Patrimônio de afetação em loteamentos

Em 14/07/2023 foi promulgada a Lei 14.620/2023, a qual dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, estabelecendo suas novas diretrizes e, consequentemente, promovendo a alteração de legislações correlatas.

Dentre as várias mudanças operadas pela Lei, merece atenção a inclusão dos artigos 18-A a 18-F na Lei 6.766/1979, os quais disciplinam a possibilidade da instituição do regime de patrimônio de afetação em loteamentos, considerando que o instituto era restrito à incorporação imobiliária.

O patrimônio de afetação é caracterizado pela segregação do patrimônio do loteador de todo o terreno e infraestrutura desenvolvida para o loteamento, incluindo os bens e direitos, os quais ficarão afetados à consecução do empreendimento e à entrega dos lotes urbanizados aos respectivos adquirentes.

Nesse contexto, importante ressaltar a segurança jurídica trazida pelo instituto aos promissários compradores e investidores ao assegurar que o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do loteador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos, de modo que apenas responderá por dívidas e obrigações vinculadas ao respectivo loteamento.

Logo, o patrimônio de afetação afasta também todos os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do loteador, de modo que o terreno, a obra e os demais bens, tais quais: direitos creditórios, obrigações e encargos objeto do loteamento, não integrarão a massa concursal.

Além disso, importante ressaltar a maior transparência e controle sobre o caixa do empreendimento, considerando a obrigatoriedade de uma contabilidade separada e completa, mesmo que esteja desobrigado pela legislação tributária, permitindo uma fiscalização mais concreta por parte dos órgãos públicos, instituições financeiras e promissários compradores.

Em que pese o patrimônio de afetação proporcionar transparência e garantia de que o empreendimento será entregue dentro das condições estabelecidas, por outro lado provoca uma maior rigidez do caixa, considerando que o loteador não poderá utilizar os recursos daquele loteamento afetado em outros empreendimentos.

Diante disso, o instituto apenas passou a ter uma ampla adesão pelos incorporadores quando o Governo Federal passou a estimular o seu uso através da concessão do Regime Especial de Tributação (RET) para os empreendimentos que estivessem com seu patrimônio afetado, reduzindo a tributação do lucro presumido de 6,73% para 4%. Ocorre que, não há menção na nova lei acerca da aplicação do RET para os loteamentos.

Ademais, outro ponto de controvérsia está sendo a possibilidade de aplicação do parágrafo 5º, art. 67-A, da Lei 4.591/64, por analogia, aos loteamentos. A norma dispõe acerca da possibilidade de retenção de 50% (cinquenta por cento) pelo incorporador da quantia paga pelo adquirente, em caso de resolução por inadimplemento do promissário comprador, caso o empreendimento esteja submetido ao regime de patrimônio de afetação.  

Diante da ausência de julgados sobre o tema, pela recente promulgação e vigência da Lei 14.620/2023, devemos aguardar o posicionamento da jurisprudência acerca dos aspectos controvertidos em discussão.

Multipropriedade imobiliária e seu funcionamento: Uma análise da legislação brasileira

Também chamada de ‘time sharing’, a Multipropriedade imobiliária aparece como um modelo de propriedade onde há a ampliação do potencial de bens imóveis. Isso é, essa forma de copropriedade, incorporada em 2018 ao ordenamento civil brasileiro, acaba por viabilizar o compartilhamento de um imóvel com uso proporcional ao investimento do proprietário.

Nesse sentido, um mesmo imóvel passa a deter diversos donos, atentando-se ao fato de que cada um deles adquiriu uma fração ao valor total dessa propriedade. Para tanto, tais utilizar-se-ão do bem disposto por quantidades de tempo previamente fixadas entre os demais.

Para além disso, o chamado multiproprietário pode, outrossim, alienar e onerar sua fração de tempo de forma livre, devendo, contudo, informar tal fato ao administrador do condomínio nesse âmbito. Essa alienação da fração de tempo, por sua vez, não depende da anuência dos demais co-proprietários; tampouco se garante aos demais condôminos o direito de preferência.

Esse instituto, em sua totalidade, encontra-se encartado no âmbito da Lei nº 13.777 de 21 de dezembro de 2018, que regulamenta e o incorpora oficialmente ao direito civil brasileiro. De acordo com a aludida legislação, que passou a incluir o art. 1.358-C no Código Civil, tem-se:

“Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”

No que tange às frações de tempo, importante ressaltar inicialmente que se todas pertencerem ao mesmo proprietário, o instituto se extingue automaticamente. Ademais, o período correspondente a cada fração de tempo deverá ser fixo, determinado, flutuante ou, até mesmo, misto, viabilizando a flexibilização da determinação de tempo, cujo período mínimo deve superar 7 dias seguidos ou intercalados.

Outrossim, superadas as questões abordadas, a Lei determina que, a condomínios edilícios que estabelecerem a multipropriedade, o regimento interno deverá dispor de regras relativas à forma de utilização das áreas comuns, tal qual os direitos e deveres dos administradores com relação ao acesso ao imóvel.

Por fim, entende-se como vantajoso esse negócio jurídico, ao modo que compartilhar o tempo de uso com outros proprietários reduz o custo de investimento, se comparado à aquisição integral, e as despesas ordinárias e extraordinárias perante o imóvel. Ademais, ao modo que se tem bem de utilização otimizada e flexível, possibilita-se, ainda, a remuneração perante o tempo de não utilização do bem, conforme é legítimo o aluguel para terceiros. Em suma, no Brasil, a lei da Multipropriedade traz em seu bojo os limites mínimos de repartição de direitos e deveres dos possuidores, podendo o Instrumento de Instituição, ainda, regular as demais situações de interesse dos envolvidos. Tendo suas primeiras aparições em âmbito nacional na década de 80, vide contratos nos moldes hoje regulamentados, a promulgação da Lei disciplinando este acabou por trazer mais segurança jurídica a este negócio, ao mesmo tempo em que promove um ambiente também mais regulamentado e transparente no mercado.