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Lei do Clube – Empresa e a Recuperação Judicial no futebol brasileiro

A Lei n° 14.193/21, que, no início de agosto, foi sancionada pelo Presidente da República, estabelece um importante marco em um arrastado debate sobre a devida profissionalização e melhor estruturação do futebol brasileiro. O texto permite e incentiva a criação e, principalmente, a transformação dos clubes, hoje em sua esmagadora maioria, associações civis sem fins lucrativos, em Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), possibilitando também, a Recuperação Judicial dessas agremiações. Tendo isso em mente, é interessante o cenário que está por vir, principalmente com a provável adoção do instituto recuperacional por parte de alguns clubes.

Apesar de não haver, anteriormente, nenhuma limitação para a transformação dos clubes brasileiros em empresas, a nova legislação formaliza normas de constituição, governança, controle, meios de financiamento e tratamento dos passivos dos clubes de futebol, na tentativa de adequar um importante setor da economia nacional aos moldes empresariais de fato, cujo sucesso é notadamente observado no cenário esportivo europeu e norte-americano.

É importante salientar o atual panorama vivido no Brasil, com a pandemia de COVID-19, que acabou por catapultar a instabilidade financeira em diversos setores da economia nacional e, em contrapartida, por incentivar a adoção de alternativas, além da descrita neste texto, para a rediscussão do endividamento em massa e a negociação de maneira proveitosa à sociedade, vide a possibilidade de suspensão de pagamentos dos créditos devidos por uma empresa em Recuperação Judicial, balizada pela Recomendação n° 63 do CNJ, assim como a recente Lei do Superendividamento da Pessoa Física (n° 14.181/2021), que permite a apresentação de um verdadeiro plano de recuperação pelo cidadão comum.

Assim como as empresas regulares, os clubes de futebol são, indiscutivelmente, instituições que praticam atividade de relevo econômico e social, sendo lógico o incentivo à adequação deles ao regime jurídico empresarial. Este cunho social encontra-se de forma evidente no texto da lei, que no seu artigo 28 preconiza que:           “A Sociedade Anônima do Futebol deverá instituir Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), para, em convênio com instituição pública de ensino, promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação”.

Um dos maiores problemas para o prosseguimento saudável das atividades de diversos clubes no Brasil é o acúmulo de diversas dívidas ao longo dos anos, que, por muitas vezes, inviabilizam a entrada de receitas, possibilidade de novos investimentos e a manutenção do pagamento dos salários dos funcionários, sejam dos jogadores profissionais, seja do roupeiro, segurança, jardineiro e demais trabalhadores. Com a nova lei, torna-se possível a abertura de pedidos de Recuperação Judicial pelos clubes, após a transformação em SAFs, processo já discutido em algumas das agremiações mais relevantes representantes do futebol nacional, como verbalmente já destacou o atual presidente do Cruzeiro Esporte Clube, que vive grave crise financeira.

A chamada Lei do Clube-Empresa, definitivamente facilita a escolha dos clubes a optar pelo caminho do processo recuperacional que, como já dito, introduz melhores condições de satisfação das obrigações acumuladas, mantendo vivas e operacionalmente viáveis instituições, em sua maioria, já centenárias. Até o momento, no Brasil, só um caso de clube de futebol beira o acolhimento pelo instituto da recuperação. O Figueirense Futebol Clube conseguiu, no último mês de julho, mesmo sem a promulgação da nova Lei, na justiça de Santa Catarina, o direito a entrar em processo de recuperação extrajudicial, cujo plano já foi aprovado pelos credores e protocolado.

O caso do Figueirense, tende a ser espelho para Cruzeiro, Botafogo, Vasco e alguns outros clubes imersos em um cenário financeiro calamitoso, resultado de condutas reprováveis durante anos e que refletem, obviamente, dentro de campo. Outros programas já foram instituídos com o objetivo de repactuação de dívidas dos clubes, como por exemplo, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT), criado através da Lei n° 13.155/15, que acabou por condicionar a participação dos clubes nos campeonatos à comprovação de que a instituição estaria em dia com seus tributos, permitindo o parcelamento de dívidas fiscais em até 20 anos, com direito a descontos em juros e multas.

É possível concluir, preliminarmente, que, por meio da Lei n° 14.193/21, o legislador tenta incentivar a adoção de modelos mais viáveis financeiramente e solucionar, por meio da Recuperação Judicial, casos trágicos, que arrastam para baixo instituições históricas de relevo social. Os clubes de futebol, principalmente os de grande torcida, possuem ampla capacidade de reabilitação. Torna-se imprescindível o devido incentivo ao levante de agremiações em momento de grave insolvência, desde que dentro das condições estipuladas, tendo em vista a clara função social que exercem ao desempenharem atividade econômica em pleno condão.

 


Por: André Garcia Filho

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