Portaria 3.665/2023: Nova regra para trabalho em domingos e feriados impõe desafios ao setor do comércio

A Portaria 3.665/2023, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e que entrará em vigor a partir de 1° de julho de 2025, traz mudanças significativas no regramento do trabalho em domingos e feriados no setor do comércio, impactando diretamente a organização das escalas de trabalho e a dinâmica das relações laborais.

Nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o labor em domingos e feriados é, como regra geral, vedado. Entretanto, há permissivos legais que possibilitam sua realização sob determinadas condições. Em relação aos domingos, o trabalho é permitido desde que seja garantido ao empregado um descanso semanal remunerado (DSR) de, no mínimo, 24 horas consecutivas. Além disso, caso não haja concessão de folga compensatória, a remuneração deve ser paga em dobro, conforme prevê a legislação.

No tocante aos feriados, o artigo 70 da CLT proíbe o trabalho nesses dias, salvo se houver autorização da autoridade competente. Essa autorização pode ser concedida de forma permanente, considerando a natureza da atividade e o interesse público, ou de maneira transitória, com prazo máximo de 60 dias.

A regulamentação vigente, até então disciplinada pela Portaria 671/2021, permitia o trabalho em feriados mediante pactuação individual entre empregador e empregado, trazendo maior flexibilidade ao setor. Além disso, a autorização para o labor nesses dias era concedida de forma permanente para diversas atividades, como indústria, comércio e transporte.

Ocorre que essa sistemática contrariava a previsão da Lei 10.101/2000, que estabelece a necessidade de negociação coletiva para permitir o trabalho em feriados no comércio.

Com o objetivo de sanar essa inconsistência normativa, a Portaria 3.665/2023 revogou as autorizações anteriormente concedidas, tornando obrigatória a pactuação por meio de negociação coletiva a partir de 1º de julho de 2025.”Além da obrigatoriedade da negociação coletiva, a nova norma determina o cumprimento das legislações municipais que regulam o funcionamento do comércio em domingos e feriados, impondo um desafio adicional às empresas que operam em diferentes localidades. Isso exige um acompanhamento jurídico rigoroso para assegurar a conformidade com as regras locais e evitar possíveis autuações.

Embora a portaria tenha como escopo fortalecer a representatividade sindical e garantir melhores condições de trabalho aos empregados, sua implementação traz desafios operacionais expressivos para o setor empresarial.

A necessidade de negociação coletiva pode resultar em custos adicionais e maior complexidade na gestão de escalas de trabalho. Setores como supermercados, farmácias e comércio varejista serão particularmente impactados, dada a necessidade de funcionamento contínuo.

Diante desse cenário, é essencial que os empregadores estejam atentos às novas exigências, revisando suas práticas e promovendo negociações com os sindicatos para assegurar a continuidade de suas operações sem prejuízo à legislação vigente. A adaptação a essa nova realidade demandará planejamento estratégico e diálogo entre as partes envolvidas, buscando soluções que equilibrem os interesses empresariais e a proteção dos direitos trabalhistas.

Inconstitucionalidade da incidência do ISS nas operações de industrialização por encomenda

No dia 26/02/2025, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços (ISS), previsto no item 14.05, da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 nas operações de industrialização por encomenda quando se destina à comercialização ou à industrialização.

Essa decisão foi proferida nos autos do Recurso extraordinário nº 882461, em sede de repercussão geral (tema 816) e, portanto, é de observância obrigatória pelas instâncias inferiores.

Para fixar a referida tese, os ministros entenderam que a atividade de industrialização por encomenda faz parte da cadeia produtiva, cuja finalidade é produção e circulação de bens, devendo sofrer incidência apenas do ICMS e do IPI, portanto, não configura uma prestação de serviços propriamente dita e que, a regulamentação do ISS.

Quanto aos efeitos da referida decisão, o STF modulou os efeitos determinando que a decisão é aplicável a partir da publicação da ata de julgamento. Assim, apenas os contribuintes que possuem ações judiciais em curso poderão restituir valores indevidamente pagos nos 5 anos anteriores à propositura da ação.

A única exceção é nos casos de bitributação, isto é, em que houve a cobrança de forma conjunta de ISS e ICMS ou IPI. Nesses casos, haverá a possibilidade de restituição do ISS, mas não dos demais tributos. O relator do caso (Dias Toffoli) ressaltou, ainda, que as empresas não poderão ser cobradas de forma retroativa quando houver a possibilidade de cobrança do IPI e do ICMS em decorrência de tal operação.

Essa decisão configura um marco importante na delimitação da competência tributária e estabelece segurança jurídica nas operações que envolvem etapas intermediárias no processo produtivo industrial.

STJ afasta dano moral presumido de idosa em fraude de consignado

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de indenização por danos morais feito por uma idosa que alegava ter sido vítima de fraude na contratação de um empréstimo consignado. O Tribunal entendeu que a mera condição etária da autora não é suficiente para presumir a existência de dano moral.

No caso analisado, a aposentada ingressou com uma ação judicial pedindo a declaração de inexistência do débito, a interrupção dos descontos previdenciários e a reparação por danos materiais e morais. Durante a instrução processual, uma perícia grafotécnica confirmou a falsificação de sua assinatura no contrato, levando a juíza da 1ª Vara Cível de José Bonifácio-SP a reconhecer a inexigibilidade da dívida e a cessação dos descontos no benefício previdenciário da autora, além de determinar a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente.

Contudo, ao julgar o Recurso Especial interposto pela autora, o STJ afastou a condenação por danos morais, por entender que a situação não configurava sofrimento superior a um mero aborrecimento. Embora o Tribunal já tenha reconhecido, em outras ocasiões, que a hipervulnerabilidade do idoso pode justificar a indenização por dano moral in re ipsa, neste julgamento prevaleceu um entendimento diverso. Os ministros Antônio Carlos Ferreira, Moura Ribeiro e Ricardo Villas Bôas Cuevas votaram contra a condenação do banco, enquanto a relatora, ministra Nancy Andrighi, e o ministro Humberto Martins ficaram vencidos.

Nesse sentido, o ministro Moura Ribeiro, ao inaugurar a divergência, entendeu que não houve nos autos a comprovação do prejuízo alegado, ressaltando que a idade avançada pode ser um critério para a análise da extensão de um dano, mas, por si só, não basta para o reconhecimento do dano moral presumido, mas não deve ser o único fator determinante. Além disso, enfatizou que a recorrente permaneceu com os valores obtidos no empréstimo e só questionou a fraude após um longo período, o que reforçou a conclusão de inocorrência de dano indenizável.

A decisão trouxe reflexos importantes para o setor bancário, pois reforça que a hipervulnerabilidade do consumidor, isoladamente, não justifica a obrigação de indenizar por dano moral.  Tal entendimento é fundamental para evitar que instituições financeiras sejam responsabilizadas por qualquer fraude envolvendo clientes, especialmente quando adotam medidas de segurança e ressarcimento adequadas. A imposição de indenizações sem análise criteriosa poderia incentivar pedidos infundados, gerar impactos negativos no mercado e até mesmo criar incentivos ao enriquecimento ilícito.

Desse modo, observa-se que o julgamento equilibrou dois aspectos essenciais: a proteção ao consumidor e a segurança jurídica das instituições financeiras, pois, embora seja importante resguardar os direitos dos consumidores, não se pode impor aos bancos uma responsabilidade irrestrita sem que haja comprovação de falha na prestação do serviço. Portanto, ao diferenciar situações nas quais houve negligência daquelas em que a instituição seguiu todos os protocolos adequados, mas ainda houve fraude, o julgamento garante a eficiência e estabilidade do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que preserva a proteção dos consumidores.

Justiça impede iFood de estabelecer valor mínimo para pedidos na plataforma

No julgamento do processo de nº 5684858.78.2019.8.09.0051, o juízo da  10ª Vara Cível de Goiânia/GO considerou ilegal a exigência de pedido mínimo em restaurantes cadastrados na plataforma iFood. A decisão, proferida pela juíza Elaine Christina Alencastro Veiga Araujo, determinou a eliminação progressiva dessa prática, além de condenar a empresa ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo. O montante será revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

No caso em tela, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO) instaurou inquérito civil para investigar a conduta da plataforma, argumentando que a imposição de um valor mínimo de pedido constituiria prática abusiva. Segundo o órgão, tal exigência fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois impõe desvantagem excessiva ao consumidor e restringe sua liberdade de escolha.

Antes de ingressar com a ação civil pública, o MP/GO, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de Goiás e o Ministério Público Federal (MPF), expediu recomendação para que a plataforma eliminasse a exigência. Diante da não adesão à orientação, o caso foi levado ao Judiciário.

Em sua defesa, o iFood sustentou que atua apenas como intermediário entre consumidores e estabelecimentos comerciais, deixando a critério dos restaurantes a decisão sobre a existência de um pedido mínimo. Argumentou ainda que a prática visa garantir a viabilidade econômica do serviço e que a plataforma oferece diversas opções de restaurantes que não exigem um valor mínimo, assegurando a liberdade de escolha ao consumidor.

A empresa também alegou que não há comprovação de dano moral coletivo, uma vez que os consumidores não são obrigados a utilizar a plataforma e possuem alternativas para realizar suas compras.

Ao analisar o caso, a magistrada afastou os argumentos da empresa, destacando a legitimidade do MP/GO para atuar na defesa de interesses coletivos. Segundo a juíza, o iFood integra a cadeia de fornecimento de serviços ao estabelecer as regras aplicadas às compras realizadas por meio da plataforma. Dessa forma, mesmo que a definição do pedido mínimo seja feita pelos restaurantes, a empresa responde solidariamente pelos efeitos dessa prática.

A decisão baseou-se no artigo 39, inciso I, do CDC, que proíbe condicionar a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro sem justa causa. A juíza entendeu que a imposição de um valor mínimo induz o consumidor a comprar mais do que deseja, caracterizando venda casada. Além disso, destacou que a empresa não apresentou dados concretos que justificassem a exigência, deixando de fornecer informações sobre sua política de precificação, o que reforçou a presunção de irregularidade na prática.

Com base nesses elementos, foi determinado que o iFood remova gradualmente a exigência de pedido mínimo, seguindo um cronograma escalonado de redução a cada seis meses. Inicialmente, o valor mínimo deverá ser reduzido para R$ 30,00, posteriormente para R$ 20,00, R$ 10,00 e, finalmente, eliminado em até 18 meses. O descumprimento da decisão sujeitará a empresa a multa de R$ 1 milhão por etapa não cumprida.

Ademais, a condenação ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo foi fundamentada no impacto da prática sobre milhões de consumidores que utilizam regularmente a plataforma. O valor foi estabelecido com base no número de estabelecimentos cadastrados no iFood e na média dos valores mínimos exigidos para pedidos. A decisão judicial reflete a preocupação do judiciário com a garantia de  transparência nas práticas comerciais, sob o argumento de ser pertinente coibir a imposição de barreiras ao acesso a serviços. A condenação por dano moral coletivo, por sua vez,  enfatiza o entendimento de aplicação da legislação consumerista à relação em discussão, bem como da existência de impacto da conduta sobre um grande número de consumidores, o que reforça a necessidade de maior atenção ao tema sobretudo pelas plataformas digitais.


Por: Mayara Morais

Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família, decide STJ

Em decisão recente, de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele receba a proteção da impenhorabilidade de bem de família, conforme previsto pela Lei 8.009/1990. A decisão foi tomada em um recurso especial (REsp 2.142.338) interposto por um credor que alegava fraude à execução após a devedora ter doado um imóvel para seus pais.

A controvérsia começou quando a devedora, antes de ser citada no processo de execução, mas já ciente de sua inclusão no polo passivo, transferiu a propriedade de um imóvel para seus pais. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse reconhecido fraude à execução, a penhora foi afastada, pois o imóvel em questão já havia sido ocupado pelos pais da devedora desde 2014, antes mesmo da execução da dívida, e continuaram a residir ali.

No âmbito do STJ, o credor alegou que a doação se tratava de fraude à execução, defendendo que o imóvel não deveria ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família, já que havia sido doado. No entanto, a ministra Nancy, relatora do caso, destacou que a análise para verificar a fraude à execução deve se basear na mudança da destinação original do imóvel. Nesse caso, como o imóvel já era utilizado como residência da família e continuou sendo utilizado para o mesmo fim após a doação, não há razão para a perda da proteção conferida pela lei.

A ministra ressaltou que, de acordo com o art. 5º da Lei 8.009/1990, para que o imóvel seja protegido, basta que seja o único bem da família e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente, independentemente de ser o devedor quem resida no local. No caso em questão, o fato de os pais da devedora possuírem usufruto vitalício do imóvel, usufruindo do direito de morar ali, foi considerado suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família.

Portanto, o STJ entendeu que a proteção de bem de família é válida mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que o bem seja o único da família e seja utilizado para moradia permanente, como estabelece a legislação. A decisão reafirma a importância da Lei 8.009/1990 no resguardo da moradia familiar, evitando que a residência seja alvo de penhoras em caso de dívidas, desde que atendidos os critérios legais. O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois reforça a proteção do patrimônio familiar e a segurança jurídica das famílias que utilizam seus bens para moradia, assegurando que imóveis destinados ao abrigo familiar não sejam usados de forma indevida para o pagamento de dívidas, mesmo quando transferidos para outros membros da família.

Criptografia de ponta a ponta não afasta responsabilidade solidária do whatsapp em caso de vazamento de conteúdo íntimo, decide STJ

A Ministra Nancy Andrighi consolidou a responsabilidade solidária do aplicativo de mensagens whatsapp aplicando as normas do Marco Civil da Internet diante da ausência de remoção imediata de conteúdo íntimo compartilhado após término de relacionamento amoroso.

O Marco Civil da Internet, legislação em vigor desde 2014, estabelece, em regra, a ausência de responsabilidade do provedor de aplicações de internet por conteúdos gerados e divulgados por terceiros.

Porém, como exceção, firma o dever de remoção do conteúdo mediante ordem judicial. Caso o provedor não tome as providências necessárias para tornar indisponível o material ilícito, será, então, responsabilizado civilmente pelos danos gerados.

A legislação também excepciona de forma mais específica, tratando da violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de imagens ou vídeos contendo cenas de nudez ou atos sexuais, assinando que basta que o provedor seja notificado para que possua o dever de remoção imediata do conteúdo, sob pena de responsabilização solidária.

O cuidado do legislador se alinha com a necessidade de proteção da vida privada em meios céleres de compartilhamento de informações, onde o alcance e consequente lesividade possuem impactos significativos.

Foi exatamente nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 2.172.296-RJ em 04/02/2025, decidiu que “O provedor do aplicativo de mensageria privada (WhatsApp) responde solidariamente quando, instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo relacionado a imagens íntimas compartilhadas sem autorização (pornografia de vingança), não toma providências para mitigar o dano.

Ao entender pela responsabilização, o STJ considerou que a empresa Meta, responsável pelo whatsapp, violou a legislação brasileira ao não remover conteúdo sexual compartilhado após ordem judicial, alegando impossibilidade técnica diante da criptografia de ponta a ponta que lhe impossibilitaria de ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas.

O entendimento do STJ tem sido construído no sentido de ser avaliado se realmente há uma impossibilidade tecnológica ou uma resistência dos provedores para evitar acusações de censura ou violação da liberdade de expressão. Além da necessidade de perícia para comprovação da alegação, um dos parâmetros utilizados é se há medidas técnicas alternativas a serem aplicadas pelos provedores de aplicações na internet para mitigar ou estancar o dano sofrido pela vítima e se tais providências foram tomadas.

No caso concreto submetido ao exame do Tribunal Superior, os Julgadores destacaram que o aplicativo deixou de adotar medidas equivalentes para eliminar ou mitigar o dano, como por exemplo a suspensão ou banimento das contas infratoras, considerando que os violadores eram plenamente identificáveis.

Dessa forma, ainda que a regra seja a responsabilidade exclusiva do usuário que divulgou o conteúdo ilícito, tem-se consolidada a possibilidade de responsabilização solidária do provedor de internet que tente se isentar dos seus deveres de segurança digital ao alegar impossibilidades técnicas não comprovadas, ausente a diligência esperada para mitigação das graves violações denunciadas.


Por: Mayara Morais

Reconhecimento da filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a possibilidade de constituição da filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade. Tal entendimento representa um avanço notório na interpretação dos laços familiares, ao superar a relação meramente biológica e reconhecer a importância dos vínculos afetivos e de convivência que se consolidam ao longo da vida.

Observa-se, atualmente, que as configurações familiares são cada vez mais diversas. Frequentemente, os laços que de fato moldam a vida dos indivíduos não se restringem à genética, mas fundamentam-se na convivência, no afeto e no apoio mútuo. Nesse contexto, o reconhecimento da filiação socioafetiva reflete a realidade social contemporânea, em que o amor e a dedicação têm o mesmo valor de uma relação biológica. Para o colegiado, a declaração de filiação nessas hipóteses – com efeitos diretos no registro civil do filho socioafetivo – não encontra qualquer óbice legal.

A análise do caso evidenciou que a relação construída por meio do convívio diário, marcada pelo cuidado, suporte emocional e participação ativa na formação do neto, pode se consolidar como um verdadeiro vínculo familiar. Esse posicionamento permite que relações que transcendem o laço sanguíneo sejam valorizadas e protegidas, reafirmando que o Direito de Família deve acompanhar a evolução das relações interpessoais.

Do ponto de vista prático, a decisão pode gerar importantes impactos na vida de diversas famílias. Em muitos casos, os avós desempenham papel crucial no desenvolvimento e na educação dos netos, especialmente em situações em que a presença dos pais é limitada ou ausente. Dessa forma, o reconhecimento legal desses vínculos não apenas confere segurança jurídica às relações afetivas, mas também facilita a condução de processos relacionados à guarda, visitas e até mesmo questões sucessórias. Ademais, a discussão do tema contribui para a redução de conflitos familiares e a promoção de um ambiente mais justo e acolhedor para todos os envolvidos.

É importante destacar, entretanto, que o reconhecimento da filiação socioafetiva não se efetiva de forma automática. É imprescindível comprovar, de maneira robusta, a existência dos laços afetivos e a efetiva convivência que caracterizem essa relação. Tal exigência reforça a necessidade de uma análise criteriosa por parte do Judiciário, que deverá avaliar cada caso de acordo com suas particularidades, evitando a banalização do instituto.

Durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, enfatizou a distinção entre os termos “adoção” e “filiação”. Segundo a relatora, o artigo 42, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a adoção de netos pelos avós, enquanto a filiação socioafetiva – na qual não ocorre a destituição do poder familiar decorrente de vínculo biológico anterior – possibilita o reconhecimento, inclusive, de filiação de maiores de 18 anos. Ainda, ressaltou a possibilidade de reconhecimento mesmo quando o filho já tiver a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, considerando a viabilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.

Dessa forma, a decisão evidencia o aprimoramento do sistema judiciário ao acompanhar as transformações sociais contemporâneas, acolhendo os diversos modelos de família presentes em nossa sociedade por meio dos instrumentos jurídicos adequados.

Geolocalizador de celular comprova má-fé de trabalhador em reclamação trabalhista

A aplicação de ferramentas tecnológicas na seara jurídica vem auxiliando os Juízos a perseguirem a obediência ao Princípio da Primazia da Realidade, o qual objetiva fazer valer a realidade em detrimento de qualquer documento.

Em diversos casos levados à Justiça do Trabalho, diante de alegações conflitantes das partes envolvidas no litígio foi possível dirimir as questões controvertidas com o auxílio de ferramentas tecnológicas.

No caso em comento, um ex-funcionário, alegando que continuava a trabalhar após registrar a saída no cartão de ponto, pleiteou o recebimento de horas extras e a invalidade dos controles de jornada enquanto a empresa se defendeu sob o argumento de que as horas registradas nos cartões de ponto correspondiam à realidade.

O douto juízo da Vara do Trabalho de Embu das Artes/SP recorreu ao uso de tecnologia para resolver a divergência nas alegações das partes, solicitando informações à empresa responsável pelo transporte dos trabalhadores, às operadoras de telefonia Vivo, Claro e TIM, e ao Google, constatando que em que pese as alegações do trabalhador, o geolocalizador do celular indicou que ele não estava na empresa após os horários registrados como término da jornada.

Dessa forma, o juiz Régis Franco e Silva de Carvalho, impôs ao reclamante uma condenação ao pagamento de multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça, uma vez que, com as informações recebidas foi feita a comparação entre os horários registrados nos cartões de ponto e os dados de geolocalização obtidos pelas operadoras de telefonia, com base no número do celular do reclamante, constatando que as alegações do trabalhador eram falsas.

Para o magistrado, “o reclamante agiu de maneira manifesta e dolosa, com o intuito de induzir o juízo a erro e obter vantagem indevida, configurando, portanto, o ato atentatório à jurisdição”. Diante disso, ele determinou o pagamento de multa à União de 20% do valor da causa, destacando que a penalidade é necessária para desfazer a ideia equivocada de que é possível mentir em juízo sem consequências.

Além disso, o juiz condenou o trabalhador a pagar uma multa de 9,99% do valor da causa à empresa, por alterar a verdade dos fatos, apresentar pretensão contra fato incontroverso, utilizar o processo para fins ilícitos e agir de maneira temerária. Também determinou o envio de ofício às Polícias Civil e Federal, assim como aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, para investigar possíveis crimes de calúnia, denunciação caluniosa, falsidade ideológica e estelionato.

Por fim, o juiz mencionou a existência de processos similares com potencial para caracterizar litigância predatória. Em conformidade com a recomendação do Conselho Nacional de Justiça para adotar medidas preventivas contra a judicialização predatória e possíveis cerceamentos de defesa, determinou ainda o envio de ofício à Comissão de Inteligência do TRT-2.

Você conhece o painel LGPD nos Tribunais?

A Lei n.º 13.709/2018, que regula a Proteção de Dados no País, também conhecida como LGPD, trouxe significativas mudanças para o tratamento de dados pessoais no Brasil, impondo novas obrigações às empresas e órgãos públicos, além de criar direitos específicos para os titulares de dados.

A crescente aplicação da legislação, no âmbito do Judiciário, tornou necessário o monitoramento das decisões judiciais relacionadas ao tema, culminando na criação do Painel LGPD nos Tribunais.

O Painel LGPD é uma ferramenta essencial para o acompanhamento da jurisprudência sobre proteção de dados no Brasil, consolidando decisões proferidas pelos tribunais em matérias que envolvem a Lei Geral de Proteção de Dados, de forma direta ou indireta no comando sentencial. O monitoramento dessas decisões permite compreender a evolução da interpretação judicial acerca da legislação, bem como os desafios enfrentados na sua aplicação prática.

A implementação do Painel LGPD contribui para a transparência e a previsibilidade das decisões judiciais, permitindo que advogados, empresas e estudiosos do direito compreendam as tendências jurisprudenciais e adotem medidas adequadas para a conformidade legal.

Entre os temas recorrentes nas decisões monitoradas pelo Painel LGPD, destacam-se:

  • Direito do consumidor e LGPD: Indenizações por vazamento de dados e uso indevido de informações pessoais por empresas.
  • Compartilhamento de dados entre órgãos públicos: Limites para a transmissão de informações pessoais entre entidades governamentais.
  • Direito trabalhista e LGPD: Monitoramento de empregados e o uso de tecnologias de controle, como geolocalização e videovigilância.
  • Responsabilização por falhas na segurança de dados: Casos de instituições financeiras e serviços digitais que sofreram ataques cibernéticos ou incidentes de segurança.
  • Decisões automatizadas: Questionamentos sobre a legalidade e a transparência em processos decisórios que afetam direitos individuais.

Para advogados e operadores do direito, o Painel LGPD representa uma fonte valiosa para fundamentação de teses jurídicas e estratégias processuais. Ao acompanhar as decisões proferidas pelos tribunais superiores e estaduais, é possível antecipar possíveis interpretações da legislação e mitigar riscos para clientes e organizações.

Além disso, o Painel LGPD possibilita uma visão ampliada sobre como a proteção de dados tem sido efetivamente aplicada pelo Judiciário, fornecendo insumos para o aprimoramento de políticas internas de compliance e governança corporativa.

Dessa forma, sua utilização como ferramenta de análise e pesquisa contribui significativamente para o aprimoramento das práticas de privacidade e segurança de dados, promovendo maior segurança jurídica e o resguardo dos direitos dos titulares de dados.

Para acessar o painel é só clicar no endereço: https://painel.jusbrasil.com.br

Justiça Federal suspende janela de abertura e determina ajustes na Resolução ANTT nº 6.033/2023

Em 17 de janeiro, a 6ª Vara Federal Cível da SJDF concedeu tutela antecipada para suspender, por 60 dias, a janela de abertura extraordinária do mercado de transporte rodoviário interestadual prevista na Resolução ANTT nº 6.033/2023. Determinou que, neste prazo, a Agência promova ajustes na norma, que deverão passar por análise do Juízo e do Ministério Público Federal antes de sua implementação.

A decisão foi proferida em Ação Civil Pública movida pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (AMOBITEC) contra a ANTT. A entidade argumenta, em suma, que a Resolução fere dispositivos da Lei nº 10.233/2001, da Constituição Federal e do Decreto nº 10.157/2019, por, segundo afirma, restringir o ingresso de novos operadores ao limitar a outorga de autorizações.

A ANTT, por sua vez, aduz que a Resolução busca ordenar a entrada das empresas no mercado, sem prejudicar a competitividade ou a estabilidade dos serviços. Registra, ainda, que as janelas de autorização e a classificação dos mercados em níveis consistem em medidas técnicas para assegurar eficiência e viabilidade econômica. A Agência apresentou pedido de reconsideração e, também, interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória.

Vale ressaltar que a Lei nº 10.233/2001 dispõe que a garantia de viabilidade (técnica, operacional e/ou econômica) deverá servir como limite ao número de autorizações concedidas. Esta regra possui o objetivo de preservar a continuidade, a qualidade e a segurança dos serviços, além de compatibilizá-los com a realidade do mercado nos aspectos de infraestrutura e mobilidade – razão pela qual deve ser observada mesmo na hipótese de ajuste da normativa vigente.


Por: Hérvila Batista e Jamille Santos