Viagens realizadas por força do contrato de trabalho podem gerar o pagamento de horas extras?

Viagens realizadas por força do contrato de trabalho podem gerar o pagamento de horas extras? - Coelho & Dalle

Por Kelma Collier

Destaques do artigo:

– Alterações na CLT feitas pela Reforma Trabalhista estabelecem o não pagamento de horas extras relacionadas ao deslocamento do empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho;

– No entanto, outro artigo da CLT considera como serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregado.

– Diante disso, surge a dúvida se o tempo de deslocamento do empregado em viagens de trabalho devem ser consideradas como tempo à disposição do empregador.

– A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que é devido o pagamento de horas extras em viagens realizadas fora do horário normal de trabalho, não se aplicando o artigo inserido pela Reforma Trabalhista.

A reforma trabalhista acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 4º da Consolidação das leis do Trabalho deixando claro que o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho não será computado na jornada de trabalho, logo não haverá pagamento de horas extras relacionada a este deslocamento.

Por outro lado, o caput do artigo 4º da CLT considera como serviço efetivo “o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.

Ademais, por força da própria legislação trabalhista, a possibilidade de pagamento de horas extras apenas é devida aos empregados que sofram controle de jornada de trabalho, restando excluídos os trabalhadores inseridos na exceção do artigo 62 da CLT (ocupantes de cargo de confiança e trabalhadores externos sem possibilidade de monitoramento da jornada).

Afora esses dispositivos legais, a CLT não trouxe com a Lei nº 13.467/2017 nenhum artigo tratando especificamente sobre deslocamentos em viagens de trabalho, passando ao julgador a responsabilidade de decidir sobre o tema.

Feitos esses esclarecimentos, surge a dúvida se o tempo de deslocamento do empregado em viagens de trabalho devem ser consideradas como tempo à disposição do empregador, já que o §2º do artigo 4º afasta essa possibilidade.

No final de 2018, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho – TST, ao julgar o processo nº 0021276- 69.2017.5.04.0741, entendeu que é devido o pagamento de horas extras em viagens realizadas fora do horário normal de trabalho, fundamentando essa decisão no disposto no caput do artigo 4º da CLT.

Com efeito, para a 4ª Turma do TST, o tempo dispendido em deslocamentos de viagens deve ser computado na jornada de trabalho, não se aplicando o §2º do artigo 4º inserido pela reforma trabalhista, já que o empregado está à disposição do empregador cumprindo ordens inerentes ao pacto laboral.

Visando prevenir reclamações trabalhistas futuras, recomenda-se que as viagens sejam realizadas dentro da jornada de trabalho, ou que haja a formalização de acordo de banco de horas possibilitando a compensação das horas trabalhadas e pactuação de mudança da jornada quando da necessidade de viagens de trabalho.

A responsabilidade civil na égide da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP)

Por Dra. Emily Zerpa

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (nº 13.709/2018), que entrará em vigor em agosto de 2020, tem sido objeto de inúmeros debates nos mais diversos âmbitos, sejam eles jurídicos, empresariais, de tecnologias etc. Isso porque se trata de uma legislação transversal, que afetará todos os seguimentos da economia, mostrando-se, em essência, uma lei pró-negócio, servindo, pois, para colocar o Brasil em pé de igualdade com os países estrangeiros, que em grande maioria já possuem leis que regulamentam a proteção dos dados pessoais de seus titulares.

Destarte, não há dúvidas de que a LGPD foi criada como forma de resguardar a privacidade de cada indivíduo, como ser particular e único, protegendo, por conseguinte, a segurança de dados que representam, de fato, o que a pessoa é, sobretudo quanto às informações tidas como sensíveis, que nada mais são do que aquelas que possam fazer surgir um pré-conceito/estigmatização acerca de seu titular.

Neste sentido, a LGPD veio trazer uma maior segurança para o uso dos dados pessoais colhidos sob quaisquer circunstâncias, de forma a exigir que os agentes de tratamento dessas informações tenham a obrigação de, inclusive, anonimizá-las, tudo dentro das possibilidades que o agente tenha, através do uso de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento – até mesmo quanto aos dados classificados como sensíveis -.

Quanto aos agentes de tratamento dos dados pessoais objetos da LGPD, importante esclarecer que controlador será toda pessoa natural ou jurídica a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais de pessoas naturais, enquanto o operador, por sua vez, será toda a pessoa natural ou jurídica que realiza, de fato, o tratamento de tais dados, em nome do controlador.

Ademais, importante discussão tem-se sobre a responsabilidade civil de cada um dos agentes de tratamento dos dados da LGPD, sendo razoável destacar a disposição do Código Civil no tocante a responsabilidade objetiva, nos termos do parágrafo único, do artigo 927, quando será irrelevante a existência de culpa para aquele que exerce atividade que, por sua natureza, envolve direitos de outrem.

Nesse particular, não se enquadrará o contrato firmado entre controlador e operador de dados pessoais na seara da responsabilidade objetiva, quando pelo instrumento contratual e com base na legislação vigente ficar demostrado que um ou outro não agiu dentro do pactuado, verificando-se, assim, a existência de excludente de responsabilidade, com constatação de responsabilidade subjetiva, levando-se em consideração a culpa, que irá variar de caso a caso.

Desta forma, indispensável se mostra a revisão ou até mesmo a elaboração de novos contratos entre controlador e operador, para que uma vez demonstrada a culpa de um ou outro, passe a existir a possibilidade de direito de regresso contra aquele que indenizar o titular do dado pelo tratamento indevido ou vazamento de informações não permitidas por seu titular.

A fixação do piso salarial em múltiplos do salário mínimo não viola dispositivos constitucionais

Fixação do piso salarial em múltiplos do salário mínimo não viola dispositivos constitucionais - Coelho & Dalle

Por Ítala Ribeiro

O inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal assegura que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social,  salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Já a orientação jurisprudencial nº 71 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, com redação de 22 de novembro de 2004 revela que “a estipulação do salário profissional em múltiplos do salário mínimo não afronta o art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, só incorrendo em vulneração do referido preceito constitucional a fixação de correção automática do salário pelo reajuste do salário mínimo”.

No mesmo sentido a súmula vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, editada em abril e 2008, disciplina que “salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

Neste cenário, cabe mencionar o que diz a Lei nº 4.950-A/66 que dispõe sobre a remuneração de profissionais diplomados em engenharia, química, arquitetura, agronomia e veterinária, fixando o salário-base mínimo de seis vezes o maior salário-mínimo comum vigente no País, para os profissionais elencados supra com curso universitário de mais de quatro anos de duração e salário-base mínimo de cinco vezes o maior salário-mínimo comum vigente no País, para as mesmas categorias profissionais com curso universitário de menos de quatro anos de duração.

Diante de tais considerações, tanto o Tribunal Superior do Trabalho quanto o Supremo Tribunal do Trabalho esclarecem que nada impede que o piso salarial seja fixado em múltiplos do salário mínimo, apenas incorrendo em violação constitucional a vinculação da correção automática do salário ao reajuste do salário mínimo.

Sob esta ótica, o salário mínimo não pode ser fator de indexação para reajustes salariais, podendo, entretanto, ser múltiplo para estipulação do piso salarial de determinada categoria profissional, se encerrando toda discussão sobre a constitucionalidade da Lei nº 4.950-A/66.