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SAFs – breves considerações

As Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), abalizadas pela recente Lei n° 14.193/21, vêm se tornando um caminho natural a ser seguido ou, pelo menos discutido, por grande parte dos clubes brasileiros de futebol, que, preponderantemente, adotam o modelo associativo.

A nova Lei vem permitindo aos clubes, além da implementação de mecanismos próprios do instituto da Recuperação Judicial, a constituição de uma empresa e a consequente transferência de seus ativos e direitos relativos ao futebol, podendo ser negociados com investidores que venham a se tornar responsáveis pela administração.

Já com alguns meses de valência, a Lei já possibilitou a observação de alguns casos interessantes de adequação aos seus termos, mesmo impondo uma série de exigências, a saber: a adoção de medidas de gestão, transparência e responsabilidade. Porém, o mais importante para se falar na criação de uma SAF, não está na lei. Trata-se de vontade política. Os atuais cartolas terão que abrir mão do seu poder em favor do investidor, e isso não é simples.

No Brasil, alguns cenários são possíveis em termos de constituição das SAFs, sendo preliminarmente visto como mais adequado aos clubes, como no caso de Botafogo, Cruzeiro e Vasco, 3 das agremiações mais tradicionais e relevantes do país.

Até o presente momento, Botafogo e Cruzeiro já bateram o martelo quanto à convolação em SAF, tendo transferido suas vagas nos campeonatos de disputa no ano de 2022, conquistadas pelos clubes, às respectivas SAFs.

Registre-se que para um Clube de Futebol se tornar uma SAF há necessidade de aprovação pelos Conselhos Deliberativos dos respectivos clubes interessados no modelo, mesmo sendo vantajosa essa transformação. Sim, a SAF tem uma tributação mais vantajosa que os outros tipos de regime, como a sociedade limitada ou anônima, por exemplo. Além disso, um outro benefício que podemos citar com a conversão do Clube de Futebol em SAF é a centralização das dívidas cíveis e trabalhistas, configurando-se em uma alternativa viável para associações, sem fins lucrativos, que estavam em estado de insolvência.

Vejam que o texto legal permite a conciliação e manutenção do aspecto peculiar do futebol nacional, inconteste manifestação cultural e econômico-social, razão pela qual diversos outros clubes discutem a aderência ao formato, alguns até em processo mais avançado, com acordo apalavrado com investidores.

É inevitável atrelar a onda das SAFs ao momento econômico vivido em meio à pandemia de COVID-19, fator que agravou severamente a situação de vários clubes nacionais. A realidade de dívidas milionárias tornou-se deletéria, gerando a demanda de algum mecanismo que permitisse o soerguimento das diversas agremiações em cheque, assim como acontece no mundo empresarial, inclusive por meio do instituto recuperacional, possível às SAFs ante a previsão do artigo 25 da Lei n° 14.193/21.

A Sociedade Anônima do Futebol passa a responder pelas obrigações que lhe forem transferidas no momento da sua constituição, podendo assumir as dívidas advindas das gestões do clube que a precedeu. O novo sócio controlador, portanto, pode quitar integralmente as dívidas (principalmente as de curto prazo que travam o clube), negociar o pagamento delas diretamente com os credores e/ou requerer a Recuperação Judicial. Já vislumbrando essa possibilidade, a lei definiu que 20% (vinte por cento) da receita corrente mensal será destinada ao pagamento das obrigações, conforme plano aprovado pelos credores.

É importante mencionar que as diferenças da SAF para o tradicional modelo associativo dos clubes ou de uma empresa tradicional, é que ele se mostra mais transparente, com regras claras de governança e com fiscalização pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, o que deixa o negócio mais interessante para os investidores, por se mostrar mais seguro.

O leitor pode se perguntar se não existe riscos para essa operação? Sim, há riscos e eles decorrem, justamente, desse regramento mais severo, que impõe consequências no caso de não observância dessas medidas, que vai da responsabilização pessoal dos gestores até mesmo falência do clube.

Inobstante, essa situação não vem intimidando os Clubes de Futebol, inclusive, os de Pernambuco.

Vejamos o caso do Santa Cruz Futebol Clube, tradicional clube da capital pernambucana. Buscando a reestruturação e renegociação de seu passivo, bem como a preservação da atividade operacional, o Santa requereu, no início de 2022, a instauração de procedimento de mediação pré-recuperacional, a medida em que buscará a composição com seus credores através dos mecanismos de conciliação e mediação legitimados. Além disso, foi distribuído pedido de tutela cautelar antecedente, com pedido de suspensão das execuções e medidas constritivas e expropriatórias pelo prazo de 60 (sessenta) dias, tempo necessário, em tese, para que as mediações ocorram e sejam concretizadas.

A decisão prolatada no pedido cautelar (de nº 0014524-96.2022.8.17.2001), pelo juiz de Direito, Dr. Ailton Soares Pereira Lima, referendou a possibilidade de uma empresa, em caráter antecedente à instauração da Recuperação Judicial, iniciar o período de autocomposição com seus credores, bem como a suspensão cautelar de execuções em meio às negociações.

No que tange a discussão em torno da convolação em SAF, a decisão versa sobre a evidente legitimidade ativa do Requerente, no sentido de que o Santa Cruz Futebol Clube pode requerer Recuperação Judicial. Leia-se: “a despeito de constituída sob a forma de associação, a sociedade atua e exerce atividade econômica organizada, com óbvia finalidade de obtenção de lucro, ainda que não seja voltado à distribuição entre os associados. Nesses casos, a despeito da forma, há, ali, o que se pode chamar de elementos de empresa (… Nesses casos excepcionais em que verificada a empresarialidade da atividade, em consonância com os elementos caracterizadores descritos no Art. 966 do CC, não há razão para negar o reconhecimento da natureza empresarial à associação civil. E o mercado do futebol no Brasil ilustra com clareza esta realidade”.

A argumentação se estende, atestando a ideia de que os clubes do futebol brasileiro já se estruturam como empresas, e que agora há sustentação na Lei Federal n° 14.193/21, que, no seu artigo 1º, §1º, I, define o  “clube” como “associação civil, regida pela Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), dedicada ao fomento e à prática do futebol”. O artigo 13 da novel legislação também corrobora a ideia de empresa aos Clubes de Futebol, quando assevera que “o clube” poderá efetuar o pagamento de seu passivo “por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005”.

Outras decisões judiciais se apresentam sobre o assunto, chancelando o instituto da SAF, a exemplo do pedido recuperacional formulado pela Associação Chapecoense de Futebol, o qual foi deferido por decisão da 1ª Vara Cível da Comarca de Chapecó/SC (processo de nº 5001625- 18.2022.8.24.0018).

A decisão supra é de fundamental importância para o estudo dos efeitos preliminares da chamada “Lei das SAFs”. Independentemente da natureza jurídica, seja empresa ou associação, a principal mudança no futebol brasileiro, especialmente, tem que ser de gestão, que precisa ser profissional, transparente e eficiente. Portanto, torcedor, não acredite em mágica, mas cobre sempre trabalho responsável dos seus Clubes, exigindo, inclusive, a sua transformação em SAF.

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