Sub-rogação não transfere à seguradora as garantias processais de consumidor, diz STJ

No julgamento do Recurso Especial 2.092.310/SP, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fixou importante entendimento sobre sub-rogação em contratos de seguro.

Em decisão publicada em 25/02/2025, no julgamento de recurso afetado como Tema 1282 dos Recursos Repetitivos, o STJ firmou a tese de que: 
“O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.”

A controvérsia consistia em definir o alcance da aplicação do artigo 379 do Código Civil, o qual estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores“.

Nesse sentido, firmou-se a discussão sobre se a seguradora se sub-roga nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro e a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor.

Esclareceu o tribunal que, embora a seguradora se sub-rogue nos direitos materiais do segurado (como o direito de cobrança contra terceiros), não pode invocar prerrogativas processuais destinadas exclusivamente aos consumidores, tais como a escolha do foro do domicílio do consumidor (art. 101, I, do CDC) e a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC). A decisão reforça a necessidade de se observar os limites da sub-rogação nos contratos de seguro, reconhecendo que as prerrogativas processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor são personalíssimas e intransferíveis. Trata-se de importante precedente para o mercado segurador, pois delimita o alcance dos direitos sub-rogados, garantindo maior segurança jurídica e uniformidade na aplicação das normas processuais. A definição da competência e da distribuição do ônus da prova nas ações regressivas dessa natureza deverá observar, portanto, as regras gerais do Código de Processo Civil e não as disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

STJ reafirma: a atividade de corretagem constitui obrigação de resultado, não de meio

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em fevereiro de 2025, reafirmou o entendimento de que a atividade do corretor de imóveis constitui obrigação de resultado, e não de meio. Isso significa que o direito à comissão de corretagem somente nasce com a concretização efetiva do negócio jurídico intermediado, no caso, a compra e venda do imóvel.

Tal entendimento da 3ª Turma do STJ reforça que não basta ao corretor realizar diligências ou aproximar as partes, é necessário que o negócio seja efetivamente celebrado com base na intermediação realizada. A Corte rejeita, portanto, qualquer tentativa de ampliar o direito à comissão com fundamento em meros esforços ou tratativas preliminares, condicionando a remuneração do corretor à obtenção do resultado prático e útil, a concretização do contrato.

Na prática, isso significa que o corretor assume os riscos inerentes à operação: se a venda não se concretizar, seja por desistência, desacordo entre as partes ou outros fatores, mesmo tendo se empenhado na aproximação, ele não terá direito à comissão. A decisão traz mais clareza ao mercado, delimitando o exato momento em que nasce o direito à remuneração pela intermediação imobiliária.

Esse entendimento oferece mais segurança jurídica tanto para os compradores e vendedores quanto para os profissionais do setor. Para os consumidores, representa uma proteção contra cobranças indevidas, assegurando que a comissão será devida apenas se a venda realmente acontecer. Para os corretores, reforça a importância de conduzir negociações com foco no fechamento do negócio, uma vez que sua remuneração dependerá diretamente da conclusão da operação.

Vale lembrar que as partes têm liberdade para estipular condições diferentes em contrato, desde que isso seja feito de forma expressa. Na ausência de cláusula específica, contudo, prevalece a orientação do STJ: o pagamento da comissão está condicionado à concretização do negócio.

Confira a decisão na íntegra: AREsp nº 2.355.527.

Criptoativos, patrimônio e execução – Como o Judiciário começa a enfrentar os desafios das criptomoedas.

Os criptoativos, como criptomoedas, vêm ganhando espaço no cotidiano de pessoas físicas e jurídicas. Apesar de não serem moeda oficial e não estarem sob o controle de autoridades monetárias, podem ser utilizados como meio de pagamento, reserva de valor e forma de investimento.

Diferentemente dos bens tradicionais (como dinheiro, imóveis ou veículos), os criptoativos são digitais, descentralizados e, muitas vezes, armazenados fora do alcance de instituições financeiras reguladas. Em vez de estarem vinculados a um banco, por exemplo, podem ser mantidos em carteiras digitais privadas, controladas exclusivamente pelo titular por meio de senhas e chaves criptográficas.

No Brasil, como em diversos outros países, o cenário ainda é de amadurecimento regulatório, mas que já conta com marcos relevantes. A Lei nº 14.478/2022 estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços com ativos virtuais, enquanto a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019 tornou obrigatória a declaração de operações com criptoativos à Receita Federal, reforçando sua natureza de bem com valor econômico e relevância patrimonial.

Nesse contexto, e considerando a acentuada valorização de criptomoedas como bitcoin e ethereum nos últimos anos, cresce o interesse em utilizar os criptoativos como instrumentos de planejamento patrimonial. Por serem digitais, fáceis de movimentar e não dependerem de bancos ou instituições tradicionais, os criptoativos oferecem novas possibilidades tanto para diversificar o patrimônio quanto para organizar estratégias de proteção e gestão de bens.

Esse movimento, no entanto, também tem despertado a atenção do Poder Judiciário, que passa a enfrentar questões práticas envolvendo a localização e a constrição desses ativos no contexto da execução civil.

Em atenção a isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um passo importante ao julgar o Recurso Especial nº 2.127.038/SP, autorizando a expedição de ofícios a corretoras de criptoativos (exchanges) para fins de localização e penhora desses ativos. Diferentemente das carteiras privadas, que são controladas exclusivamente pelo titular, as exchanges funcionam como intermediárias na custódia e negociação de criptoativos, sendo mais acessíveis às autoridades para fins de investigação e constrição judicial.

O acórdão também evidencia um movimento do Judiciário em adaptar seus mecanismos à nova realidade digital, com atenção especial à rastreabilidade, custódia e liquidez desses bens. O próprio Conselho Nacional de Justiça já trabalha na criação da plataforma CriptoJud, que visa facilitar o bloqueio judicial de ativos digitais, hoje dificultada pela possibilidade de armazenamento em carteiras privadas, a ausência de órgãos ou instituições centralizadas e o alto grau de anonimato das transações. Os criptoativos, portanto, deixaram de ser um fenômeno marginal ou alternativo e passaram a ocupar posição de destaque no cenário jurídico, regulatório e patrimonial. A crescente atenção do Judiciário e dos órgãos de controle reforça a necessidade de tratamento estratégico desses ativos, tanto na perspectiva da conformidade quanto no planejamento legítimo do patrimônio em um contexto digital em constante transformação.


Por: Matheus Azevedo

A regulamentação das apostas de quota fixa e o papel das instituições financeiras

Em 20 de março de 2025, foi publicada, pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA), a Portaria SPA/MF nº 566, com o objetivo de regulamentar os procedimentos a serem seguidos pelas instituições financeiras (IFs), instituições de pagamento (IPs) e instituidores de arranjos de pagamento. A Portaria detalha como essas entidades devem se comportar diante de transações relacionadas a apostas de quota fixa que envolvem empresas sem a devida autorização federal.

A principal obrigação imposta pela nova regulamentação é a proibição da manutenção de contas transacionais ou a realização de transações financeiras que envolvam empresas de apostas de quota fixa sem autorização, conforme estipulado pelo artigo 21 da Lei nº 14.790/2023 (que fixa as regras gerais sobre essa modalidade de apostas). As contas transacionais, neste contexto, são aquelas que recebem depósitos dos apostadores ou efetuam o pagamento dos prêmios, vinculadas ao agente operador da plataforma de apostas.

O objetivo da Portaria é permitir uma maior fiscalização nesse novo setor, por meio não apenas da atuação direta do Poder Público, mas também com o auxílio das entidades privadas, dentre as quais as instituições financeiras. Diante disso, essas instituições não deverão permitir qualquer transação que envolvam empresas não autorizadas a explorar essa modalidade de apostas no Brasil.

Para que isso seja possível, as instituições deverão adotar medidas de controle interno eficazes para identificar indícios de irregularidades nas transações realizadas. Caso identifiquem operações suspeitas, as entidades devem comunicar à SPA no prazo máximo de 24 horas. A comunicação deve ser feita por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), com informações detalhadas sobre as transações suspeitas, incluindo os dados identificadores da transação e das partes envolvidas.

A Portaria exige, ainda, que, em casos de suspeita de intermediação de apostas ilegais por terceiros, as instituições financeiras e de pagamento também enviem informações à SPA. O envio dessas informações deve ser feito de boa-fé, o que garante a isenção de responsabilidade civil ou administrativa para as instituições que comunicarem tais indícios de irregularidades. Para viabilizar a tomada de decisão pela instituição financeira, a Portaria autoriza a solicitação de informações à SPA, que poderá, inclusive, dar conhecimento à instituição sobre os seus procedimentos internos de verificação das atividades suspeitas que lhes são comunicadas.

Para fins de viabilizar o cumprimento da legislação, a SPA fica obrigada a manter uma lista atualizada sobre (i) todos os operadores de apostas de quota fixa que tenham autorização federal para operar no Brasil; (ii) os agentes operadores que solicitaram autorização e tiveram seu pedido indeferido; e (iii) os sites suspeitos de operarem apostas de quota fixa sem a devida autorização, cujo bloqueio tenha sido solicitado à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

O não cumprimento das obrigações estabelecidas pela Portaria SPA/MF nº 566 poderá sujeitar as instituições financeiras e de pagamento a processos de fiscalização e, se for o caso, a ações sancionatórias. Essas sanções podem incluir a suspensão das atividades financeiras, multas e bloqueio de contas. Além disso, qualquer violação às regras poderá resultar em responsabilização por facilitar a prática de atividades ilegais de apostas, o que impacta diretamente a credibilidade e a segurança jurídica das instituições envolvidas.

A implementação dessas medidas visa não só proteger os consumidores e apostadores de possíveis fraudes, mas também garantir a integridade do mercado de apostas no Brasil. O controle rigoroso das transações financeiras e a comunicação imediata de indícios de atividades ilegais são fundamentais para que as instituições financeiras e de pagamento desempenhem seu papel de forma eficaz na prevenção ao jogo ilegal. Desse modo, a Portaria representa um esforço coordenado para fortalecer o sistema de controle e monitoramento de apostas de quota fixa, assegurando que apenas empresas devidamente autorizadas possam operar legalmente no país.


Por: Filipe Albuquerque

STJ decide: Bancos e Incorporadoras NÃO Poderão Ser Responsabilizados Pela Quitação do IPTU de Imóveis Financiados

Quando uma pessoa compra um imóvel financiado, é comum que muitas dúvidas surjam. Uma das principais diz respeito a quem ficará a responsabilidade pela quitação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, na segunda semana de março de 2025, que os credores fiduciários não podem ser responsabilizados pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de imóveis dados em garantia por meio de alienação fiduciária, sendo esse débito de responsabilidade exclusiva do devedor fiduciante.

Esse entendimento foi proferido pela 1ª Turma no julgamento de recursos repetitivos relacionados ao Tema 1158/STJ, cujo escopo era definir se haveria a responsabilidade tributária solidária, bem como se caberia, como parte passiva, em um processo de execução de dívidas de IPTU, a credora de um imóvel alienado fiduciariamente.

No âmbito dos autos do Recurso Especial (Resp) 1.949.182/SP, utilizado como representativo da controvérsia,  o Itaú Unibanco S/A questionou a legitimidade da sua inclusão como parte passiva em uma execução fiscal movida pelo Município de São Paulo, que exigia a quitação das parcelas de IPTU atrasadas de um imóvel. O município sustentou que o banco deveria permanecer como executado porque o imóvel estava registrado em seu nome, ainda que sob condição resolutiva. Assim, conforme a tese, o credor fiduciário deveria se sujeitar às obrigações tributárias como qualquer outro proprietário.

Ocorre que, a instituição financeira apresentou uma defesa contrária, alegando que, na qualidade de parte credora, não possuía o domínio útil do bem, nem a posse qualificada com a intenção de ser dono, não sendo possível configurar a plena propriedade do imóvel. Logo, como não estaria autorizada a usufruir do bem, nem do produto integral de sua alienação, não poderia ser considerada contribuinte do IPTU, bem assim responsável solidária pelos débitos tributários relacionados ao respectivo imóvel.

O STJ, ao analisar a questão, reforçou que a posse do imóvel, para fins de tributação, exige a intenção de ser dono. Assim, o credor fiduciário detém apenas uma posse indireta e precária, restrita à finalidade de garantia do financiamento. Somente após a consolidação da propriedade e a imissão na posse, em caso de inadimplência do devedor fiduciante, o credor fiduciário poderá ser considerado contribuinte do IPTU.

Portanto, o STJ estabeleceu que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU de imóveis alienados fiduciariamente recai exclusivamente sobre o devedor fiduciante, ou seja, o comprador do imóvel, que o único capaz de figurar legitimamente no polo passivo de execuções fiscais, como também na condição de contribuinte dos tributos que recaiam sob o imóvel.

O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois define aresponsabilidade pelo pagamento do IPTU em imóveis alienados fiduciariamente, exonerando as incorporadoras e instituições financeiras do pagamento desse tributo.

Portaria 3.665/2023: Nova regra para trabalho em domingos e feriados impõe desafios ao setor do comércio

A Portaria 3.665/2023, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e que entrará em vigor a partir de 1° de julho de 2025, traz mudanças significativas no regramento do trabalho em domingos e feriados no setor do comércio, impactando diretamente a organização das escalas de trabalho e a dinâmica das relações laborais.

Nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o labor em domingos e feriados é, como regra geral, vedado. Entretanto, há permissivos legais que possibilitam sua realização sob determinadas condições. Em relação aos domingos, o trabalho é permitido desde que seja garantido ao empregado um descanso semanal remunerado (DSR) de, no mínimo, 24 horas consecutivas. Além disso, caso não haja concessão de folga compensatória, a remuneração deve ser paga em dobro, conforme prevê a legislação.

No tocante aos feriados, o artigo 70 da CLT proíbe o trabalho nesses dias, salvo se houver autorização da autoridade competente. Essa autorização pode ser concedida de forma permanente, considerando a natureza da atividade e o interesse público, ou de maneira transitória, com prazo máximo de 60 dias.

A regulamentação vigente, até então disciplinada pela Portaria 671/2021, permitia o trabalho em feriados mediante pactuação individual entre empregador e empregado, trazendo maior flexibilidade ao setor. Além disso, a autorização para o labor nesses dias era concedida de forma permanente para diversas atividades, como indústria, comércio e transporte.

Ocorre que essa sistemática contrariava a previsão da Lei 10.101/2000, que estabelece a necessidade de negociação coletiva para permitir o trabalho em feriados no comércio.

Com o objetivo de sanar essa inconsistência normativa, a Portaria 3.665/2023 revogou as autorizações anteriormente concedidas, tornando obrigatória a pactuação por meio de negociação coletiva a partir de 1º de julho de 2025.”Além da obrigatoriedade da negociação coletiva, a nova norma determina o cumprimento das legislações municipais que regulam o funcionamento do comércio em domingos e feriados, impondo um desafio adicional às empresas que operam em diferentes localidades. Isso exige um acompanhamento jurídico rigoroso para assegurar a conformidade com as regras locais e evitar possíveis autuações.

Embora a portaria tenha como escopo fortalecer a representatividade sindical e garantir melhores condições de trabalho aos empregados, sua implementação traz desafios operacionais expressivos para o setor empresarial.

A necessidade de negociação coletiva pode resultar em custos adicionais e maior complexidade na gestão de escalas de trabalho. Setores como supermercados, farmácias e comércio varejista serão particularmente impactados, dada a necessidade de funcionamento contínuo.

Diante desse cenário, é essencial que os empregadores estejam atentos às novas exigências, revisando suas práticas e promovendo negociações com os sindicatos para assegurar a continuidade de suas operações sem prejuízo à legislação vigente. A adaptação a essa nova realidade demandará planejamento estratégico e diálogo entre as partes envolvidas, buscando soluções que equilibrem os interesses empresariais e a proteção dos direitos trabalhistas.

Inconstitucionalidade da incidência do ISS nas operações de industrialização por encomenda

No dia 26/02/2025, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços (ISS), previsto no item 14.05, da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 nas operações de industrialização por encomenda quando se destina à comercialização ou à industrialização.

Essa decisão foi proferida nos autos do Recurso extraordinário nº 882461, em sede de repercussão geral (tema 816) e, portanto, é de observância obrigatória pelas instâncias inferiores.

Para fixar a referida tese, os ministros entenderam que a atividade de industrialização por encomenda faz parte da cadeia produtiva, cuja finalidade é produção e circulação de bens, devendo sofrer incidência apenas do ICMS e do IPI, portanto, não configura uma prestação de serviços propriamente dita e que, a regulamentação do ISS.

Quanto aos efeitos da referida decisão, o STF modulou os efeitos determinando que a decisão é aplicável a partir da publicação da ata de julgamento. Assim, apenas os contribuintes que possuem ações judiciais em curso poderão restituir valores indevidamente pagos nos 5 anos anteriores à propositura da ação.

A única exceção é nos casos de bitributação, isto é, em que houve a cobrança de forma conjunta de ISS e ICMS ou IPI. Nesses casos, haverá a possibilidade de restituição do ISS, mas não dos demais tributos. O relator do caso (Dias Toffoli) ressaltou, ainda, que as empresas não poderão ser cobradas de forma retroativa quando houver a possibilidade de cobrança do IPI e do ICMS em decorrência de tal operação.

Essa decisão configura um marco importante na delimitação da competência tributária e estabelece segurança jurídica nas operações que envolvem etapas intermediárias no processo produtivo industrial.

STJ afasta dano moral presumido de idosa em fraude de consignado

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de indenização por danos morais feito por uma idosa que alegava ter sido vítima de fraude na contratação de um empréstimo consignado. O Tribunal entendeu que a mera condição etária da autora não é suficiente para presumir a existência de dano moral.

No caso analisado, a aposentada ingressou com uma ação judicial pedindo a declaração de inexistência do débito, a interrupção dos descontos previdenciários e a reparação por danos materiais e morais. Durante a instrução processual, uma perícia grafotécnica confirmou a falsificação de sua assinatura no contrato, levando a juíza da 1ª Vara Cível de José Bonifácio-SP a reconhecer a inexigibilidade da dívida e a cessação dos descontos no benefício previdenciário da autora, além de determinar a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente.

Contudo, ao julgar o Recurso Especial interposto pela autora, o STJ afastou a condenação por danos morais, por entender que a situação não configurava sofrimento superior a um mero aborrecimento. Embora o Tribunal já tenha reconhecido, em outras ocasiões, que a hipervulnerabilidade do idoso pode justificar a indenização por dano moral in re ipsa, neste julgamento prevaleceu um entendimento diverso. Os ministros Antônio Carlos Ferreira, Moura Ribeiro e Ricardo Villas Bôas Cuevas votaram contra a condenação do banco, enquanto a relatora, ministra Nancy Andrighi, e o ministro Humberto Martins ficaram vencidos.

Nesse sentido, o ministro Moura Ribeiro, ao inaugurar a divergência, entendeu que não houve nos autos a comprovação do prejuízo alegado, ressaltando que a idade avançada pode ser um critério para a análise da extensão de um dano, mas, por si só, não basta para o reconhecimento do dano moral presumido, mas não deve ser o único fator determinante. Além disso, enfatizou que a recorrente permaneceu com os valores obtidos no empréstimo e só questionou a fraude após um longo período, o que reforçou a conclusão de inocorrência de dano indenizável.

A decisão trouxe reflexos importantes para o setor bancário, pois reforça que a hipervulnerabilidade do consumidor, isoladamente, não justifica a obrigação de indenizar por dano moral.  Tal entendimento é fundamental para evitar que instituições financeiras sejam responsabilizadas por qualquer fraude envolvendo clientes, especialmente quando adotam medidas de segurança e ressarcimento adequadas. A imposição de indenizações sem análise criteriosa poderia incentivar pedidos infundados, gerar impactos negativos no mercado e até mesmo criar incentivos ao enriquecimento ilícito.

Desse modo, observa-se que o julgamento equilibrou dois aspectos essenciais: a proteção ao consumidor e a segurança jurídica das instituições financeiras, pois, embora seja importante resguardar os direitos dos consumidores, não se pode impor aos bancos uma responsabilidade irrestrita sem que haja comprovação de falha na prestação do serviço. Portanto, ao diferenciar situações nas quais houve negligência daquelas em que a instituição seguiu todos os protocolos adequados, mas ainda houve fraude, o julgamento garante a eficiência e estabilidade do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que preserva a proteção dos consumidores.

Justiça impede iFood de estabelecer valor mínimo para pedidos na plataforma

No julgamento do processo de nº 5684858.78.2019.8.09.0051, o juízo da  10ª Vara Cível de Goiânia/GO considerou ilegal a exigência de pedido mínimo em restaurantes cadastrados na plataforma iFood. A decisão, proferida pela juíza Elaine Christina Alencastro Veiga Araujo, determinou a eliminação progressiva dessa prática, além de condenar a empresa ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo. O montante será revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

No caso em tela, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO) instaurou inquérito civil para investigar a conduta da plataforma, argumentando que a imposição de um valor mínimo de pedido constituiria prática abusiva. Segundo o órgão, tal exigência fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois impõe desvantagem excessiva ao consumidor e restringe sua liberdade de escolha.

Antes de ingressar com a ação civil pública, o MP/GO, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de Goiás e o Ministério Público Federal (MPF), expediu recomendação para que a plataforma eliminasse a exigência. Diante da não adesão à orientação, o caso foi levado ao Judiciário.

Em sua defesa, o iFood sustentou que atua apenas como intermediário entre consumidores e estabelecimentos comerciais, deixando a critério dos restaurantes a decisão sobre a existência de um pedido mínimo. Argumentou ainda que a prática visa garantir a viabilidade econômica do serviço e que a plataforma oferece diversas opções de restaurantes que não exigem um valor mínimo, assegurando a liberdade de escolha ao consumidor.

A empresa também alegou que não há comprovação de dano moral coletivo, uma vez que os consumidores não são obrigados a utilizar a plataforma e possuem alternativas para realizar suas compras.

Ao analisar o caso, a magistrada afastou os argumentos da empresa, destacando a legitimidade do MP/GO para atuar na defesa de interesses coletivos. Segundo a juíza, o iFood integra a cadeia de fornecimento de serviços ao estabelecer as regras aplicadas às compras realizadas por meio da plataforma. Dessa forma, mesmo que a definição do pedido mínimo seja feita pelos restaurantes, a empresa responde solidariamente pelos efeitos dessa prática.

A decisão baseou-se no artigo 39, inciso I, do CDC, que proíbe condicionar a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro sem justa causa. A juíza entendeu que a imposição de um valor mínimo induz o consumidor a comprar mais do que deseja, caracterizando venda casada. Além disso, destacou que a empresa não apresentou dados concretos que justificassem a exigência, deixando de fornecer informações sobre sua política de precificação, o que reforçou a presunção de irregularidade na prática.

Com base nesses elementos, foi determinado que o iFood remova gradualmente a exigência de pedido mínimo, seguindo um cronograma escalonado de redução a cada seis meses. Inicialmente, o valor mínimo deverá ser reduzido para R$ 30,00, posteriormente para R$ 20,00, R$ 10,00 e, finalmente, eliminado em até 18 meses. O descumprimento da decisão sujeitará a empresa a multa de R$ 1 milhão por etapa não cumprida.

Ademais, a condenação ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo foi fundamentada no impacto da prática sobre milhões de consumidores que utilizam regularmente a plataforma. O valor foi estabelecido com base no número de estabelecimentos cadastrados no iFood e na média dos valores mínimos exigidos para pedidos. A decisão judicial reflete a preocupação do judiciário com a garantia de  transparência nas práticas comerciais, sob o argumento de ser pertinente coibir a imposição de barreiras ao acesso a serviços. A condenação por dano moral coletivo, por sua vez,  enfatiza o entendimento de aplicação da legislação consumerista à relação em discussão, bem como da existência de impacto da conduta sobre um grande número de consumidores, o que reforça a necessidade de maior atenção ao tema sobretudo pelas plataformas digitais.


Por: Mayara Morais

Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família, decide STJ

Em decisão recente, de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele receba a proteção da impenhorabilidade de bem de família, conforme previsto pela Lei 8.009/1990. A decisão foi tomada em um recurso especial (REsp 2.142.338) interposto por um credor que alegava fraude à execução após a devedora ter doado um imóvel para seus pais.

A controvérsia começou quando a devedora, antes de ser citada no processo de execução, mas já ciente de sua inclusão no polo passivo, transferiu a propriedade de um imóvel para seus pais. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse reconhecido fraude à execução, a penhora foi afastada, pois o imóvel em questão já havia sido ocupado pelos pais da devedora desde 2014, antes mesmo da execução da dívida, e continuaram a residir ali.

No âmbito do STJ, o credor alegou que a doação se tratava de fraude à execução, defendendo que o imóvel não deveria ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família, já que havia sido doado. No entanto, a ministra Nancy, relatora do caso, destacou que a análise para verificar a fraude à execução deve se basear na mudança da destinação original do imóvel. Nesse caso, como o imóvel já era utilizado como residência da família e continuou sendo utilizado para o mesmo fim após a doação, não há razão para a perda da proteção conferida pela lei.

A ministra ressaltou que, de acordo com o art. 5º da Lei 8.009/1990, para que o imóvel seja protegido, basta que seja o único bem da família e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente, independentemente de ser o devedor quem resida no local. No caso em questão, o fato de os pais da devedora possuírem usufruto vitalício do imóvel, usufruindo do direito de morar ali, foi considerado suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família.

Portanto, o STJ entendeu que a proteção de bem de família é válida mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que o bem seja o único da família e seja utilizado para moradia permanente, como estabelece a legislação. A decisão reafirma a importância da Lei 8.009/1990 no resguardo da moradia familiar, evitando que a residência seja alvo de penhoras em caso de dívidas, desde que atendidos os critérios legais. O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois reforça a proteção do patrimônio familiar e a segurança jurídica das famílias que utilizam seus bens para moradia, assegurando que imóveis destinados ao abrigo familiar não sejam usados de forma indevida para o pagamento de dívidas, mesmo quando transferidos para outros membros da família.