Sub-rogação não transfere à seguradora as garantias processais de consumidor, diz STJ

No julgamento do Recurso Especial 2.092.310/SP, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fixou importante entendimento sobre sub-rogação em contratos de seguro.

Em decisão publicada em 25/02/2025, no julgamento de recurso afetado como Tema 1282 dos Recursos Repetitivos, o STJ firmou a tese de que: 
“O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.”

A controvérsia consistia em definir o alcance da aplicação do artigo 379 do Código Civil, o qual estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores“.

Nesse sentido, firmou-se a discussão sobre se a seguradora se sub-roga nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro e a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor.

Esclareceu o tribunal que, embora a seguradora se sub-rogue nos direitos materiais do segurado (como o direito de cobrança contra terceiros), não pode invocar prerrogativas processuais destinadas exclusivamente aos consumidores, tais como a escolha do foro do domicílio do consumidor (art. 101, I, do CDC) e a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC). A decisão reforça a necessidade de se observar os limites da sub-rogação nos contratos de seguro, reconhecendo que as prerrogativas processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor são personalíssimas e intransferíveis. Trata-se de importante precedente para o mercado segurador, pois delimita o alcance dos direitos sub-rogados, garantindo maior segurança jurídica e uniformidade na aplicação das normas processuais. A definição da competência e da distribuição do ônus da prova nas ações regressivas dessa natureza deverá observar, portanto, as regras gerais do Código de Processo Civil e não as disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

A inclusão dos fatores de risco psicossociais no ambiente de trabalho por meio do GRO terá início em caráter orientativo

Nos últimos meses os termos da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que dispõe sobre questões relacionadas à segurança e saúde no trabalho e as diretrizes para o gerenciamento de riscos ocupacionais e medidas de prevenção, tem sido bastante debatido no âmbito do direito do tralho.

Isso se deve ao fato de que, em agosto de 2024, o capítulo 1.5 da NR-1 foi alterado por Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para incluir expressamente os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho no gerenciamento de riscos ocupacionais (GRO), após ampla discussão no âmbito do próprio MTE e suas comissões.

A alteração foi embasada, sobretudo, em diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre saúde mental no trabalho que foram estabelecidas diante da constatação de que, no mundo 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade, com consequências visíveis na economia global, relacionado, de forma predominante, à perda de produtividade.

Estes e outros dados relevantes sobreo assunto estão disponíveis no Guia de informações sobre os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho do MTE. Este guia foi elaborado diante (i) da proximidade da data prevista para início da vigência das alterações da NR-1, que determina a inclusão dos fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho no GRO e das (ii) dúvidas dos Empregadores no tocante às diretrizes da nova regra.

Os principais questionamentos são sobre a forma de identificação de perigos, avaliação de riscos, adoção de medidas de prevenção para os fatores de risco psicossociais e metodologia a ser aplicada.

Por isso, em 24 de abril de 2025, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, anunciou que a inclusão dos fatores de risco psicossociais no ambiente de trabalho por meio do GRO, terá início em 26 de maio, mas apenas em caráter educativo e orientativo.

No anúncio, se esclareceu que a medida tem como objetivo proporcionar um período de adaptação para que as empresas se ajustes às novas diretrizes e garantiu que “durante esse primeiro ano, será um processo de implantação educativa, e a autuação pela Inspeção do Trabalho só terá início em 26 de maio de 2026”. De todo modo, é fundamental que as empresas providenciem a adequação de seus programas de saúde e segurança do trabalho, a exemplo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) durante o período de adaptação, promovendo ações de acompanhamento e prevenção dos fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, envolvendo todos os seus setores de forma ativa e preventiva.

É possível a apreensão de passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por conta de dívida civil?

O aumento da inadimplência, no primeiro trimestre de 2025, reflete os desafios econômicos enfrentados pelas famílias brasileiras, como as altas taxas de juros e inflação sentidas no Brasil. Esses fatores impactam diretamente na capacidade de pagamento dos consumidores, exigindo atenção de autoridades e instituições financeiras para mitigar os efeitos negativos na economia brasileira.

Segundo dados da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, a maior concentração da inadimplência brasileira se encontra no jovem, adulto, na faixa etária de 30 a 39 anos, representando aproximadamente 23,76% do total de endividados no Brasil. O setor bancário lidera a inadimplência, representando um percentual equivalente a 66,74% das dívidas brasileiras, só no primeiro trimestre de 2025.

Em razão desta situação, tem se tornado cada vez mais comum, para os que militam no Judiciário em defesa dos credores, a busca por medidas judiciais atípicas visando o adimplemento perseguido.  

Por isso é que a possibilidade de apreensão de documentos pessoais, como o passaporte e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no âmbito da execução civil, tem gerado intensos debates jurídicos, especialmente à luz dos princípios constitucionais da liberdade de locomoção, dignidade da pessoa humana e efetividade da jurisdição.

O fundamento legal utilizado para tais medidas encontra respaldo no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que o juiz poderá determinar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária“.

Esse dispositivo confere ao magistrado certa margem de discricionariedade na condução do processo executivo, permitindo a adoção de medidas atípicas desde que sejam adequadas, necessárias e proporcionais, com o objetivo de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.

A constitucionalidade dessas medidas, em especial a apreensão de passaporte e CNH, foi objeto de recente decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5941/DF, que ressalvou a sua inaplicabilidade, apenas, para (a) dívidas irrisórias, ante a gravidade da reprimenda aplicada; e, (b) dívidas trabalhistas e tributárias, pois possuem regramento próprio de cobrança dos valores.

O Supremo recomendou que a aplicação das medidas atípicas visando o recebimento de crédito não podem prejudicar a atividade profissional do devedor, que trabalhe, por exemplo, dirigindo veículo ou viajando internacionalmente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tem um entendimento uniforma, ora tendo decisões que admitem, ora rejeitam essas medidas, sempre com base na análise do caso concreto. Em alguns precedentes, a Corte entendeu ser cabível a apreensão da CNH e do passaporte de devedores que apresentem indícios de comportamento fraudulento ou que ostentem alto padrão de vida, ao mesmo tempo em que se esquivam do cumprimento de obrigações.

Os Tribunais brasileiros vêm adotando as medidas atípicas nos processos executivos, a depender do caso concreto, alegando a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional prestada.

Portanto, embora haja respaldo legal no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil para adoção de medidas atípicas na execução civil, sua aplicação deve ser feita com cautela, caso a caso, e com observância aos princípios constitucionais, especialmente o da proporcionalidade. A apreensão de passaporte e CNH, por si só, não pode ser generalizada como medida coercitiva válida para forçar o pagamento de dívida civil, devendo o Poder Judiciário avaliar sua real necessidade e adequação à luz das garantias fundamentais.

STJ reafirma: a atividade de corretagem constitui obrigação de resultado, não de meio

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em fevereiro de 2025, reafirmou o entendimento de que a atividade do corretor de imóveis constitui obrigação de resultado, e não de meio. Isso significa que o direito à comissão de corretagem somente nasce com a concretização efetiva do negócio jurídico intermediado, no caso, a compra e venda do imóvel.

Tal entendimento da 3ª Turma do STJ reforça que não basta ao corretor realizar diligências ou aproximar as partes, é necessário que o negócio seja efetivamente celebrado com base na intermediação realizada. A Corte rejeita, portanto, qualquer tentativa de ampliar o direito à comissão com fundamento em meros esforços ou tratativas preliminares, condicionando a remuneração do corretor à obtenção do resultado prático e útil, a concretização do contrato.

Na prática, isso significa que o corretor assume os riscos inerentes à operação: se a venda não se concretizar, seja por desistência, desacordo entre as partes ou outros fatores, mesmo tendo se empenhado na aproximação, ele não terá direito à comissão. A decisão traz mais clareza ao mercado, delimitando o exato momento em que nasce o direito à remuneração pela intermediação imobiliária.

Esse entendimento oferece mais segurança jurídica tanto para os compradores e vendedores quanto para os profissionais do setor. Para os consumidores, representa uma proteção contra cobranças indevidas, assegurando que a comissão será devida apenas se a venda realmente acontecer. Para os corretores, reforça a importância de conduzir negociações com foco no fechamento do negócio, uma vez que sua remuneração dependerá diretamente da conclusão da operação.

Vale lembrar que as partes têm liberdade para estipular condições diferentes em contrato, desde que isso seja feito de forma expressa. Na ausência de cláusula específica, contudo, prevalece a orientação do STJ: o pagamento da comissão está condicionado à concretização do negócio.

Confira a decisão na íntegra: AREsp nº 2.355.527.

Criptoativos, patrimônio e execução – Como o Judiciário começa a enfrentar os desafios das criptomoedas.

Os criptoativos, como criptomoedas, vêm ganhando espaço no cotidiano de pessoas físicas e jurídicas. Apesar de não serem moeda oficial e não estarem sob o controle de autoridades monetárias, podem ser utilizados como meio de pagamento, reserva de valor e forma de investimento.

Diferentemente dos bens tradicionais (como dinheiro, imóveis ou veículos), os criptoativos são digitais, descentralizados e, muitas vezes, armazenados fora do alcance de instituições financeiras reguladas. Em vez de estarem vinculados a um banco, por exemplo, podem ser mantidos em carteiras digitais privadas, controladas exclusivamente pelo titular por meio de senhas e chaves criptográficas.

No Brasil, como em diversos outros países, o cenário ainda é de amadurecimento regulatório, mas que já conta com marcos relevantes. A Lei nº 14.478/2022 estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços com ativos virtuais, enquanto a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019 tornou obrigatória a declaração de operações com criptoativos à Receita Federal, reforçando sua natureza de bem com valor econômico e relevância patrimonial.

Nesse contexto, e considerando a acentuada valorização de criptomoedas como bitcoin e ethereum nos últimos anos, cresce o interesse em utilizar os criptoativos como instrumentos de planejamento patrimonial. Por serem digitais, fáceis de movimentar e não dependerem de bancos ou instituições tradicionais, os criptoativos oferecem novas possibilidades tanto para diversificar o patrimônio quanto para organizar estratégias de proteção e gestão de bens.

Esse movimento, no entanto, também tem despertado a atenção do Poder Judiciário, que passa a enfrentar questões práticas envolvendo a localização e a constrição desses ativos no contexto da execução civil.

Em atenção a isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um passo importante ao julgar o Recurso Especial nº 2.127.038/SP, autorizando a expedição de ofícios a corretoras de criptoativos (exchanges) para fins de localização e penhora desses ativos. Diferentemente das carteiras privadas, que são controladas exclusivamente pelo titular, as exchanges funcionam como intermediárias na custódia e negociação de criptoativos, sendo mais acessíveis às autoridades para fins de investigação e constrição judicial.

O acórdão também evidencia um movimento do Judiciário em adaptar seus mecanismos à nova realidade digital, com atenção especial à rastreabilidade, custódia e liquidez desses bens. O próprio Conselho Nacional de Justiça já trabalha na criação da plataforma CriptoJud, que visa facilitar o bloqueio judicial de ativos digitais, hoje dificultada pela possibilidade de armazenamento em carteiras privadas, a ausência de órgãos ou instituições centralizadas e o alto grau de anonimato das transações. Os criptoativos, portanto, deixaram de ser um fenômeno marginal ou alternativo e passaram a ocupar posição de destaque no cenário jurídico, regulatório e patrimonial. A crescente atenção do Judiciário e dos órgãos de controle reforça a necessidade de tratamento estratégico desses ativos, tanto na perspectiva da conformidade quanto no planejamento legítimo do patrimônio em um contexto digital em constante transformação.


Por: Matheus Azevedo

As atualizações da NR1 e seus impactos no Direito Trabalhista

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que traz disposições gerais e gerenciamento de riscos ocupacionais, passou por recentes atualizações que impactam diretamente empregadores e trabalhadores.  

A principal alteração da NR-1, atualizada pela Portaria MTE nº 1.419/2024, é a inclusão dos riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), que torna obrigatório que as empresas adotem medidas preventivas para proteger a saúde mental dos trabalhadores.

Na prática, a sobrecarga de trabalho, a pressão excessiva e os ambientes organizacionais tóxicos precisarão ser identificados e mitigados pelas empresas, assim como os riscos físicos, químicos e biológicos no local de trabalho, tendo em vista que são fatores que podem impactar diretamente a saúde dos trabalhadores.

A inclusão desses riscos no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) representa um marco na segurança ocupacional, pelo que obriga as organizações a adotarem medidas concretas para prevenir o adoecimento mental dos colaboradores, alinhando-se à Lei 14.831/24, que incentiva práticas de promoção da saúde mental no trabalho.

Dessa forma, as empresas devem identificar os aspectos de riscos e adotar medidas para mitigar seus impactos, criando um ambiente de trabalho mais humano e acolhedor, onde a rotina profissional não comprometa a saúde mental e física dos colaboradores.

A nova NR-1 também reforça a participação ativa dos trabalhadores na gestão de riscos. Anteriormente, cabia ao empregador adotar essas ações, considerando a opinião dos colaboradores e, após a atualização, a NR-1 estabelece diretrizes específicas para que os trabalhadores sejam envolvidos no processo. Dessa forma, a norma possui um modelo participativo, em que empregados e empregadores compartilham responsabilidades a fim de promover um ambiente seguro e saudável.

Outra mudança importante da NR-1 é a necessidade das empresas analisarem os eventos de alto risco a acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, ainda que não tenha se concretizado esse cenário. A abordagem preventiva busca reduzir os riscos antes que causem danos reais aos trabalhadores.

Quanto aos trabalhadores terceirizados, a empresa contratante deve apresentar as medidas de prevenção específicas para os profissionais e organizações contratadas que atuem em suas dependências ou em locais previamente acordados em contrato, promovendo um ambiente de trabalho seguro. Ou, a contratante pode utilizar os programas de gerenciamento de riscos das empresas prestadoras, desde que atendam às exigências da NR-1 atualizada.

As novas diretrizes da NR-1 são um norte para as organizações entenderem como priorizar as ações de prevenção aos riscos no ambiente de trabalho e desenvolver um gerenciamento mais estratégico da saúde e segurança no trabalho.

Diante do novo cenário, é primordial que as empresas se adequem às novas exigências da NR-1, implementando medidas preventivas, como treinamentos para lideranças e iniciativas de suporte ao bem-estar dos funcionários, oferecendo também programas de assistência psicológica, capacitações voltadas à gestão de tempo e melhorias no Código de Conduta e Ética da organização para tornar o ambiente mais acolhedor.

A implementação de canal de denúncias pode ser de suma importância para que os trabalhadores relatem situações de assédio e outras questões de risco ocupacional que afetam sua saúde e segurança.

Logo, a atualização da NR-1 não apenas moderniza a gestão de segurança e saúde no trabalho, mas também estabelece um novo paradigma de responsabilidade compartilhada, contribuindo para um ambiente laboral mais seguro, saudável e produtivo.

As empresas têm até 26 de maio de 2025 para se adequar a essas novas exigências.


Por: Danívia Souza

A regulamentação das apostas de quota fixa e o papel das instituições financeiras

Em 20 de março de 2025, foi publicada, pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA), a Portaria SPA/MF nº 566, com o objetivo de regulamentar os procedimentos a serem seguidos pelas instituições financeiras (IFs), instituições de pagamento (IPs) e instituidores de arranjos de pagamento. A Portaria detalha como essas entidades devem se comportar diante de transações relacionadas a apostas de quota fixa que envolvem empresas sem a devida autorização federal.

A principal obrigação imposta pela nova regulamentação é a proibição da manutenção de contas transacionais ou a realização de transações financeiras que envolvam empresas de apostas de quota fixa sem autorização, conforme estipulado pelo artigo 21 da Lei nº 14.790/2023 (que fixa as regras gerais sobre essa modalidade de apostas). As contas transacionais, neste contexto, são aquelas que recebem depósitos dos apostadores ou efetuam o pagamento dos prêmios, vinculadas ao agente operador da plataforma de apostas.

O objetivo da Portaria é permitir uma maior fiscalização nesse novo setor, por meio não apenas da atuação direta do Poder Público, mas também com o auxílio das entidades privadas, dentre as quais as instituições financeiras. Diante disso, essas instituições não deverão permitir qualquer transação que envolvam empresas não autorizadas a explorar essa modalidade de apostas no Brasil.

Para que isso seja possível, as instituições deverão adotar medidas de controle interno eficazes para identificar indícios de irregularidades nas transações realizadas. Caso identifiquem operações suspeitas, as entidades devem comunicar à SPA no prazo máximo de 24 horas. A comunicação deve ser feita por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), com informações detalhadas sobre as transações suspeitas, incluindo os dados identificadores da transação e das partes envolvidas.

A Portaria exige, ainda, que, em casos de suspeita de intermediação de apostas ilegais por terceiros, as instituições financeiras e de pagamento também enviem informações à SPA. O envio dessas informações deve ser feito de boa-fé, o que garante a isenção de responsabilidade civil ou administrativa para as instituições que comunicarem tais indícios de irregularidades. Para viabilizar a tomada de decisão pela instituição financeira, a Portaria autoriza a solicitação de informações à SPA, que poderá, inclusive, dar conhecimento à instituição sobre os seus procedimentos internos de verificação das atividades suspeitas que lhes são comunicadas.

Para fins de viabilizar o cumprimento da legislação, a SPA fica obrigada a manter uma lista atualizada sobre (i) todos os operadores de apostas de quota fixa que tenham autorização federal para operar no Brasil; (ii) os agentes operadores que solicitaram autorização e tiveram seu pedido indeferido; e (iii) os sites suspeitos de operarem apostas de quota fixa sem a devida autorização, cujo bloqueio tenha sido solicitado à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

O não cumprimento das obrigações estabelecidas pela Portaria SPA/MF nº 566 poderá sujeitar as instituições financeiras e de pagamento a processos de fiscalização e, se for o caso, a ações sancionatórias. Essas sanções podem incluir a suspensão das atividades financeiras, multas e bloqueio de contas. Além disso, qualquer violação às regras poderá resultar em responsabilização por facilitar a prática de atividades ilegais de apostas, o que impacta diretamente a credibilidade e a segurança jurídica das instituições envolvidas.

A implementação dessas medidas visa não só proteger os consumidores e apostadores de possíveis fraudes, mas também garantir a integridade do mercado de apostas no Brasil. O controle rigoroso das transações financeiras e a comunicação imediata de indícios de atividades ilegais são fundamentais para que as instituições financeiras e de pagamento desempenhem seu papel de forma eficaz na prevenção ao jogo ilegal. Desse modo, a Portaria representa um esforço coordenado para fortalecer o sistema de controle e monitoramento de apostas de quota fixa, assegurando que apenas empresas devidamente autorizadas possam operar legalmente no país.


Por: Filipe Albuquerque

STJ decide: Bancos e Incorporadoras NÃO Poderão Ser Responsabilizados Pela Quitação do IPTU de Imóveis Financiados

Quando uma pessoa compra um imóvel financiado, é comum que muitas dúvidas surjam. Uma das principais diz respeito a quem ficará a responsabilidade pela quitação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, na segunda semana de março de 2025, que os credores fiduciários não podem ser responsabilizados pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de imóveis dados em garantia por meio de alienação fiduciária, sendo esse débito de responsabilidade exclusiva do devedor fiduciante.

Esse entendimento foi proferido pela 1ª Turma no julgamento de recursos repetitivos relacionados ao Tema 1158/STJ, cujo escopo era definir se haveria a responsabilidade tributária solidária, bem como se caberia, como parte passiva, em um processo de execução de dívidas de IPTU, a credora de um imóvel alienado fiduciariamente.

No âmbito dos autos do Recurso Especial (Resp) 1.949.182/SP, utilizado como representativo da controvérsia,  o Itaú Unibanco S/A questionou a legitimidade da sua inclusão como parte passiva em uma execução fiscal movida pelo Município de São Paulo, que exigia a quitação das parcelas de IPTU atrasadas de um imóvel. O município sustentou que o banco deveria permanecer como executado porque o imóvel estava registrado em seu nome, ainda que sob condição resolutiva. Assim, conforme a tese, o credor fiduciário deveria se sujeitar às obrigações tributárias como qualquer outro proprietário.

Ocorre que, a instituição financeira apresentou uma defesa contrária, alegando que, na qualidade de parte credora, não possuía o domínio útil do bem, nem a posse qualificada com a intenção de ser dono, não sendo possível configurar a plena propriedade do imóvel. Logo, como não estaria autorizada a usufruir do bem, nem do produto integral de sua alienação, não poderia ser considerada contribuinte do IPTU, bem assim responsável solidária pelos débitos tributários relacionados ao respectivo imóvel.

O STJ, ao analisar a questão, reforçou que a posse do imóvel, para fins de tributação, exige a intenção de ser dono. Assim, o credor fiduciário detém apenas uma posse indireta e precária, restrita à finalidade de garantia do financiamento. Somente após a consolidação da propriedade e a imissão na posse, em caso de inadimplência do devedor fiduciante, o credor fiduciário poderá ser considerado contribuinte do IPTU.

Portanto, o STJ estabeleceu que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU de imóveis alienados fiduciariamente recai exclusivamente sobre o devedor fiduciante, ou seja, o comprador do imóvel, que o único capaz de figurar legitimamente no polo passivo de execuções fiscais, como também na condição de contribuinte dos tributos que recaiam sob o imóvel.

O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois define aresponsabilidade pelo pagamento do IPTU em imóveis alienados fiduciariamente, exonerando as incorporadoras e instituições financeiras do pagamento desse tributo.

Concessão de benefício acidentário via NTEP: qual o prazo para a empresa se manifestar?

A concessão de benefícios acidentários traz encargos trabalhistas e tributários para as empresas, ocasionando impactos financeiros negativos. O deferimento de benefício acidentário para um empregado é passível de defesa a ser apresentada pelo empregador, no entanto, é necessário se atentar aos prazos para apresentação da contestação. Uma vez apresentada fora do prazo, esta não é considerada pela Previdência Social.

Em 2007 foi implementando pela Previdência social o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico), com a finalidade de caracterizar doenças ocupacionais e possibilitar a presunção coletiva de ocorrência de acidentes e lesões do trabalho através do cruzamento entre o Código Internacional de Doenças (CID) e a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) das empresas, dispostas na lista “C” do anexo II do Decreto 3.048/1999.

Com base na relação objetiva entre a doença que ocasionou o afastamento do empregado e a atividade econômica exercida pela empresa, o perito do INSS pode atribuir natureza acidentária ao benefício por incapacidade, classificando-o sob o código B-91. A decisão pericial independe da emissão de CAT pela empresa empregadora, razão pela qual, em regra, as organizações ficam aquém do processo de concessão dos benefícios dos funcionários.

A defesa a ser apresentada objetiva questionar a determinação do B-91 atribuído a um benefício, sem questionar diretamente a incapacidade do empregado, nem a concessão do benefício em si. O intuito é converter o B-91 em B-31, defendendo que a incapacidade do colaborador não guarda relação com o trabalho.

A contestação ao NTEP deve ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias após a data fixada para entrega da GFIP, (transmissão ao eSocial) do mês que registre a movimentação do trabalhador, sendo considerado como movimentação a disponibilização dos dados do benefício no site da Previdência Social a ser acompanhado pela empresa ou, a entrega da “Comunicação de Decisão” do INSS pelo empregado.

Não sendo possível a ciência da empresa em tempo de atender o prazo, poderá protocolar a defesa no prazo de 15 (quinze) dias da data da entrega da GFIP (transmissão ao eSocial) do mês da realização da perícia que estabeleceu o nexo.

A peça defensória poderá ser protocolada presencialmente na Agência da Previdência Social ou, no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e deverá expor os motivos fáticos que consideram importantes para desqualificação acidentária do benefício, além de relatório médico lavrado por médico do trabalho descaracterizando o nexo ocupacional, bem como o PCMSO, PPRA, AET, PCMAT, PGR, PPR, PCA, LTCAT, PPP e toda a documentação programática de Segurança e Saúde no Trabalho que a empresa dispuser.

O protocolo da contestação não gera efeito suspensivo e, até decisão que determine a conversão do benefício para B-31, os reflexos do benefício acidentário permanece em vigor para a empresa (recolhimento do FGTS e estabilidade). Após a decisão da contestação, pode ser apresentado recurso pela empresa ou empregado, este que possui efeito suspensivo. A implementação do NTEP pela Previdência Social trouxe novas perspectivas para a concessão de benefícios acidentários, tornando as empresas mais vulneráveis a impactos financeiros negativos. No entanto, há possibilidade de apresentação de defesa e posterior recurso, desde que dentro do prazo fixado pela legislação, possibilitando a reversão da classificação do benefício e mitigando os encargos relacionados à estabilidade, ao FGTS e a alíquota do FAP.


Por: Ana Letícia Franco

Reforma Tributária: Aspectos gerais e principais impactos para as empresas

No dia 16/01/2025, foi publicada a Lei Complementar nº 214/2025, a qual regulamenta a reforma tributária. A referida lei apresenta um cenário que traz importantes alterações para o sistema tributário brasileiro, cuja implementação se dará de forma gradual entre os anos de 2026 e 2033. Um dos principais objetivos é proporcionar mais simplicidade, transparência e eficiência no âmbito fiscal.

A nova lei consolidou a regulamentação da reforma tributária do consumo e se baseia em princípios norteadores como o da neutralidade e do destino, com o escopo de extinguir ou, ao menos, minimizar as distorções econômicas causadas por incentivos descoordenados, como é o caso da guerra fiscal do ICMS.

As principais mudanças implementadas através dessa primeira etapa são:

  • Instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios pelo Comitê Gestor e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com competência da União. Tais tributos incidem sobre operações com bens e serviços, a partir da substituição gradativa do ICMS, ISS, Pis, Cofins e parte do IPI. Além disso, também foi instituído o Imposto Seletivo que incide sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Tais tributos adotam o modelo de tributação sobre o valor agregado (IVA), incidindo sobre o valor agregado em cada etapa produtiva, o que não só evita a tributação em cascata, como garante créditos fiscais, tomando como base o princípio da não cumulatividade.

A criação de tais tributos implementa um período de significativa reestruturação que afeta diretamente o planejamento econômico e a gestão fiscal das pessoas jurídicas.

  • Redução da cumulatividade, com o escopo de evitar a cobrança de “imposto sobre imposto”, a fim de que cada tributo incida apenas sobre o valor agregado na cadeia de produção e comercialização.
  • Princípio da tributação no Destino, com a incidência do IBS no local da ocorrência da operação de consumo, extinguindo a incidência no local de origem, que era majoritariamente aplicada, no intuito de reduzir a guerra fiscal entre entes federativos;
  • Cashback e desoneração de bens essenciais, com a devolução de parte dos tributos pagos para famílias de baixa renda (via Cadúnico); Isenção ou alíquota reduzida para itens da cesta básica e para alguns setores estratégicos (educação, saúde, agro, dentre outros);
  • Instituição progressiva da figura do Split payment, modelo que consiste em um mecanismo de pagamento “dividido” para retenção e pagamento direto do IBS e da CBS, de forma automática, às autoridades fiscais, no momento da liquidação financeira da operação. Tal mecanismo visa a redução de fraudes, sonegação e inadimplência.

Importante observar que, esse modelo tem a predisposição de reduzir a liquidez e fazer com que as empresas tenham que reestruturar seu planejamento financeiro, para conseguirem ajustar seu fluxo de caixa com as suas obrigações fiscais.

Além dessas inovações, a Lei Complementar nº 214/2025 prevê alguns regimes específicos e regimes diferenciados para determinadas atividades econômicas, com a aplicação de medidas específicas para cada uma delas.

Um dos setores que possuem regime específico na reforma tributária sobre o consumo é o setor imobiliário, no qual, por exemplo, serão aplicados redutores de alíquota nas operações de compra e venda (50%) e de locação, cessão onerosa e arrendamento (70%), bem como redutores de base de cálculo (redutor de ajuste e social).

Além disso, a Lei Complementar nº 214/2025 também institui um período de transição, o qual ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2032, com a extinção progressiva das alíquotas dos antigos tributos, o aumento proporcional das alíquotas do IBS/CBS e a criação definitiva do Imposto Seletivo, a fim de permitir a adaptação por parte dos contribuintes e dos entes federativos.

Algumas questões ainda estão pendentes de conclusão, em decorrência de vetos presidenciais, os quais ainda serão analisados pelo Congresso Nacional. Dentre eles, destacam-se, a título exemplificativo, os seguintes vetos:

  • O veto à dispensa de pagamento do IBS e da CBS por fundos de investimento ou a permissão de optar pelo regime regular como se pessoas jurídicas fossem, assim como a exclusão dos fundos patrimoniais do regime específico do IBS e da CBS ((Art. 26, V e X, §1º, III, §§ 5º, 6º e 8º e art. 183, §1º);
  • O veto de dispositivos que eliminavam a incidência em operações de importação de serviços financeiros ou conceção de alíquota zero, em decorrência de ausência de previsão constitucional para conceder uma desoneração fiscal ampla.  

Contudo, os vetos não impactaram o escopo central da reforma tributária, mas apenas excluíram certos benefícios tidos como “extraconstitucionais” ou situações que pudessem gerar insegurança jurídica.

No geral, a Lei Complementar nº 214/2025 configura um importante avanço no processo gradual de modernização e simplificação do sistema tributário brasileiro, a fim de adaptá-lo às práticas globais, tendo como um dos principais pilares o ajuste das distorções econômicas prejudiciais ao desenvolvimento nacional. Por outro lado, as empresas precisarão se adaptar ao novo sistema e enfrentar os obstáculos que se apresentarão nos próximos anos, os quais não se limitam a simples substituição de tributos, mas passam pela necessidade de se realizar uma reformulação do planejamento tributário empresarial.


Por: Victor Santos