A flexibilidade do procedimento arbitral é uma das características mais marcantes da arbitragem, de modo que o procedimento pode ser sempre adequado ao litígio sob julgamento, atendendo aos interesses das partes envolvidas.
Essa flexibilidade está atrelada à preservação da autonomia da vontade das partes, as quais podem transacionar sobre as regras aplicáveis ao procedimento arbitral e, inclusive, as regras de direito aplicáveis à espécie, atentando-se apenas aos bons costumes e à ordem pública, conforme prevê o at. 2º da Lei nº 9.307/1996[1].
Para tanto, é essencial que as partes e os árbitros adotem uma postura cooperativa entre si, viabilizando, desse modo, a manifestação de todos os envolvidos sobre as questões postas para deliberação do Tribunal Arbitral.
Tal prática caracteriza o contraditório participativo, elemento essencial à viabilização de um procedimento justo e que se adeque às necessidades das partes envolvidas, pois, com sua aplicação, é assegurada às partes a possibilidade de manifestarem-se sobre todas as questões postas em discussão, assim como a possibilidade de influenciarem na decisão do árbitro ou do Tribunal Arbitral acerca da (des)necessidade de produção de provas adicionais.
Com isso, é permitido ao árbitro a análise acerca da pertinência de determinada prova e o momento adequado para sua execução, mas sempre sob a garantia de que as partes sejam devidamente ouvidas.
Em importante decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, proferiu Acórdão nos autos do REsp nº 1903359 / RJ (2018/0320599-9), na qual foram analisadas as questões inerentes ao contraditório participativo e à necessidade de observância da vontade expressada pelas partes, com vistas a analisar a existência, ou não, de seu cerceamento de defesa.
No caso sob análise, foi ajuizada ação anulatória de sentença arbitral, com o propósito de desconstituir a sentença proferida no âmbito do procedimento arbitral, sob a justificativa de que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral teria incorrido em cerceamento de defesa e em indevido julgamento por equidade.
No presente artigo, abordaremos apenas a questão relativa à possibilidade, ou não, de cerceamento do direito de defesa da parte autora da ação, durante o procedimento arbitral, à medida em que analisamos o Acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça e de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze – REsp nº 1903359 / RJ (2018/0320599-9).
Neste particular, a parte interessada alegou em suas razões que a não produção de prova pericial por ela requerida quando da instauração do procedimento arbitral acarretou cerceamento de seu direito de defesa, principalmente pelo fato de que sua pretensão supostamente não teria sido acolhida em razão da ausência de comprovação dos fatos alegados em sua exordial, o que, em teoria, não teria ocorrido se a prova pericial tivesse sido produzida.
Diante de todo o contexto dos autos, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não havia que se falar em cercamento do direito de defesa da parte interessada, pois “a não produção de outras provas, sobretudo a pericial, refletiu o desejo e a compreensão das partes acerca de sua absoluta desnecessidade, o que, repisa-se, foi externado e ratificado pelo comportamento inerte da interessada.”
Isso porque, na audiência de instrução realizada durante o procedimento arbitral foram colhidos depoimentos de testemunhas técnicas e, ao final do ato procedimental, apesar de questionada, a parte interessada não reiterou o pedido inicialmente formulado acerca da necessidade de realização de prova pericial, afirmando, expressamente, estar satisfeita com as provas até então produzidas, não restando dúvidas, pois, de que lhe fora assegurado o contraditório participativo.
Importante destacar que a oitiva das testemunhas técnicas foi uma das razões que tornou desnecessária a realização da prova pericial incialmente requerida pela parte interessada.
Nesse particular, é necessário registrar que, em que pese a nomenclatura comumente utilizada ser “testemunha técnica” (expert witness), a doutrina considera essa espécie probatória não como uma prova testemunhal, mas sim como uma prova técnica, uma vez que essa espécie de prova é produzida por profissionais especializados na área do conhecimento necessário para a solução da lide, sendo-lhes exigida independência e imparcialidade de seus laudos e depoimentos.
Sobre o tema, Marcelo Mazzola explica que:
“Além das testemunhas convencionais, na arbitragem é comum a participação das testemunhas técnicas (expert witness). São pessoas convocadas para emitir sua opinião em razão de seu conhecimento técnico sobre determinada matéria. Faz lembrar a prova técnica simplificada na esfera processual (art. 464, §§ 2º e 3º, do CPC/15).”[2].
(Grifou-se)
É evidente que a realização de prova técnica não exclui a possibilidade de realização de prova pericial, acaso as partes e o árbitro entendam que ela se demonstra necessária, o que, evidentemente, não foi a hipótese dos autos.
No entanto, é certo que, na hipótese, a parte interessada não renovou seu pedido de realização de prova pericial, embora pudesse tê-lo feito tanto ao final da audiência de instrução, quanto quando da prática de outros atos, na oportunidade de apresentação de alegações finais e até mesmo em eventual pedido de esclarecimentos quanto à Sentença Arbitral.
Nesse sentido, não há que se falar em cerceamento de defesa quando o que se observa, em verdade, é a estrita observância da vontade expressada pelas partes, as quais se deram por satisfeitas no que concerne às provas produzidas.
E tanto é assim que o Ministro Marco Aurélio Bellizze assevera em seu Voto que:
“A detida observância da vontade expressada pelas partes, a qual rege, de modo preponderante, o procedimento arbitral, não pode caracterizar, ao mesmo tempo, cerceamento de defesa.
Aliás, caso o árbitro deliberasse pela realização de determinada prova, mesmo após a parte a que aproveita ter se manifestado por sua desnecessidade, poderia expressar um agir oficioso tendente a frustrar a imparcialidade que legitimamente se espera do árbitro.” (Grifou-se)
Sendo assim, não há dúvidas de que a caracterização, ou não, do cerceamento do direito de defesa está diretamente atrelada ao contraditório participativo e à necessidade de observância da vontade expressada pelas partes ao longo de todo o procedimento arbitral, permitindo, desse modo, sua flexibilidade com vistas ao atendimento da necessidade das partes.
Desse modo, se a parte anteriormente interessada na produção de determinada prova afirma estar satisfeita com as provas já coligidas, não destacando a relevância da produção de outras provas, não há se falar em cerceamento do direito de defesa, mas sim na prevalência e respeito à vontade exteriorizada pela parte.
Assim, na hipótese de terem as partes sido ouvidas pelo juízo arbitral acerca da necessidade de produção de mais provas para a instrução do processo, respeitando-se o contraditório participativo, e elas expressarem sua satisfação com as provas até então coligidas, não haverá que se falar em cerceamento de sua defesa, pois a vontade por elas exteriorizada estará prevalecendo e sendo respeitada pelo juízo arbitral.
[1] Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
[2] MAZZOLA, Marcelo. Temas contemporâneos na arbitragem: do clássico ao circuito alternativo e alguns “curtas-metragens”. Revista de Processo, São Paulo, vol. 291, p. 427 – 466, Maio/2019.