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O reconhecimento de filiação post mortem e através de escritura de inventário extrajudicial

Em caso envolvendo o inventário extrajudicial no qual existia uma companheira com união estável declarada por escritura pública, uma filha biológica e uma filha socioafetiva ainda não reconhecida, de modo inédito, o tabelionato de notas e registro civil do estado do Espírito Santo, lavrou escritura pública de inventário cumulada com o reconhecimento da união estável e com o reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva post mortem. Em breves linhas, Maria Clara Magalhães comenta a decisão.

Importante esclarecer que o inventário extrajudicial é um procedimento realizado através de escritura pública, no Tabelionato de Notas, por meio do qual se regulariza a sucessão dos bens do falecido para os herdeiros, sem necessidade de intervenção judicial.

Através da previsão contida na Lei 11.441/07, bem como no artigo 610, §1º e §2º do código de processo civil, a medida auxilia a redução de demandas judiciais envolvendo direitos sucessórios, desde que sejam os herdeiros maiores e capazes, haja consenso acerca da partilha dos bens, bem como o procedimento em cartório seja acompanhado por advogado ou defensor.

Com o advento das novas formações familiares, por consequente passou a ser reconhecida a pluralidade das respectivas relações, as quais, antigamente, eram alicerçadas exclusivamente através do casamento, passando também a serem observadas sob o aspecto basilar ao crescimento e desenvolvimento do cidadão.

Neste contexto, a filiação socioafetiva se conceitua na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, em reconhecer a maternidade ou paternidade, sem que haja vínculo consanguíneo.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, reconhece a igualdade entre as filiações, dispondo que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

No caso em comento, em razão do consenso entre as partes, houve o reconhecimento da união estável e a paternidade de filha socioafetiva não reconhecida em vida. Após a lavratura, foi protocolada a Escritura Pública no Registro Civil onde estava registrado o nascimento da filha socioafetiva para que fosse efetivado o reconhecimento socioafetivo post mortem, sendo atualizada a certidão de nascimento da filha socioafetiva com o nome do pai biológico e do pai socioafetivo.

Com a nova certidão, foi protocolado pela Central Nacional do Registro de Imóveis – ONR, no Registro de Imóveis competente a Escritura Pública de Inventário com o reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafetiva post mortem, que deferiu o registro e destinou à filha socioafetiva parte da herança.

O texto do Enunciado 44 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que aduz que “existindo consenso sobre a filiação socioafetiva, esta poderá ser reconhecida no inventário judicial ou extrajudicial.”, serviu de alicerce para fundamentar o ato notarial.

Em sentido análogo, o provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autoriza o reconhecimento de maternidade socioafetiva de pessoas de qualquer idade perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

Acerca da multiparentalidade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060, em 21/09/2016, fixou a seguinte tese: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídico próprios.”

Conforme a Carta Magna, é fundamental a busca da identidade, como natural emanação do direito de personalidade de um ser e do direito à felicidade, estando inserido neste contexto reconhecimento da ascendência. Desta forma, os formalismos não podem se sobrepor ao interesse público e aos direitos fundamentais, sob pena de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, a realização de procedimentos desta natureza, através da atuação conjunta dos órgãos notariais, a partir da fé pública dos atos dotados, bem como ao qualificado conhecimento jurídico dos advogados, desburocratiza o sistema, mitiga o surgimento de litígios, alivia o Poder Judiciário e atende as demandas da sociedade através da solução célere de suas questões.

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