmou o entendimento de que o banco responde pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

STJ decide que filhos podem atuar como testemunha em processo de divórcio dos pais

Em recente decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 1947751, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os filhos podem atuar como testemunha em processo de divórcios dos pais.

Trata-se de Ação de divórcio litigioso com pedido de partilha de bens. Em primeira instância, a demanda foi julgada parcialmente procedente, com a decretação do divórcio dos cônjuges.

Em face desta decisão, foi interposto recurso de apelação pela parte ré visando a reformulação da sentença, especialmente no que diz respeito à sua participação na partilha dos bens. O recurso não foi admitido, posto que o autor não comprovou de maneira efetiva que os veículos foram adquiridos durante a constância do casamento, tendo sido excluído da partilha, mantendo-se, portanto, a sentença.

Assim, inconformado, o demandante interpôs Recurso Especial, fundamentando-se na violação do art. 445 § 2 do CPC, arguindo a nulidade da sentença e do acórdão a quo, sob fundamento de que deve ser nula a prova, quando decorrente de depoimento do filho por este figurar como pessoa impedida de atuar como testemunha do caso.

O Ministério Público Federal forneceu um parecer opinando pelo não provimento do recurso.

O relator, o Ministro Marco Aurélio Bellizze, em seu voto, destacou e a importância da fase instrutória no processo judicial, especialmente no uso da prova testemunhal, sendo a instrução a fase com finalidade da última persuasão racional do Magistrado, que é o destinatário final da prova.

Destacou-se que as provas permitidas pelo ordenamento jurídico não possuem nenhum critério de valor ou uma hierarquia, de forma que o depoimento testemunhal poderá infirmar determinado documento quando analisados conjuntamente com as demais provas.

Apesar de reconhecer a falibilidade dessa forma de prova devido a influências e juízos de valor, a prova testemunhal é admitida em qualquer hipótese, exceto naquelas em que a lei expressamente exigir determinado tipo de prova.

O vínculo de parentesco é destacado como um critério para o impedimento, especialmente quando envolve cônjuges, companheiros, ascendentes, descendentes ou colaterais até o terceiro grau, afinal testemunha poderia dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico.

 No entanto, questionou-se a presunção de parcialidade em casos de filhos comuns, argumentando que o impedimento não se aplicaria automaticamente, e que nos casos elencados no art. 447 §2 dispõe que o impedimento será relativo ao cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou colateral até o terceiro grau de alguma das partes.

Na análise do caso, o STJ entendeu que os impedimentos do CPC não são aplicáveis quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer um dos litigantes em detrimento do outro.

Restou claro que a interpretação do Magistrado é de suma importância, a fim de se ponderar as circunstâncias fáticas apresentadas, verificando se a referida imparcialidade subsiste ou não, momento em que deverá admitir a testemunha ou considerá-la impedida. Dessa forma, no caso em análise, além de não ter ficado em evidência a pretensão dos filhos em favorecer a parte ré em prejuízo da autora, as declarações realizadas nos autos foram ponderadas em paralelo ao conjunto probatório dos autos, não havendo, portanto, que se falar de nulidade.

Por: Maria Laura Vasconcelos

O Supremo Tribunal Federal, Alienação Fiduciária de Imóveis e o Marco Legal das Garantias

A importância da temática voltou ao debate do mundo jurídico no decorrer dos últimos dias.

De fato, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 26/10/2023, que, “a execução extrajudicial do imóvel dado em garantia pelo devedor é compatível com as garantias processuais da Constituição – ou seja, que a cobrança, em cartório, do valor em débito, e o leilão extrajudicial do imóvel, no caso de não pagamento da mora, não violam o contraditório e a ampla defesa, não afastam o acesso do devedor ao Judiciário, nem afrontam o direito à moradia” (RE 860631/SP).

No mencionado julgado, o Supremo reconheceu a existência de repercussão geral do tema (982), o que significa que a decisão tomada no Plenário deve ser replicada nos casos semelhantes em outras instâncias.

A medida não impede o exame da questão pelo Judiciário, uma vez que a Lei n° 9.514/1997 estabelece que o fiduciante pode ir à Justiça caso verifique irregularidades na execução extrajudicial do imóvel.

É sabido que a alienação fiduciária de imóveis é o negócio jurídico que serve de título para a criação de um direito real de garantia: a propriedade fiduciária.

A sua origem remonta ao Direito Romano, no instituto da fiducia cum creditore, que se caracterizava pela transferência da propriedade de um bem móvel/imóvel para garantir o cumprimento de uma determinada obrigação firmada entre credor e devedor.

No direito brasileiro, a alienação fiduciária é regulamentada pela Lei           nº 9.514/97, que assegura a realização da operação de financiamento ou empréstimo para pessoa física ou jurídica, configurada como situação de empréstimo com garantia de imóvel.

O Código Civil de 2002, no artigo 1.368-B, incluído pela Lei n°13.043/2014, determinou expressamente a sua natureza jurídica ao prever que: “A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.

Trata-se, portanto, de direito real de garantia, decorrente de um contrato, cuja constituição depende do registro na Matrícula Imobiliária correspondente.

A alienação fiduciária de imóveis revolucionou – e ainda revoluciona – o mercado de crédito imobiliário, sendo uma garantia real usada em quase 100% (cem por cento) das operações de compra e venda de imóveis no Brasil.

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a modalidade de alienação fiduciária representa 98,2% (noventa e oito vírgula dois por cento) do financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e que no ano de 2020 havia 7 milhões de operações ativas garantidas por esse modelo.

A grande questão é que a Lei que regula a Alienação Fiduciária de Imóveis, não é nova, e, desde o ano de 1997, estimula a resolução do conflito – credor x devedor – por meio de procedimento extrajudicial junto ao Cartório de Imóveis que possui a Matrícula do bem. A iniciativa legislativa, existente na Lei n° 9.514/1997, de balanceamento entre a proteção pelos riscos assumidos pela instituição credora e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, é, extremamente louvável diante de um Judiciário tão congestionado.

Dito isto, percebe-se que não houve inovação do Supremo Tribunal Federal ao validar uma Lei já existente desde o ano de 1997.

Na verdade, o recente julgamento do STF se mostra como uma cortina de fumaça para o Marco Legal das Garantias de Empréstimo (Lei n° 14.711), sancionado no último dia 30/10/2023.

A mencionada Lei reformula regras sobra a garantia real dada em empréstimos, como hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis, aperfeiçoando, portanto, a Lei n° 9.514/1997, tendo incluído, em apertada síntese:

  1. Na Lei n° 13.476/17, foram inseridos os artigos 9º-A a 9º-D, que regulam a Alienação Fiduciária Recarregável;
  2. Na Lei n° 6.015/73, inserida nova alínea (37), no artigo 167, inciso II, para averbação da Alienação Fiduciária Recarregável;
  3. No Código Civil, o artigo 853-A passou a regular que, qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia designado pelos credores;
  4. Ainda no Código Civil, (i) foi inserido o §2º ao artigo 1.477, para prever que o inadimplemento da obrigação garantida por hipoteca faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel; (ii) foi alterado o artigo 1.478, para simplificar o procedimento de sub-rogação, que pode ocorrer a qualquer tempo e não mais depende de prévia oferta ao credor da primeira hipoteca; e, (iii) foi inserido o artigo 1.487-A, para prever a extensão da hipoteca à garantia de novas obrigações com o mesmo credor;
  5. Na Lei n° 9.514/97 foram diversas alterações.

Com a nova Lei, será possível alienar a mesma propriedade em outros empréstimos feitos na mesma instituição ou em concorrentes, por exemplo. Outro objetivo é alavancar a economia do país, ampliando o acesso ao crédito.

Resta, pois, aguardar os acontecimentos das inovações introduzidas na Lei n° 9.514/1997, pelo novo Marco Regulatório. Mas, uma coisa é fato: as Instituições Financeiras passarão a conceder uma garantia imobiliária com maior nível de segurança, dado que haverá uma melhora na leitura de riscos de cada uma das transações, o que, por sua vez, incentiva a concessão de crédito.