Conforme é cediço, não há dúvidas de que o árbitro é juiz de fato e de direito, conforme dicção do art. 18 da Lei nº 9.307/96[1], assim como também não remanescem dúvidas de que sua legitimidade decorre da liberdade das partes, que ajustam a inclusão de cláusula arbitral nos contratos firmados entre si[2], enquanto o juiz de direito detém legitimidade em decorrência da soberania estatal.
Nesse sentido, Eduardo Talamini afirma que:
“O árbitro, sujeito privado, não fundamenta sua posição na soberania estatal, como o juiz, mas na convenção celebrada entre as partes. A base de legitimidade da arbitragem não é nenhuma chancela ou outorga do Estado, mas a liberdade das partes.” [3]
No entanto, a doutrina diverge acerca de alguns pontos relativos à possibilidade de o árbitro, assim como o juiz de direito, fixar astreintes (multa diária) e outras espécies de multas coercitivas.
Dentre os doutrinadores que entendem pela impossibilidade de o juízo arbitral fixar astreintes e outras multas coercitivas encontra-se Eduardo Talamini. Para ele, o árbitro não deteria tal poder, sob o fundamento de que a decisão arbitral não possui natureza mandamental[4].
No entanto, a doutrina majoritária, amparada pelo entendimento jurisprudencial, entende que é possível, sim, a fixação de astreintes e multas coercitivas de outras espécies por parte do juízo arbitral. Isso porque a imposição das astreintes decorreria da natureza jurisdicional da arbitragem.
A respeito da natureza jurisdicional da arbitragem, Francisco José Cahali leciona que a jurisdição é conferida aos Estados e também excepcionalmente aos particulares pelo modelo arbitral estabelecido em nosso sistema jurídico, com o estabelecimento de regras, requisitos e condições para o exercício da jurisdição privada, razão pela qual seria inegável a natureza jurisdicional da arbitragem[5]:
“A jurisdição, em tese, enquanto autoridade abstrata de dizer o direito (jurisdictio, jus dicere), é conferida ao Estado (a ser manifestada pelos magistrados) e também excepcionalmente aos particulares (pelo modelo arbitral na forma estabelecida em nosso sistema jurídico); a Lei prevê (e assim cria o poder), estabelece regras, requisitos e condições para a jurisdição privada ser exercida, ou seja, a jurisdição, em tese, é atribuída pelo ordenamento.
O que fazem as partes é eleger uma ou mais pessoas, direta ou indiretamente, como previsto na Lei de Arbitragem, para esta atribuição – decidir a controvérsia, no pressuposto de que a jurisdição arbitral já terá sido previamente outorgada. É da Lei, também, que deriva o poder de julgar; as partes desafiam a jurisdição quando instauram o procedimento.
Daí ser inegável a natureza jurisdicional da arbitragem.
E o Código de Processo Civil prestigia esta posição, pois em seu art. 3.º refere-se à inafastabilidade da “apreciação jurisdicional” para ameaça ou lesão ao direito, trazendo em seu § 1.º a expressa referência de que “é permitida a arbitragem, na forma da lei”; ou seja, a utilização do caminho construído pela arbitragem garante a apreciação jurisdicional do conflito previsto no caput. E mais, no art. 42 introduzido na nova legislação em Livro II dedicado à “Função Jurisdicional”, no “Título III – Da Competência Interna”, “Capítulo I – Da Competência”, “Seção I – Disposições Gerais”, também se confirma esta orientação, ao estabelecer que “As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”. Desta feita, nos parece definitivamente superada qualquer dúvida a respeito da natureza jurisdicional da arbitragem.” (Grifou-se)
Como dito, tal posicionamento fundamenta a possibilidade de fixação de astreintes e outras multas coercitivas e é amparado pelo entendimento jurisprudencial, como se pode observar, por exemplo, do trecho abaixo extraído do acórdão de lavra do Desembargador Ricardo Negrão, membro da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Apelação nº 1047986-36.2014.8.26.0100, julgada em 25.02.19 e publicada em 27.02.19, como se vê:
“Desse modo, ainda que não haja pedido expresso da parte autora quanto à imposição de multa, no caso de descumprimento da ordem judicial, é consequência lógica essa imposição ao se deferir a medida, porque apenas visa garantir de forma mais célere o cumprimento da ordem, não representando essa fixação de multa uma decisão extra petita (fora do pedido).
Como bem anotou a r. sentença de primeiro grau, neste particular, “No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. §1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.” (art.536 do CPC).
No que diz respeito ao afastamento ou redução da multa imposta pelo descumprimento da ordem judicial, o Juiz togado não pode rever a sentença arbitral que impôs multa coercitiva, neste momento processual, devendo a parte recorrente impugná-la em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de reexame da matéria, o que é vedado.” (Grifou-se)
Em outras palavras, a imposição de multa em sede de sentença arbitral não constitui fundamento suficiente para a declaração de nulidade da decisão, com vistas ao afastamento da multa, cabendo, tão somente, a sua impugnação em sede de cumprimento de sentença arbitral, a fim de aferir os critérios formais de sua exigibilidade e até o seu valor, assim como também ocorre com as multas fixadas pelo Poder Judiciário.
Desse modo, em que pese existir uma corrente minoritária que entende pela impossibilidade de o juízo arbitral fixar astreintes e outras multas coercitivas em suas decisões, não se pode olvidar que tanto a doutrina majoritária, quanto a jurisprudência não questionam a existência desse poder, tendo em vista a natureza jurisdicional da arbitragem.
E se é assim, pode-se afirmar que a fixação de multa diária e outras espécies de multas coercitivas, pelo juízo arbitral, é legítima, de forma que poderá ser fixada sempre que o árbitro ou o Tribunal Arbitral entender que ela se demonstra necessária na espécie.
[1] Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
[2] Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[3] TALAMINI, Eduardo. “Arbitragem e estabilização da tutela antecipada”. In: MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Coleção Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015. V.4. 2ª ed. p. 160.
[4] TALAMINI, Eduardo. op. cit, p. 164.
[5] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem [livro eletrônico]: mediação: conciliação: tribunal multiportas. 6ª ed. em e-book baseada na 7ª ed. Impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais: Thomson Reuters Brasil, 2018.