STJ afasta dano moral presumido de idosa em fraude de consignado

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de indenização por danos morais feito por uma idosa que alegava ter sido vítima de fraude na contratação de um empréstimo consignado. O Tribunal entendeu que a mera condição etária da autora não é suficiente para presumir a existência de dano moral.

No caso analisado, a aposentada ingressou com uma ação judicial pedindo a declaração de inexistência do débito, a interrupção dos descontos previdenciários e a reparação por danos materiais e morais. Durante a instrução processual, uma perícia grafotécnica confirmou a falsificação de sua assinatura no contrato, levando a juíza da 1ª Vara Cível de José Bonifácio-SP a reconhecer a inexigibilidade da dívida e a cessação dos descontos no benefício previdenciário da autora, além de determinar a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente.

Contudo, ao julgar o Recurso Especial interposto pela autora, o STJ afastou a condenação por danos morais, por entender que a situação não configurava sofrimento superior a um mero aborrecimento. Embora o Tribunal já tenha reconhecido, em outras ocasiões, que a hipervulnerabilidade do idoso pode justificar a indenização por dano moral in re ipsa, neste julgamento prevaleceu um entendimento diverso. Os ministros Antônio Carlos Ferreira, Moura Ribeiro e Ricardo Villas Bôas Cuevas votaram contra a condenação do banco, enquanto a relatora, ministra Nancy Andrighi, e o ministro Humberto Martins ficaram vencidos.

Nesse sentido, o ministro Moura Ribeiro, ao inaugurar a divergência, entendeu que não houve nos autos a comprovação do prejuízo alegado, ressaltando que a idade avançada pode ser um critério para a análise da extensão de um dano, mas, por si só, não basta para o reconhecimento do dano moral presumido, mas não deve ser o único fator determinante. Além disso, enfatizou que a recorrente permaneceu com os valores obtidos no empréstimo e só questionou a fraude após um longo período, o que reforçou a conclusão de inocorrência de dano indenizável.

A decisão trouxe reflexos importantes para o setor bancário, pois reforça que a hipervulnerabilidade do consumidor, isoladamente, não justifica a obrigação de indenizar por dano moral.  Tal entendimento é fundamental para evitar que instituições financeiras sejam responsabilizadas por qualquer fraude envolvendo clientes, especialmente quando adotam medidas de segurança e ressarcimento adequadas. A imposição de indenizações sem análise criteriosa poderia incentivar pedidos infundados, gerar impactos negativos no mercado e até mesmo criar incentivos ao enriquecimento ilícito.

Desse modo, observa-se que o julgamento equilibrou dois aspectos essenciais: a proteção ao consumidor e a segurança jurídica das instituições financeiras, pois, embora seja importante resguardar os direitos dos consumidores, não se pode impor aos bancos uma responsabilidade irrestrita sem que haja comprovação de falha na prestação do serviço. Portanto, ao diferenciar situações nas quais houve negligência daquelas em que a instituição seguiu todos os protocolos adequados, mas ainda houve fraude, o julgamento garante a eficiência e estabilidade do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que preserva a proteção dos consumidores.

Justiça impede iFood de estabelecer valor mínimo para pedidos na plataforma

No julgamento do processo de nº 5684858.78.2019.8.09.0051, o juízo da  10ª Vara Cível de Goiânia/GO considerou ilegal a exigência de pedido mínimo em restaurantes cadastrados na plataforma iFood. A decisão, proferida pela juíza Elaine Christina Alencastro Veiga Araujo, determinou a eliminação progressiva dessa prática, além de condenar a empresa ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo. O montante será revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

No caso em tela, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO) instaurou inquérito civil para investigar a conduta da plataforma, argumentando que a imposição de um valor mínimo de pedido constituiria prática abusiva. Segundo o órgão, tal exigência fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois impõe desvantagem excessiva ao consumidor e restringe sua liberdade de escolha.

Antes de ingressar com a ação civil pública, o MP/GO, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de Goiás e o Ministério Público Federal (MPF), expediu recomendação para que a plataforma eliminasse a exigência. Diante da não adesão à orientação, o caso foi levado ao Judiciário.

Em sua defesa, o iFood sustentou que atua apenas como intermediário entre consumidores e estabelecimentos comerciais, deixando a critério dos restaurantes a decisão sobre a existência de um pedido mínimo. Argumentou ainda que a prática visa garantir a viabilidade econômica do serviço e que a plataforma oferece diversas opções de restaurantes que não exigem um valor mínimo, assegurando a liberdade de escolha ao consumidor.

A empresa também alegou que não há comprovação de dano moral coletivo, uma vez que os consumidores não são obrigados a utilizar a plataforma e possuem alternativas para realizar suas compras.

Ao analisar o caso, a magistrada afastou os argumentos da empresa, destacando a legitimidade do MP/GO para atuar na defesa de interesses coletivos. Segundo a juíza, o iFood integra a cadeia de fornecimento de serviços ao estabelecer as regras aplicadas às compras realizadas por meio da plataforma. Dessa forma, mesmo que a definição do pedido mínimo seja feita pelos restaurantes, a empresa responde solidariamente pelos efeitos dessa prática.

A decisão baseou-se no artigo 39, inciso I, do CDC, que proíbe condicionar a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro sem justa causa. A juíza entendeu que a imposição de um valor mínimo induz o consumidor a comprar mais do que deseja, caracterizando venda casada. Além disso, destacou que a empresa não apresentou dados concretos que justificassem a exigência, deixando de fornecer informações sobre sua política de precificação, o que reforçou a presunção de irregularidade na prática.

Com base nesses elementos, foi determinado que o iFood remova gradualmente a exigência de pedido mínimo, seguindo um cronograma escalonado de redução a cada seis meses. Inicialmente, o valor mínimo deverá ser reduzido para R$ 30,00, posteriormente para R$ 20,00, R$ 10,00 e, finalmente, eliminado em até 18 meses. O descumprimento da decisão sujeitará a empresa a multa de R$ 1 milhão por etapa não cumprida.

Ademais, a condenação ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo foi fundamentada no impacto da prática sobre milhões de consumidores que utilizam regularmente a plataforma. O valor foi estabelecido com base no número de estabelecimentos cadastrados no iFood e na média dos valores mínimos exigidos para pedidos. A decisão judicial reflete a preocupação do judiciário com a garantia de  transparência nas práticas comerciais, sob o argumento de ser pertinente coibir a imposição de barreiras ao acesso a serviços. A condenação por dano moral coletivo, por sua vez,  enfatiza o entendimento de aplicação da legislação consumerista à relação em discussão, bem como da existência de impacto da conduta sobre um grande número de consumidores, o que reforça a necessidade de maior atenção ao tema sobretudo pelas plataformas digitais.


Por: Mayara Morais

Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família, decide STJ

Em decisão recente, de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele receba a proteção da impenhorabilidade de bem de família, conforme previsto pela Lei 8.009/1990. A decisão foi tomada em um recurso especial (REsp 2.142.338) interposto por um credor que alegava fraude à execução após a devedora ter doado um imóvel para seus pais.

A controvérsia começou quando a devedora, antes de ser citada no processo de execução, mas já ciente de sua inclusão no polo passivo, transferiu a propriedade de um imóvel para seus pais. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse reconhecido fraude à execução, a penhora foi afastada, pois o imóvel em questão já havia sido ocupado pelos pais da devedora desde 2014, antes mesmo da execução da dívida, e continuaram a residir ali.

No âmbito do STJ, o credor alegou que a doação se tratava de fraude à execução, defendendo que o imóvel não deveria ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família, já que havia sido doado. No entanto, a ministra Nancy, relatora do caso, destacou que a análise para verificar a fraude à execução deve se basear na mudança da destinação original do imóvel. Nesse caso, como o imóvel já era utilizado como residência da família e continuou sendo utilizado para o mesmo fim após a doação, não há razão para a perda da proteção conferida pela lei.

A ministra ressaltou que, de acordo com o art. 5º da Lei 8.009/1990, para que o imóvel seja protegido, basta que seja o único bem da família e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente, independentemente de ser o devedor quem resida no local. No caso em questão, o fato de os pais da devedora possuírem usufruto vitalício do imóvel, usufruindo do direito de morar ali, foi considerado suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família.

Portanto, o STJ entendeu que a proteção de bem de família é válida mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que o bem seja o único da família e seja utilizado para moradia permanente, como estabelece a legislação. A decisão reafirma a importância da Lei 8.009/1990 no resguardo da moradia familiar, evitando que a residência seja alvo de penhoras em caso de dívidas, desde que atendidos os critérios legais. O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois reforça a proteção do patrimônio familiar e a segurança jurídica das famílias que utilizam seus bens para moradia, assegurando que imóveis destinados ao abrigo familiar não sejam usados de forma indevida para o pagamento de dívidas, mesmo quando transferidos para outros membros da família.

Criptografia de ponta a ponta não afasta responsabilidade solidária do whatsapp em caso de vazamento de conteúdo íntimo, decide STJ

A Ministra Nancy Andrighi consolidou a responsabilidade solidária do aplicativo de mensagens whatsapp aplicando as normas do Marco Civil da Internet diante da ausência de remoção imediata de conteúdo íntimo compartilhado após término de relacionamento amoroso.

O Marco Civil da Internet, legislação em vigor desde 2014, estabelece, em regra, a ausência de responsabilidade do provedor de aplicações de internet por conteúdos gerados e divulgados por terceiros.

Porém, como exceção, firma o dever de remoção do conteúdo mediante ordem judicial. Caso o provedor não tome as providências necessárias para tornar indisponível o material ilícito, será, então, responsabilizado civilmente pelos danos gerados.

A legislação também excepciona de forma mais específica, tratando da violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de imagens ou vídeos contendo cenas de nudez ou atos sexuais, assinando que basta que o provedor seja notificado para que possua o dever de remoção imediata do conteúdo, sob pena de responsabilização solidária.

O cuidado do legislador se alinha com a necessidade de proteção da vida privada em meios céleres de compartilhamento de informações, onde o alcance e consequente lesividade possuem impactos significativos.

Foi exatamente nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 2.172.296-RJ em 04/02/2025, decidiu que “O provedor do aplicativo de mensageria privada (WhatsApp) responde solidariamente quando, instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo relacionado a imagens íntimas compartilhadas sem autorização (pornografia de vingança), não toma providências para mitigar o dano.

Ao entender pela responsabilização, o STJ considerou que a empresa Meta, responsável pelo whatsapp, violou a legislação brasileira ao não remover conteúdo sexual compartilhado após ordem judicial, alegando impossibilidade técnica diante da criptografia de ponta a ponta que lhe impossibilitaria de ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas.

O entendimento do STJ tem sido construído no sentido de ser avaliado se realmente há uma impossibilidade tecnológica ou uma resistência dos provedores para evitar acusações de censura ou violação da liberdade de expressão. Além da necessidade de perícia para comprovação da alegação, um dos parâmetros utilizados é se há medidas técnicas alternativas a serem aplicadas pelos provedores de aplicações na internet para mitigar ou estancar o dano sofrido pela vítima e se tais providências foram tomadas.

No caso concreto submetido ao exame do Tribunal Superior, os Julgadores destacaram que o aplicativo deixou de adotar medidas equivalentes para eliminar ou mitigar o dano, como por exemplo a suspensão ou banimento das contas infratoras, considerando que os violadores eram plenamente identificáveis.

Dessa forma, ainda que a regra seja a responsabilidade exclusiva do usuário que divulgou o conteúdo ilícito, tem-se consolidada a possibilidade de responsabilização solidária do provedor de internet que tente se isentar dos seus deveres de segurança digital ao alegar impossibilidades técnicas não comprovadas, ausente a diligência esperada para mitigação das graves violações denunciadas.


Por: Mayara Morais

Geolocalizador de celular comprova má-fé de trabalhador em reclamação trabalhista

A aplicação de ferramentas tecnológicas na seara jurídica vem auxiliando os Juízos a perseguirem a obediência ao Princípio da Primazia da Realidade, o qual objetiva fazer valer a realidade em detrimento de qualquer documento.

Em diversos casos levados à Justiça do Trabalho, diante de alegações conflitantes das partes envolvidas no litígio foi possível dirimir as questões controvertidas com o auxílio de ferramentas tecnológicas.

No caso em comento, um ex-funcionário, alegando que continuava a trabalhar após registrar a saída no cartão de ponto, pleiteou o recebimento de horas extras e a invalidade dos controles de jornada enquanto a empresa se defendeu sob o argumento de que as horas registradas nos cartões de ponto correspondiam à realidade.

O douto juízo da Vara do Trabalho de Embu das Artes/SP recorreu ao uso de tecnologia para resolver a divergência nas alegações das partes, solicitando informações à empresa responsável pelo transporte dos trabalhadores, às operadoras de telefonia Vivo, Claro e TIM, e ao Google, constatando que em que pese as alegações do trabalhador, o geolocalizador do celular indicou que ele não estava na empresa após os horários registrados como término da jornada.

Dessa forma, o juiz Régis Franco e Silva de Carvalho, impôs ao reclamante uma condenação ao pagamento de multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça, uma vez que, com as informações recebidas foi feita a comparação entre os horários registrados nos cartões de ponto e os dados de geolocalização obtidos pelas operadoras de telefonia, com base no número do celular do reclamante, constatando que as alegações do trabalhador eram falsas.

Para o magistrado, “o reclamante agiu de maneira manifesta e dolosa, com o intuito de induzir o juízo a erro e obter vantagem indevida, configurando, portanto, o ato atentatório à jurisdição”. Diante disso, ele determinou o pagamento de multa à União de 20% do valor da causa, destacando que a penalidade é necessária para desfazer a ideia equivocada de que é possível mentir em juízo sem consequências.

Além disso, o juiz condenou o trabalhador a pagar uma multa de 9,99% do valor da causa à empresa, por alterar a verdade dos fatos, apresentar pretensão contra fato incontroverso, utilizar o processo para fins ilícitos e agir de maneira temerária. Também determinou o envio de ofício às Polícias Civil e Federal, assim como aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, para investigar possíveis crimes de calúnia, denunciação caluniosa, falsidade ideológica e estelionato.

Por fim, o juiz mencionou a existência de processos similares com potencial para caracterizar litigância predatória. Em conformidade com a recomendação do Conselho Nacional de Justiça para adotar medidas preventivas contra a judicialização predatória e possíveis cerceamentos de defesa, determinou ainda o envio de ofício à Comissão de Inteligência do TRT-2.

Gestão de afastados por incapacidade: prevenção contra encargos tributários, cíveis e trabalhistas

Um dos maiores transtornos que os empregadores enfrentam no Brasil é o trato com os colaboradores que precisam se afastar por incapacidade laborativa, na modalidade comum ou acidentária. Diversas são as repercussões negativas que podem ocorrer em decorrência de um afastamento, as quais podem levar a empresa a arcar com o ônus de encargos tributários, cíveis e, na maioria das vezes, trabalhistas.

O baixo índice de funcionários afastados é reflexo de uma implementação eficiente de programa de segurança e saúde no trabalho. No entanto, infortúnios são inevitáveis havendo a necessidade, em algum momento, do afastamento empregatício por incapacidade laborativa, sobretudo, diante das situações incapacitantes que não guardam relação com o desempenho da função.

Em decorrência de uma má-gestão, ou da ausência dela, uma empresa pode ser condenada a arcar com ônus tributários, cíveis ou trabalhistas. Independente da natureza jurídica, todas as possibilidades ensejam em custos para a organização, que precisará ressarcir alguém ou o próprio INSS, além de pagar tributos.

Gerir os colaboradores afastados não demanda tão somente uma atuação do RH da empresa, no que tange à gestão de pessoal, como também exige uma atuação jurídica criteriosa. O trato com a legislação previdenciária a qual é ampla, diversa e diariamente atualizada, além da legislação tributária e trabalhista é uma das expertises esperadas do profissional encarregado da gestão dos afastados de uma organização.

A gerência inicia no momento da apresentação do atestado médico ou ocorrência de acidente do trabalho com o colaborador. A análise dos documentos essenciais do empregado e da empresa para, em casos de acidentes ou doenças ocupacionais indevidamente concedidos, contestar o nexo de causalidade atribuído pelo perito do INSS possibilita afastar, quando for o caso, benefícios de natureza acidentária indevidamente concedidos aos colaboradores, o que pode diminuir o impacto tributário no momento do resultado da alíquota do Fator Acidentário Previdenciário (FAP).

Além disso, o acompanhamento dos benefícios ativos na via administrativa é uma das modalidades de gestão, esse controle possibilita a metrificação do desempenho da empresa quanto à segurança e saúde no trabalho, podendo ser utilizado como parâmetro para a implementação de melhorias, a partir da identificação dos problemas existentes, visando a preservação do acontecimento de novos acidentes.

A implementação de uma gestão eficaz de afastados por incapacidade laborativa tem a capacidade de reduzir o absenteísmo, fortalecer a base de dados de documentos da empresa para ser utilizada nos mais diversos desdobramentos legais, diminuir a alíquota do FAP e, consequentemente, o tributo a ser pago referente ao fator, além de diminuir os custos dos eventos de médio e longo prazo. Dessa maneira, a gestão preventiva desempenha um papel crucial na prevenção da empresa contra as repercussões negativas que podem decorrer das concessões de benefícios acidentários. Ao investir em um trabalho prévio de organização, condução e orientação na relação entre empresa e empregado, sobretudo nas situações de afastamento por incapacidade, é possível reduzir ou até extinguir custos futuros com condenações judiciais por negligência patronal. A adoção de medidas preventivas não apenas previne danos, mas também evita altas despesas com reparação.


Por: Ana Letícia Franco

Conselho Federal de Medicina lança o Atesta CFM: plataforma digital obrigatória para emissão de atestados médicos

O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 2.382/2024, instituiu novas regras para emissão e validação de atestados médicos, inclusive de saúde ocupacional, em todo o território nacional. A resolução foi publicada em 06 de setembro de 2024, passando a vigorar em 05 de novembro do mesmo ano, passando a ser obrigatória a partir de 05 de março de 2025.

A medida visa unificar a gestão dos atestados, com maior ênfase em impedir fraudes decorrentes de falsificações de atestados, sobretudo, nas relações trabalhistas. A plataforma deve funcionar como prontuário médico digital, permitindo o acesso a todos os documentos emitidos em nome do paciente e será utilizada para emissão de: atestado médico de afastamento, atestado de acompanhamento, declaração de comparecimento, atestado de saúde e atestado de saúde ocupacional (ASO).

A ferramenta permite que as empresas tenham acesso aos atestados de seus colaboradores de forma online, podendo ser utilizada para: gerenciar suas assinaturas, administrar dados de empresa, consultar atestados, cadastrar colaboradores, controlar acessos da equipe de RH e acompanhar estatísticas. O sítio eletrônico tem o acesso fragmentado para os interessados, quais sejam, os médicos, os pacientes e as empresas.

Quanto a emissão de atestados, na prática, o profissional de saúde precisará acessar a plataforma, preencher seus dados e autenticar o documento a ser emitido de forma digital ou física, este último, em casos com acesso limitado à internet. Nas situações de atestados físicos, os dados do paciente e do atestado serão cadastrados na plataforma quando o profissional tiver acesso à internet.

As empresas devem assinar o Termo de Adesão e criar uma conta na plataforma do Atesta CFM para ter acesso aos serviços disponíveis. Os serviços básicos de gestão de cadastro e validação de atestados são gratuitos, todavia, a organização que desejar ter acesso a recursos mais avançados como dados estatísticos sobre a saúde dos colaboradores, poderão contratar um plano empresarial.

Cabe registrar que em 04 de novembro de 2024, em decisão liminar nos autos da ação 1087770-91.2024.4.01.3400, que tramita na 3ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, o Juízo Federal determinou a suspensão dos efeitos da resolução que instituiu a plataforma, sob fundamentação de que o órgão de classe médica atravessou a competência legislativa da União Federal ao determinar a obrigatoriedade da plataforma.

O Conselho Federal de Medicina publicou nota registrando a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que suspende a plataforma, a fim de retomar os efeitos da resolução suspensa. O deslinde da ação deve ser aguardado.

Por Ana Letícia Franco

Falta de provas sobre nexo causal impede caracterização da Covid-19 como doença ocupacional

Em recente decisão a 17ª Turma do TRT da 2ª Região manteve a sentença que negou o pedido de danos morais e materiais à família de operador portuário falecido em decorrência da infecção em razão da ausência de nexo causal comprovado, não havendo que se falar em doença ocupacional.

A ausência de comprovação do nexo causal entre a contaminação por Covid-19 e as atividades laborais do trabalhador impede que a doença seja caracterizada como ocupacional. Essa decisão tem grande relevância para empresas, uma vez que estabelece parâmetros claros para a responsabilidade trabalhista em relação à pandemia.

O artigo 20 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a doença ocupacional é equiparada ao acidente do trabalho quando adquirida em razão das condições do trabalho. Contudo, para tal reconhecimento, é imprescindível comprovar o nexo causal entre a enfermidade e as atividades realizadas no ambiente laboral.

No presente caso, a esposa e os filhos do trabalhador pleiteavam indenização em razão da morte do trabalhador, sob o argumento de que ele pertencia ao grupo de risco e que contraiu a Covid-19 no ambiente de trabalho, porém não anexaram provas suficientes aos autos. 

Em sede de defesa, a empresa empregadora produziu provas robustas, a exemplo do depoimento da médica do trabalho que revelou que o autor havia jantado com a mãe, infectada pela Covid-19, dias antes do obreiro apresentar sintomas. Ainda, nos dias seguintes, o obreiro esteve de folga, o que aumentou as chances de contaminação fora da empresa. E, apenas quando retornou ao trabalho, percebeu os primeiros sintomas e foi afastado no mesmo dia, ainda sem ter realizado o teste que comprovaria a infecção.

A produção de provas é uma etapa fundamental no curso de uma reclamação trabalhista, principalmente em casos com a alegação de acidente de trabalho. Sendo o ônus da prova de comprovar o nexo causal da parte autora, que não comprovou de forma robusta o vínculo direto entre a exposição no ambiente de trabalho e a contaminação pelo vírus.

O nexo causal é elemento indispensável para a caracterização do acidente de trabalho, incluindo lesão corporal, perda ou redução da capacidade para o trabalho ou morte, desde que a causa tenha sido decorrente do ambiente de trabalho. Ou seja, não comprovada a ocorrência de nexo causal ou concausa entre quadro clínico do trabalhador e a atividade exercida por força do contrato de emprego, resta indevida a pretensão de indenização por dano moral e pensão vitalícia por doença ocupacional.

A decisão é favorável para as empresas, especialmente aquelas que adotaram medidas preventivas para garantir a segurança de seus colaboradores e de seus clientes durante a pandemia, não podendo as empresas serem responsabilizadas pelos comportamentos de seus funcionários fora do estabelecimento de trabalho.  

Este julgamento reafirma a necessidade do equilíbrio entre os direitos do trabalhador e a segurança jurídica para as empresas, sendo de suma importância que as empresas continuem firmando o compromisso com a saúde e segurança no ambiente laboral, implementando políticas eficazes e mantendo registradas todas as ações tomadas em prol da segurança de seus funcionários.


Por: Danívia Souza

O que diz a PEC que propõe o fim da escala 6×1 e implementação da escala de 4×3

Recentemente, passou a ser debatida no Plenário da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para  redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1. A iniciativa para estabelecer o fim da escala 6×1 surge a partir de reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, como a petição pública do movimento Vida Além do Trabalho, liderado por Ricardo Azevedo, recém-eleito como vereador pelo PSol-RJ, e apadrinhado pela deputada federal Erika Hilton (PSol-SP). 

Em 1° de maio de 2024, a parlamentar Erika Hilton protocolou uma PEC que visa pôr fim à escala 6×1 e propõe a redução na jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas semanais, com a escala de 4×3.

A Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que a jornada de trabalho dos funcionários não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, sendo facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Embora a discussão envolva acabar com a escala 6×1, a proposta apresentada pela parlamentar regula a jornada e não os dias da semana, propondo alterar a redação da Constituição Federal para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, mantendo o limite atual de 8 horas diárias.

De acordo com a emenda ao texto constitucional, o inciso XIII do art. 7° passaria a vigorar com a seguinte redação:

“Art.7°XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR)

Na escala 6×1, o funcionário trabalha por 6 dias consecutivos e, em seguida, tem 1 dia de folga, geralmente aos domingos. E, a partir da implementação da nova jornada apresentada pela PEC, o trabalhador passaria a trabalhar por 4 dias consecutivos e, em seguida, folgar 3 dias, incluindo os finais de semana.

A extinção da escala 6×1 propõe a substituição por regimes que garantam intervalos de descanso mais frequentes e flexíveis, o que poderia beneficiar a saúde e bem-estar dos empregados, visando respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, garantido pela Constituição Federal.

A iniciativa é fundamentada em estudos recentes que indicam que jornadas extensas estão associadas a diversos problemas de saúde, como estresse, ansiedade, fadiga e doenças ocupacionais. Além disso, a flexibilização das escalas pode permitir maior tempo de lazer, estudo e convivência familiar.

No âmbito empresarial, a implementação da nova jornada de trabalho pode gerar novos desafios financeiros e operacionais, vez que implica em custos adicionais, como a contratação de mais funcionários para manter a produtividade e dinâmica de cada setor.

Os países que implementaram as jornadas reduzidas, como Bélgica, Inglaterra e Alemanha, observaram os impactos positivos na saúde pública e na satisfação geral do mercado de trabalho.

A discussão sobre a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 no Brasil é complexa e exige um diálogo amplo entre o governo, as empresas e os sindicatos, sendo de suma importância que a proposta seja analisada sob uma ótica de equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e a viabilidade econômica para os empregadores.

Atualmente, enfrenta resistência de parlamentares e críticas de economistas e empregadores, contudo, já reúne 231 assinaturas dos deputados, ultrapassando o mínimo necessário para iniciar o trâmite no Congresso Nacional.

A PEC precisará passar por diversas etapas legislativas antes de se tornar uma realidade, sendo inicialmente analisada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), responsável por avaliar a admissibilidade da proposta. Depois, passará por comissões especiais, que discutirão o mérito e possíveis alterações do texto, e também passará por audiências públicas, onde sindicatos, associações e especialistas serão ouvidos para enriquecer o debate e fornecer subsídios para os congressistas decidirem.

Após a análise nas comissões, a PEC seguirá para plenário da Câmara dos Deputados, onde os deputados votarão. Se aprovada, a proposta seguirá para o Senado Federal, onde passará por um processo semelhante. E, caso aprovada de forma definitiva nas duas Casas, sem modificações ou após a resolução das alterações, ela será promulgada.


Por: Danívia Souza

Venda de imóvel em inventário pode ser realizada por escritura pública, sem autorização judicial, de acordo com a Resolução nº 571/2024 do CNJ

A Resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trouxe uma mudança relevante ao permitir a venda de imóveis em inventário sem a necessidade de autorização judicial. Antes dessa alteração, qualquer alienação de imóvel exigia a obtenção do alvará judicial, após análise do juiz responsável, o que tornava o processo mais burocrático.  Agora, com a nova regra, a venda pode ser feita diretamente por escritura pública, desde que sejam cumpridas algumas condições previstas no Art. 11-A da Resolução, que visam garantir a conformidade do procedimento e a proteção dos direitos dos herdeiros. São elas:

  • Discriminação das despesas do inventário: é necessário listar todas as despesas do processo, incluindo impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos de cartório e outros custos necessários à conclusão do inventário;
  • Vinculação do preço ao pagamento das despesas: parte ou todo o valor obtido com a venda do imóvel deve ser destinado ao pagamento das despesas mencionadas no item anterior;
  • Ausência de indisponibilidade dos bens dos herdeiros ou cônjuge: não pode haver restrições judiciais que impeçam a alienação dos bens, sejam dos herdeiros ou do cônjuge sobrevivente;
  • Apresentação das guias de impostos de transmissão: o inventariante deve apresentar todas as guias de impostos de transmissão devidas, com seus valores específicos, demonstrando que os tributos foram devidamente pagos;
  • Estimativa dos emolumentos notariais e registrais: a escritura deve incluir uma estimativa dos custos relacionados aos emolumentos notariais e registrais, indicando quais cartórios forneceram os orçamentos para esses serviços; e
  • Prestação de garantia pelo inventariante: o inventariante deve oferecer uma garantia, seja real ou fidejussória, para assegurar que o valor obtido com a venda será utilizado no pagamento das despesas do inventário.

De acordo com os parágrafos adicionais do Art. 11-A da Resolução, ainda, o pagamento das despesas do inventário, como impostos, honorários e emolumentos, deve ser feito em até um ano após a venda do imóvel do espólio, embora esse prazo possa ser reduzido por acordo entre as partes. Após a quitação dessas despesas, a garantia prestada pelo inventariante, seja real ou fidejussória, é extinta. Em que pese o imóvel vendido antes da partilha não faça mais parte da divisão de bens, ele deve ser registrado no inventário para fins de cálculo das cotas dos herdeiros e impostos devidos, sendo a venda formalmente reconhecida no processo, garantindo a transparência e a regularidade do espólio.

Destaca-se, também, que embora a venda sem alvará seja possível, a autorização judicial continua sendo uma alternativa importante, especialmente em casos de disputas entre os herdeiros. A alienação sem o alvará só pode ocorrer com a concordância unânime de todos os herdeiros. Considerando os pontos acima, portanto, fica claro que a Resolução moderniza o processo sucessório, tornando a venda de bens em inventário mais ágil, segura e com menos custos, ao mesmo tempo em que mantém a intervenção judicial quando necessário para garantir a transparência e a segurança do processo.