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Corte Americana impõe limites à investigação de estrangeiros

Por Bruno Muzzi e Eduardo Coelho

Em agosto de 2018, a Corte de Apelação da Justiça Federal do Segundo Circuito dos Estados Unidos  firmou posição no sentido de que o Departamento de Justiça americano (Department of Justice –DOJ) excede sua competência quando ultrapassa os limites territoriais dos EUA e se lança a investigar pessoas estrangeiras que não são originariamente previstas como “investigáveis” pela  Foreign Corrupt Practice Act – FCPA. Neste recente caso , os acusados teriam participado do atos de corrupção como “cúmplices” ou “conspiradores”.

A FCPA atribui ao DOJ competência para investigar e processar 3 (três) categorias de pessoas. A primeira delas (“issuers”) inclui empresas com ações listadas em bolsa de valores nos Estados Unidos ou com títulos em circulação, a quem a lei americana impõe a apresentação de relatórios periódicos à Security Exchange ComissionSEC (equivalente à CVM). A segunda categoria (“domestic concern”) remete a qualquer pessoa física, cidadã americana ou residente nos EUA; ou jurídica, constituída nos Estados Unidos ou que possua atividades nos Estados Unidos. A terceira (“territorial”) possui um viés territorial, incluindo pessoas fisicas ou jurídicas que, independentemente da cidadania, residência ou sede, pratique – em território americano – qualquer ato em violação à FCPA. Além disso, aquele que atuar em nome de uma destas pessoas categorizadas, seja como acionista, executivo ou agente, também estará sujeito às normas anticorrupção.

O DOJ vinha adotando uma interpretação abrangente, que lhe garantia maior alcance à sua atuação. Segundo o DOJ, “Indivíduos e empresas, incluindo cidadãos estrangeiros e empresas estrangeiras, também podem ser responsabilizados por ato de conspiração em violação às disposições da FCPA, ainda que a pessoa não seja ou não possa ser independentemente acusada de uma violação substantiva da FCPA.”  Ou seja, ainda que a pessoa (física ou jurídica) não se enquadre em uma das 3 (três) categorias listadas pela FCPA, ela poderia ser investigada. Essa interpretação ampla gerou, nos últimos anos, inúmeros processos criminais, bem como acordos (muitas vezes bilionários), em que o acusado reconhece a culpa em troca de uma pena mais branda, mediante diversas contrapartidas financeiras e outras restrições e obrigações específicas.

A delimitação da competência foi firmada no julgamento do caso United States v. Hoskins. O acusado, um cidadão britânico, ocupou, entre 2002 e 2009, um cargo diretivo numa multinacional com sede na França. Ele foi contratado pela subsidiária britânica, mas exercia suas funções em Paris. O DOJ alegou ter identificado um esquema de corrupção em que a subsidiária americana (com sede em Connecticut) teria contratado dois consultores para corromper agentes públicos da Indonésia, com o intuito de formalizar contrato, junto ao Poder Público daquele país, em valor equivalente a US$ 118 milhões. O DOJ apontou que as tratativas ocorreram em solo americano (reuniões, ligações e emails) e que os envolvidos utilizaram conta corrente de banco americano para as transações financeiras suspeitas.

Em relação ao acusado, que, enquanto Diretor Financeiro, teria autorizado os pagamentos desde o seu escritório na França, o DOJ o acusou da prática de conspiração: (i) “pura e simples”, por ter auxiliado a subsidiária americana da multinacional (Connecticut) e outras pessoas a violar os preceitos da FCPA; e (ii) agora “na condição de agente” da subsidiária americana da multinacional (Connecticut),  ao atuar como “ajudante e cúmplice” (“aiding and abetting”) na violação dos comandos da FCPA.

A Corte Federal, após uma detalhada análise das razões e premissas que levaram o Congresso Americano a editar a FCPA, analisou o caso sob um ótica ampla e firmou o seguinte precendente: (i) a lei não pode responsabilizar uma pessoa estrangeira, por cumplicidade ou conspiração, que não pisou em solo americano ou não trabalhou para empresa americana durante a prática da suposta irregularidade, pois a lei não conseguiria alcançar e responsabilizar essa mesma pessoa como sujeito principal pela prática do ato de corrupção; (ii) todavia, por conta da relação com a subsisidária americana da multinacional (Connecticut), o acusado pode ser responsabilizado por se qualificar como “agente” da subsisidária.

A decisão não afastou todas as acusações trazidas contra réu, mas lançou uma importante interpretação sobre a FCPA. Trata-se um precedente importante para a comunidade internacional porque delimita a jurisdição do DOJ, faz surgir uma questão sensível para as investigações e ações judiciais que se encontram em curso e ainda redimensiona os programas de compliance das empresas. Em tese, ainda cabe recurso à Suprema Corte, mas, pelo sistema processual norte-americano, sua apreciação depende de um juízo de admissibilidade discricionário exercido pelo mencionado Tribunal. Ainda não se sabe como o DOJ se posicionará em relação a esse precedente e quais os impactos nos acordos de colaboração entre autoridades estrangeiras, mas a decisão é, sem dúvida, um importante marco sobre o tema.

 

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