A expectativa do mercado imobiliário sobre posicionamento do STJ

Por Marianna Vasconcelos

Foi realizada no dia 27/08/2018 audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o intuito de discutir os temas 970 e 971, que versam respectivamente sobre a (im)possibilidade de cumular indenização por lucros cessantes com a cláusula penal em razão da inadimplência da construtora por atraso na entrega do imóvel e a (im)possibilidade de inversão da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente em desfavor da incorporadora/construtora, em razão de descumprimento contratual por parte da construtora.

A audiência em questão foi convocada pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator dos recursos especiais submetidos à sistemática dos recursos repetitivos. O propósito da audiência pública foi incrementar, por meio do diálogo com entidades/representantes de membros da sociedade civil, a coleta de informações técnicas para formação do contexto argumentativo das decisões que serão proferidas nos recursos repetitivos instaurados sobre os referidos temas. Além dos representantes de entidades de classe, defensores dos consumidores e professores, os próprios advogados das partes recorrentes e recorridas também puderam expor suas teses.

O debate fomentado em tal audiência foi extremamente salutar ao analisar a visão de quem adota posição categoricamente favorável aos adquirentes, como objetivo de resguardar o direito de uma camada hipossuficiente da sociedade, que não teria como discutir as cláusulas postas em contrato, em contraponto ao fato de que não se deve desconsiderar a programação que o empreendedor faz ao conceber um empreendimento que demanda alto investimento e risco, a fim de evitar a bancarrota de construtoras e, consequentemente, o risco para os demais consumidores que também adquiriram unidades nos empreendimentos onde há disputa, pois podem não receber as suas unidades ou qualquer indenização.

O representante de uma das recorrentes que teve seu imóvel entregue com atraso, por exemplo, defendeu a indenização ao consumidor em virtude do planejamento financeiro que aquele havia feito para a aquisição de um imóvel, enquanto que um representante de uma das construtoras recorridas argumentou que as construtoras não têm nenhum interesse nos atrasos, uma vez que isso acarreta prejuízos às próprias construtoras, inclusive à sua imagem.

Evidentemente ambas as linhas argumentativas referentes aos temas são de grande relevância ao debate, pelo que representam para a sociedade, tanto no que tange ao direito dos consumidores, quanto ao das construtoras/incorporadoras, que fazem o mercado imobiliário ser importante base da economia do país por tudo o que esta traz consigo, principalmente a geração de empregos e sua capacidade de garantir o direito à moradia.

Assim, o julgamento de tais temas é fundamental não só para o mercado imobiliário como também para a sociedade civil, além de trazer relevante impacto econômico para o país, uma vez que, após o julgamento e publicação da decisão colegiada sobre o tema repetitivo pelo STJ, esta afetará diretamente o desfecho dos processos em curso, os que serão futuramente ajuizados e a atuação das empresas que atuam neste mercado, em razão da obrigatoriedade de aplicação da mesma solução aos demais casos.

 

A importância de um programa de compliance

Por Ricardo Dalle

Recentemente, a espúria relação entre servidores públicos e gestores da iniciativa privada, eclodiu através dos escândalos do mensalão e da lava jato, em face do envolvimento de dirigentes de grandes empresas nacionais com políticos de diversos partidos. Em razão dessas desordens, bastante repreendidas pelas manifestações sociais de 2013, tornou-se necessário criar um marco na tentativa de moralizar as condutas nas corporações públicas bem como nas estruturas das empresas.

A lei anticorrupção, nº 12.846/13, trouxe uma perspectiva dessa mudança cultural, pois a partir de sua regulamentação, as pessoas jurídicas passaram a ser responsáveis objetivamente, nas esferas administrativa e civil, pela prática de atos contra a administração pública. Aliada à referida norma, cumpre destacar a necessidade de uma boa governança corporativa na estrutura das empresas, por meio de regras compiladas em políticas claras, elaboradas em código de conduta e de integridade, parte integrante de um programa de compliance.

Em virtude dessa realidade, novos critérios, como transparência, prestação de contas, responsabilização de gestores e da administração, passaram a ser adotados pelas empresas. Como exposto, a Lei Anticorrupção, também denominada Lei da Empresa Limpa, e o Decreto regulamentador, nº 8.420/15, representam o início de um movimento que traz importância significativa para o setor empresarial, tanto no trato com a Administração, quanto internamente, com a necessidade de uma própria regulação, através dos programas de integridade objetivos que trazem à tona uma nova concepção do direito empresarial.

Além de cumprir com o dever ético que deve imperar nas relações empresariais, a adoção de mecanismos eficientes de boa conduta, aliada à política de gestão de riscos, trazem também benefícios econômicos e vantagens competitivas. Relacionamento com instituições financeiras e empresas multinacionais, por exemplo, comumente incluem entre suas condicionantes a existência de padrões de governança corporativa, ou até mesmo de um programa de integridade. Ademais, a adoção de mecanismos satisfatórios de compliance, com a implementação de códigos de políticas claras, trazem reflexos positivos para a segurança de sócios, acionistas, clientes e funcionários. 

Legalmente também se pode afirmar que o funcionamento do programa de integridade é levado em consideração na apreciação da responsabilidade da empresa, atenuando a punição civil e administrativa da pessoa jurídica. Ainda na linha jurídica, a existência de um programa de compliance também dificulta possível desconsideração da personalidade jurídica em ação movida contra a empresa, uma vez que em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, os ministros entenderam que para haver a invasão do patrimônio dos sócios ou acionistas, deve ficar clara a prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, o que dificilmente ocorre em um ambiente corporativo bem regulado, pautado por padrões éticos e estruturado em procedimentos claros e lógicos.

Por fim, a mensagem que fica é que a transformação da cultura, voltada à existência de programa de integridade efetivo por parte da empresa, tem por objetivo mitigar as arbitrariedades e estimular a adoção de medidas efetivas para prevenir, detectar e remediar as condutas antiéticas.

Violência e venda de álcool nos estádios

Por Eduardo Coelho

O retorno das bebidas alcóolicas aos recintos esportivos de Pernambuco, veiculado pela Lei Estadual n° 15.709 do último dia 05 de janeiro, trouxe à tona a discussão sobre a violência nesses locais. Não é de hoje que esse mal é motivo de preocupação para a sociedade como um todo. Dentre os efeitos nefastos, vemos públicos medíocres e as famílias afastadas de tais eventos.

A cada lamentável episódio de selvageria, autoridades (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) anunciam medidas “enérgicas” contra as recorrentes barbáries a que infelizmente já nos acostumamos. Na verdade, não passa de um belo discurso aliado a medidas absolutamente inócuas.

Em 2009, por exemplo, a Lei Estadual n° 13.748 vedou a comercialização de bebidas alcóolicas em eventos esportivos em Pernambuco. Quase sete anos depois, as estatísticas não melhoraram (pelo contrário) e o discurso não passou de mera retórica. Ações, apenas as dos bandidos impunes, matando torcedor arremessando privada, promovendo arrastões, assaltos e terror nas ruas, hospitais e propriedades privadas.

Não se quer aqui fazer uma apologia ao álcool, tampouco negar seus muitos efeitos nocivos. A proibição como justificativa para resolver a questão da violência, considerando-o o único ou principal vilão, é protelar a resolução do tema, até que surjam mais vítimas para uma nova e vazia reflexão.

Vale analisar situação hooligans, notabilizados nos anos 80 e protagonistas de várias tragédias. Na Bélgica, trinta e nove torcedores do Juventus foram mortos pelos do Liverpool, gerando uma punição para os times ingleses, que ficaram cinco anos sem participar de competições internacionais. Destaca-se também a do estádio de Hillsborough, na final da Copa da Inglaterra: noventa e seis óbitos.

A reação das autoridades inglesas foi séria e passou por medidas simples. Uma vez identificado, o delinquente é banido do futebol por três a dez anos. Além disso, deve comparecer e permanecer na delegacia durante os jogos do seu time. Em jogos da seleção inglesa, é obrigado a entregar seu passaporte cinco dias antes da partida. Descumprida a norma, o cidadão é processado e certamente preso. Simples assim.

O consumo de álcool é permitido com mínimas restrições, como o uso de copos plásticos e o encerramento das vendas aos trinta minutos do segundo tempo, tal como se observou na Copa do Mundo de 2014.

Perdidos mais sete anos, vê-se que a expurgação desse mal passa por medidas concretas e firmes, com o uso da ação no lugar da retórica. Com  ou sem álcool, apenas uma legislação rígida e específica para o tema e a vontade política dos governantes lastrearão a atuação estatal, de modo a acabar de vez com a violência nos estádios.

Diretas, já?

Por Eduardo Coelho

Após mais um capítulo da grotesca cena política brasileira, o clamor por eleições diretas ganhou corpo nos mais diversos campos da sociedade. Movimentos sociais, intelectuais e o empresariado invocam um novo sufrágio como a solução para recolocar o Brasil nos trilhos. Penso não ser a melhor saída, por razões de ordem estritamente pragmáticas.

A realização de novas eleições gerais, diretas, no melhor dos cenários, não ocorreria antes do final do ano ou do início de 2018, quando já há eleições agendadas para o mês de outubro. Primeiramente, seria necessária a aprovação de uma emenda constitucional modificando a regra do jogo. Imperioso, ainda, alguns meses na tramitação do respectivo projeto, em dois turnos, nas duas Casas do Congresso Nacional.

Uma vez aprovada a emenda, a Justiça Eleitoral teria que organizar as eleições, que não é algo simples nem rápida. Recentemente, tivemos eleições suplementares em Ipojuca. Foram meses para realização do pleito. Imagine-se algo em nível nacional, cujas regras ainda serão definidas em debate legislativo.

Não sem razão, portanto, ao menos sob o ponto de vista prático e operacional, a regra constitucional (artigo 81, parágrafo primeiro), segundo a qual o novo Presidente da República, faltando menos de dois anos para o encerramento do mandato, será eleito pelo Congresso Nacional.

Enfrentaremos, na sequência, outro problema grave e sem aparente solução.  A um Congresso sem nenhum crédito, que legisla em causa própria e encalacrado por denúncias de corrupção, será dada a responsabilidade de eleger um Presidente para guiar nação até o final de 2018. Qual será a legitimidade dessa escolha? Esta refletirá o anseio popular? Penso fortemente que não.

Vou mais adiante. Uma eleição direta, inclusive com novo sufrágio para o legislativo, feita às pressas sem o debate necessário, resolveria a qualidade da representação? Temo mais ainda que não.

Até mesmo a tão propagada orquestração necessária para formar um governo de unidade nacional, de modo a garantir a estabilidade institucional até o final de 2018, não possui qualquer lastro social.

Por outro lado, mais uma vez, estaríamos casuisticamente afastando o procedimento prescrito pela Constituição para fazer frente a um clamor. É muito danoso para as ainda frágeis instituições e para a segurança jurídica. Corremos o risco de, a partir de uma discussão açodada, chegarmos numa definição igualmente precipitada.

Penso que uma eleição direta não resolverá a qualidade do Parlamento. Sem a necessária discussão de ideias, que possui o tempo como pressuposto, corremos o risco de eleger um Congresso ainda mais conservador e mais distante dos anseios da população, com o fortalecimento de correntes ainda mais radicais. A história está aí para nos mostrar.

Confesso que qualquer solução guarda longa distância do que se pode julgar como do ideal e todas as alternativas trazem bastante inquietação, dada a qualidade do capital humano da política brasileira.

Seguir a regra constitucional, contudo, pode sinalizar que as regras postas, então discutidas com a parcimônia necessária (ao menos mais do que no presente momento), podem ser um caminho para a resolução de crises como a que ora vivemos.

Corte Americana impõe limites à investigação de estrangeiros

Por Bruno Muzzi e Eduardo Coelho

Em agosto de 2018, a Corte de Apelação da Justiça Federal do Segundo Circuito dos Estados Unidos  firmou posição no sentido de que o Departamento de Justiça americano (Department of Justice –DOJ) excede sua competência quando ultrapassa os limites territoriais dos EUA e se lança a investigar pessoas estrangeiras que não são originariamente previstas como “investigáveis” pela  Foreign Corrupt Practice Act – FCPA. Neste recente caso , os acusados teriam participado do atos de corrupção como “cúmplices” ou “conspiradores”.

A FCPA atribui ao DOJ competência para investigar e processar 3 (três) categorias de pessoas. A primeira delas (“issuers”) inclui empresas com ações listadas em bolsa de valores nos Estados Unidos ou com títulos em circulação, a quem a lei americana impõe a apresentação de relatórios periódicos à Security Exchange ComissionSEC (equivalente à CVM). A segunda categoria (“domestic concern”) remete a qualquer pessoa física, cidadã americana ou residente nos EUA; ou jurídica, constituída nos Estados Unidos ou que possua atividades nos Estados Unidos. A terceira (“territorial”) possui um viés territorial, incluindo pessoas fisicas ou jurídicas que, independentemente da cidadania, residência ou sede, pratique – em território americano – qualquer ato em violação à FCPA. Além disso, aquele que atuar em nome de uma destas pessoas categorizadas, seja como acionista, executivo ou agente, também estará sujeito às normas anticorrupção.

O DOJ vinha adotando uma interpretação abrangente, que lhe garantia maior alcance à sua atuação. Segundo o DOJ, “Indivíduos e empresas, incluindo cidadãos estrangeiros e empresas estrangeiras, também podem ser responsabilizados por ato de conspiração em violação às disposições da FCPA, ainda que a pessoa não seja ou não possa ser independentemente acusada de uma violação substantiva da FCPA.”  Ou seja, ainda que a pessoa (física ou jurídica) não se enquadre em uma das 3 (três) categorias listadas pela FCPA, ela poderia ser investigada. Essa interpretação ampla gerou, nos últimos anos, inúmeros processos criminais, bem como acordos (muitas vezes bilionários), em que o acusado reconhece a culpa em troca de uma pena mais branda, mediante diversas contrapartidas financeiras e outras restrições e obrigações específicas.

A delimitação da competência foi firmada no julgamento do caso United States v. Hoskins. O acusado, um cidadão britânico, ocupou, entre 2002 e 2009, um cargo diretivo numa multinacional com sede na França. Ele foi contratado pela subsidiária britânica, mas exercia suas funções em Paris. O DOJ alegou ter identificado um esquema de corrupção em que a subsidiária americana (com sede em Connecticut) teria contratado dois consultores para corromper agentes públicos da Indonésia, com o intuito de formalizar contrato, junto ao Poder Público daquele país, em valor equivalente a US$ 118 milhões. O DOJ apontou que as tratativas ocorreram em solo americano (reuniões, ligações e emails) e que os envolvidos utilizaram conta corrente de banco americano para as transações financeiras suspeitas.

Em relação ao acusado, que, enquanto Diretor Financeiro, teria autorizado os pagamentos desde o seu escritório na França, o DOJ o acusou da prática de conspiração: (i) “pura e simples”, por ter auxiliado a subsidiária americana da multinacional (Connecticut) e outras pessoas a violar os preceitos da FCPA; e (ii) agora “na condição de agente” da subsidiária americana da multinacional (Connecticut),  ao atuar como “ajudante e cúmplice” (“aiding and abetting”) na violação dos comandos da FCPA.

A Corte Federal, após uma detalhada análise das razões e premissas que levaram o Congresso Americano a editar a FCPA, analisou o caso sob um ótica ampla e firmou o seguinte precendente: (i) a lei não pode responsabilizar uma pessoa estrangeira, por cumplicidade ou conspiração, que não pisou em solo americano ou não trabalhou para empresa americana durante a prática da suposta irregularidade, pois a lei não conseguiria alcançar e responsabilizar essa mesma pessoa como sujeito principal pela prática do ato de corrupção; (ii) todavia, por conta da relação com a subsisidária americana da multinacional (Connecticut), o acusado pode ser responsabilizado por se qualificar como “agente” da subsisidária.

A decisão não afastou todas as acusações trazidas contra réu, mas lançou uma importante interpretação sobre a FCPA. Trata-se um precedente importante para a comunidade internacional porque delimita a jurisdição do DOJ, faz surgir uma questão sensível para as investigações e ações judiciais que se encontram em curso e ainda redimensiona os programas de compliance das empresas. Em tese, ainda cabe recurso à Suprema Corte, mas, pelo sistema processual norte-americano, sua apreciação depende de um juízo de admissibilidade discricionário exercido pelo mencionado Tribunal. Ainda não se sabe como o DOJ se posicionará em relação a esse precedente e quais os impactos nos acordos de colaboração entre autoridades estrangeiras, mas a decisão é, sem dúvida, um importante marco sobre o tema.