Numa perspectiva da Análise Econômica do Direito, a intervenção estatal no mercado deve ser pensada considerando-se as suas prováveis consequências para o contexto legal, social e econômico em que será implementada.
Especificamente no âmbito do contrato de seguro privado, a análise dos reflexos da intervenção estatal na economia se desdobra em dois questionamentos, quais sejam: i) sabendo-se da existência dos chamados custos de transação para a manutenção da atividade securitária no mercado e considerando-se que a base deste tipo contratual é o mutualismo, quais as conseqüências, para o mercado e para a sociedade, da intervenção estatal no formato atualmente observado? ii) uma vez que no Poder Judiciário inexiste o juízo técnico próprio dos órgãos reguladores especializados na matéria, a intervenção contratual operada judicialmente atende aos pressupostos da teoria da regulação e é a forma mais indicada de regulação dos contratos de seguro?
Não se questiona a validade ou necessidade de se exigir a observância dos princípios norteadores das relações de consumo, causa predominante para a revisão contratual operada pelo Judiciário, nas relações firmadas entre segurados e seguradoras, contudo, o conhecimento dos elementos que compõem os contratos de seguro, mais precisamente do princípio do mutualismo, induz a ponderações que também não devem ser desconsideradas
Com efeito, após o reconhecimento do fenômeno da Constitucionalização do Direito Privado e do princípio da função social do contrato, novos valores ganharam relevo e passou-se a exigir do Estado a intervenção na esfera dos contratos, visando assegurar o que se chamou de predomínio dos interesses sociais sobre os individuais. O Judiciário, por sua vez, passou a revisar e alterar as disposições contratuais estipuladas entre as partes contratantes, buscando assegurar a proteção da parte reputada mais frágil (a exemplo do segurado) contra o forte (a exemplo da seguradora).
A atuação do Judiciário para a efetivação da função social do contrato é inegável, no entanto, no âmbito dos contratos de seguro, a repercussão que tal intervenção pode ocasionar para a economia e para a sociedade é também relevante.
Isto porque o contrato de seguro é um instrumento de diluição dos riscos criados pela sociedade, que são calculados e distribuídos entre o grupo que dele participa dentro das possibilidades de acontecimento futuro.[1] A sociedade, ao entender a perda como risco, concluiu que este problema poderia ser solucionado coletivamente e operacionalizou tal solução através do contrato de seguro, cuja base é o mutualismo. O seguro, pois, é uma contribuição mútua de vários indivíduos (os segurados) para a formação de um fundo comum. Este fundo não é a propriedade da seguradora, mas sim dos segurados e de destinação comunitária para a garantia dos riscos contratados.
O prêmio, por sua vez, é a contraprestação pecuniária, que essencialmente há de ser prestada pelo segurado ao segurador, para fomentar o fundo mútuo que custeará os riscos assumidos no contrato. É calculado por meio de técnicas atuariais onde se fixa o valor proporcional aos riscos assumidos pelo segurador.
Seu valor varia de acordo com a maior ou menor probabilidade de ocorrer o sinistro, e, é a partir da arrecadação total dos prêmios que o segurador forma o fundo a ser utilizado para cobrir as despesas com administração, custear os pagamentos das indenizações securitárias e reparação dos sinistros, além, por óbvio, da obtenção do lucro operacional e das reservas técnicas exigidas por lei.
Assim, quando à seguradora, na qualidade de administradora dos recursos dos mutuários, é imposta obrigação não originariamente prevista entre os riscos assumidos, e, portanto, não provisionada, gera-se um custo que, ao final, será assumido por estes mesmos mutuários.
Em outras palavras, o reflexo de uma intervenção estatal despreocupada com as conseqüências econômicas da revisão do contrato vai ser sentido pela própria coletividade quando o seguro transferir a esta as conseqüências da garantia do risco não provisionado que vier a se materializar em sinistro, realidade que nos obriga a repensar a intervenção estatal que não considere os reflexos prováveis desta interferência para o mercado.
Tais reflexos são reconhecidos pela Análise Econômica do Direito pela chamada Teoria dos Custos de Transação e de expressões como “externalidades”, que podem ser positivas ou negativas, e consistem em algo que é causado por um agente econômico a outro, afetando seu bem-estar, na ausência de uma transação econômica direta entre eles.
Observando tais premissas e ao verificar que a intervenção estatal operada pelo órgão regulador especializado vem sendo freqüentemente substituída ou complementada pela atuação do Poder Judiciário, que revisa os termos do contrato e indica quais estipulações devem ser observadas pelas partes, parece necessário considerar que um exame com pouca profundidade técnica, visando tão somente a aplicação do que se entende por justiça social pode fazer com o que o mercado passe a operar de forma ineficiente, provocando externalidades negativas como o aumento dos custos de transação dos contratos de seguro e transferência destas conseqüências econômicas para a coletividade. Eventuais prejuízos, em verdade, são diluídos pelo mutualismo.
A Análise Econômica do Direito instiga uma análise crítica de tais conseqüências, não se limitando à ótica social, mas preocupando-se também com a perspectiva econômica.
Ronald Coase defende que sempre haverá custos na negociação, monitoramento e coordenação entre as partes e, como as transações tornam-se custosas, os mercados falham em atingir um equilíbrio eficiente e novos arranjos devem ser encontrados. Assim, ao lançar mão do mercado, os agentes econômicos incorrerão em custos para transacionar e coletar as informações necessárias para pôr a termo os negócios. O elemento fundamental da economia passa a ser, portanto, a transação.
Como pondera Armando Pinheiro:
É importante que os juízes entendam melhor a repercussão econômica das suas decisões. Em particular, que quando eles buscam a justiça social estão mandando sinais e afetando expectativas e comportamentos dos agentes econômicos em geral, no Brasil e no exterior. Assim, precisam entender que aquela justiça que eles buscam pode, num segundo momento, não se verificar, pois os agentes econômicos adaptam-se à forma de decidir do magistrado. Uma justiça que busca privilegiar o trabalhador acaba diminuindo o número de empregos e aumentando a informalidade. O juiz que favorece os inquilinos diminui o número de imóveis disponíveis para aluguel. O magistrado que beneficia pequenos credores estará em um segundo momento aumentando os juros que lhes são cobrados ou mesmo alijando-os do mercado de crédito. Ainda que a capacidade de reação dos agentes possa ser pequena no curto prazo, ela é razoavelmente alta em prazos mais longos.
Ao analisar a questão não apenas pela ótica do Direito, mas também numa perspectiva econômica, é possível considerar que a elevação dos custos de transação, se verificada, e a conseqüente ineficiência operacional do mercado securitário pode ocasionar o colapso do sistema, pois, com a possibilidade reiterados prejuízos pelas seguradoras, por óbvio os detentores do capital investido nas Companhias de Seguro não terão qualquer estímulo para operar neste nicho do mercado e alocarão seus recursos em atividades que produzirão maiores ganhos.
Importante esclarecer que inexiste pretensão de, neste artigo, defender a impossibilidade ou inviabilidade de intervenção estatal, pelo Judiciário, nos contratos de seguro privado, o que se propõe é uma “abordagem multidisciplinar” que contribua para uma análise dos contratos mais consciente das hipóteses de comportamento dos agentes contratantes.
O principal interesse da Teoria dos Custos de Transação recai sobre as transações que podem se tornar mais baratas se baseadas em investimentos em ativos específicos e na criação das chamadas salvaguardas. Este é o caso em que haverá maior eficiência e menor risco, pois a parte que realizou o investimento, considerando a existência da salvaguarda, aceitará vender os bens ou serviços que produz a um preço inferior do que em casos em que não há investimento em ativos específicos – ou seja, há custos de produção mais elevados – ou salvaguarda – que opera como uma garantia do cumprimento do contrato.
Para Williamson, considerando tal realidade, as partes de um contrato não deveriam esperar um preço baixo sem se dispor a oferecer salvaguardas. É importante estudar a contratação por inteiro para entender as implicações econômicas de tal relação contratual. Tanto os termos anteriores ao contrato como a maneira em que os contratos são depois executados variam segundo as características do investimento e a estrutura de governança associadas que sustentam as transações.
Já Armando Pinheiro entende que o foco de estudo da Teoria dos Custos de Transação é entender como se formam essas salvaguardas e o que acontece quando elas não são viáveis. As leis e o Judiciário são a principal salvaguarda de que se dispõe, mas não são as únicas. Por exemplo, pode-se criar uma agência reguladora que se responsabilize por arbitrar as disputas entre as partes, com base em objetivos próprios (em geral, evitar a expropriação de uma das partes pela outra).
De nossa parte, parece-nos que ações judiciais privadas não são a forma mais eficiente de operacionalizar a regulação do mercado ou de fazer justiça social, uma vez que inexistindo planejamento e o conhecimento técnico necessário, não é possível que a decisão judicial proferida no caso concreto aproveite toda a coletividade e evite as externalidades que a majoração dos custos de transação pode ocasionar.
Como assevera TIMM:
Muitos juristas brasileiros ainda acreditam que é justamente esse o papel do Direito, ou seja, atuar sobre a realidade econômica. Em última análise, deve-se decidir quem tem razão no caso levado ao tribunal, pouco importando a conseqüência (econômica) disso. Importa, sim, na visão de muitos, a integridade da “ponderação de princípios postos na Constituição” (…).
Por fim, outro aspecto a ser analisado, ainda sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito, é se a intervenção judicial nos contratos de seguro atende à Teoria da Regulação que defende que a regulação do mercado pelo Estado só é cabível quando se verificam falhas de mercados – entendidas como imperfeições que o mercado apresenta e que impedem que a maximização da eficiência seja alcançada – e para corrigi-las.
São falhas de mercado os já citados custos de transação e externalidades, além da assimetria de informações, entre outras.
A ocorrência de custos de transação e externalidades é inerente à atividade securitária. A assimetria de informações, que ocorre quando uma das partes de uma transação possui mais informações do que a outra, também se faz presente. Inclusive, a própria eficiência da regulação dos contratos de seguro pelos órgãos reguladores/fiscalizadores é discutida sob o argumento de que as informações fornecidas pelas seguradoras para tais órgãos são de seu exclusivo conhecimento.
A assimetria de informações é considerada uma falha de mercado porque pode causar dois problemas específicos: i) a seleção adversa e o ii) risco moral (moral azard).
A seleção adversa ocorre quando uma das partes está mal informada sobre as qualidades de um produto ou serviço específico e, por conta de sua incerteza, exige um prêmio ou desconto para participar de uma transação. Tal exigência pode gerar a evasão de bons produtos do mercado, pois os vendedores dos produtos de melhor qualidade não conseguirão adequar seus preços a tal exigência. A seleção adversa, ao afastar agentes do mercado (os produtores com bons produtos) impede diversas transações e, portanto, o número de transações efetuadas é menor do que a quantidade eficiente.
O risco moral (moral hazard), por sua vez, significa que uma parte tem incentivos para alterar seu comportamento de forma prejudicial à outra parte, sem que esta possa saber ou impedir esta alteração.[6]
Utilizando exemplos aplicáveis a contratos de seguro, podemos citar o caso do segurado que, após contratar um seguro para seu veículo, passa a não mais se preocupar em estacionar em locais seguros, ou ainda, do beneficiário de um seguro saúde que opta por contratar um seguro com menos garantias e com contraprestação inferior, confiando na atuação do Poder Judiciário que determinará a cobertura para tratamento não garantido pelo contrato acaso o segurado dele necessite.
As seguradoras, conscientes dessa alteração de incentivos do segurado passam a exigir garantias de que isso não ocorrerá, introduzindo prêmios ou aumentando preço. Isso, então, ocasiona menos transações do que a quantidade eficiente. Em última hipótese, produtos são retirados do mercado, a exemplo das carteiras de seguro saúde individuais, já praticamente indisponíveis ao público consumidor.
A Teoria da Regulação entende que a intervenção do Estado no mercado só se justifica na presença e para corrigir tais falhas. Questiona-se, então, se a intervenção judicial nos contratos atende a esta teoria ou se seus pressupostos se dão exclusivamente dentro do paternalismo, que fomenta a ocorrência de externalidades negativas.
Não se desconhece, ressalte-se, que a intervenção judicial nos contratos é quase sempre fundada no válido e necessário sopesamento de princípios e, no caso dos contratos de seguro, sobretudo na primazia do Princípio da Dignidade Humana, contudo, o fato é que alguém responderá pela “conta” gerada pelas externalidades negativas decorrentes da intervenção e, portanto, a análise destas conseqüências deve pautar a busca de alternativas à intervenção ou ao menos que, quando necessária, seja aplicada mediante uma análise global dos aspectos envolvidos, ampliando a discussão para contemplar no debate a verificação dos impactos que a intervenção no caso concreto poderá causar para a coletividade.
Por: Amanda Figueirôa