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Pequenas impressões sobre a Nova Reforma na Lei de Recuperação Judicial e Falência

Quem atua com Recuperação Judicial e Falências vem acompanhando a tramitação, em regime de urgência, do Projeto de Lei nº 03/2024, que propõe alterações na Lei nº 11.101/2005 (LRF), recentemente modificada.

O PL quer ampliar a participação dos credores nos processos de Recuperação Judicial e Falências, visando elevar a taxa de recuperação de créditos e mitigar os riscos aos envolvidos. O texto está em análise na Câmara dos Deputados e sequer foi acompanhado de uma minuciosa exposição dos seus motivos, a justificar além da sua tramitação em regime de urgência, a pertinência da reforma e das escolhas feitas no projeto.

Caso aprovado, o novo PL pode trazer profundas modificações no funcionamento do procedimento falimentar e, em especial, na dinâmica entre os credores e na tutela do crédito.

Segundo o Governo Federal, autor do PL, a proposta deverá conferir celeridade à tomada de decisões nos processos de Falência, facilitando o acesso às informações empresariais e modernizando a governança, transformando a Falência em um processo de liquidação negociada dos ativos do devedor, aproveitando-se “da experiência do processo de Recuperação Judicial atualmente em vigor.”

Dentre outros pontos, o PL modifica a assembleia geral de credores, permitindo a nomeação de um gestor no processo de liquidação de ativos e de pagamento aos interessados, em substituição à figura do Administrador Judicial da Falência.

Em relação à transparência das informações, o texto do PL prevê a divulgação, pela internet, de um plano com as principais etapas do processo de Falência. Entre outros pontos, esse documento deverá informar sobre:

  • a gestão dos recursos financeiros da massa falida;
  • a venda dos ativos;
  • as providências em relação aos processos judiciais ou administrativos em andamento;
  • o pagamento dos passivos; e,
  • a eventual contratação de profissionais, empresas especializadas ou avaliadores.

Interessante perceber que a solução apresentada pelo PL para aprimorar o processo falimentar, permitindo que os maiores credores escolham o gestor da massa falida, e definam os rumos do processo, assemelha-se à solução já existente na antiga Lei de Falências (o DL n° 7.661/45), que não teve qualquer sucesso. Estaríamos diante de um retrocesso legislativo?

De toda forma, a Lei n° 14.112, de 24/12/2020, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e de Falências (LRF), promoveu inúmeras e profundas inovações ao procedimento falimentar, munindo-o com institutos que visam a torná-lo mais célere. Porém, muitas delas ainda não tiveram tempo suficiente para serem percebidas e medidas pela comunidade jurídica, a fim de verificar o seu impacto, benéfico ou não, ao processo falimentar, como por exemplo, o prazo do fresh start instituído pela reformade 03 (três) anos (artigo 158, V, da LRF), que somente poderá começar a ser aferido após o ano de 2024.

Ou seja, os estudos existentes que apontam a demora na tramitação da Falência são anteriores ao ano de 2020, inexistindo estudo específico atual para aferir o seu impacto, razão pela qual não há como se concluir que a reforma – instituída pela Lei             n° 14.112/2020 – tenha se mostrado inefetiva, muito menos que os processos que utilizaram suas inovações sejam morosos ou incapazes de liquidar ativos com a maximização do seu valor.

É certo que a Lei nº 14.112/20 trouxe diversas previsões que tornaram o processo falimentar mais ágil e dinâmico, como por exemplo, o afastamento do conceito de preço vil e fixação de prazo máximo de 180 dias para a ocorrência da alienação de ativos, independentemente das condições de mercado.

Por outro lado, os princípios do artigo 75 da LRF impõem, ainda, uma reflexão quanto à orientação trazida no PL de que os credores serão considerados os únicos protagonistas das decisões acerca dos rumos do processo falimentar, sobretudo diante dos interesses públicos e sociais que orientam a Falência.

Ademais, a governança da formação da vontade dos credores no processo falimentar, tal como sugerido pelo PL, é outra questão que demanda atenção, isso porque, o projeto de lei reconhece que algumas de suas disposições se “aproveitaram” da experiência do processo de Recuperação Judicial, notando-se, assim, grande influência desta última na disciplina proposta para a assembleia geral de credores, em especial para deliberação do plano de Falência.

Inobstante, esse aproveitamento, exige cautela, pois, a despeito de ambos estarem disciplinados na mesma lei e integrarem o microssistema da insolvência, sua racionalidade é bastante distinta, especialmente porque o processo de Recuperação Judicial objetiva a negociação das condições de plano de recuperação judicial, com concessões recíprocas entre credores e devedor, com o intuito de prosseguimento da atividade empresarial e soerguimento da empresa; já o processo falimentar, ele é destinado à liquidação do empresário insolvente, alienando seus ativos, pagando seus credores e recolocando na economia, de forma célere, ativos produtivos.

Pelo PL, ainda, a assembleia de credores para análise do plano de falências somente será convocada se houver oposição de credores, titulares de 15% (quinze por cento) do total crédito da falência, dentro do prazo de 15 (quinze) dias de sua apresentação pelo gestor fiduciário; do contrário, será ele simplesmente homologado, sem a realização da assembleia. 

No PL não há clareza quanto aos limites da função deliberativa do Comitê de Credores, consoante deliberação da assembleia geral por maioria simples.

Resta evidente, também, que é preciso refletir sobre as mudanças sugeridas no tocante à política pública de tutela do crédito, na medida em que o PL admitiu o pagamento de juros para créditos extraconcursais, em detrimento de credores concursais.

Desta forma, mostra-se que os questionamentos acima apresentados indicam a necessidade de uma maior reflexão sobre alterações tão profundas propostas à legislação falimentar, dado que ainda não foram identificados todos os efeitos benéficos da Lei nº 14.112/20; ainda, é preciso ter cautela para aproveitar a experiência da Recuperação Judicial ao processo de Falência; e, finalmente, por ser imperioso um profundo debate acerca da conveniência e da oportunidade de apartar-se o direito das  políticas públicas de tutela do crédito. Acompanhemos, de perto, a tramitação deste PL, diante dos impactos (des)necessários ao processo de Falência.

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