É possível a apreensão de passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por conta de dívida civil?

O aumento da inadimplência, no primeiro trimestre de 2025, reflete os desafios econômicos enfrentados pelas famílias brasileiras, como as altas taxas de juros e inflação sentidas no Brasil. Esses fatores impactam diretamente na capacidade de pagamento dos consumidores, exigindo atenção de autoridades e instituições financeiras para mitigar os efeitos negativos na economia brasileira.

Segundo dados da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, a maior concentração da inadimplência brasileira se encontra no jovem, adulto, na faixa etária de 30 a 39 anos, representando aproximadamente 23,76% do total de endividados no Brasil. O setor bancário lidera a inadimplência, representando um percentual equivalente a 66,74% das dívidas brasileiras, só no primeiro trimestre de 2025.

Em razão desta situação, tem se tornado cada vez mais comum, para os que militam no Judiciário em defesa dos credores, a busca por medidas judiciais atípicas visando o adimplemento perseguido.  

Por isso é que a possibilidade de apreensão de documentos pessoais, como o passaporte e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no âmbito da execução civil, tem gerado intensos debates jurídicos, especialmente à luz dos princípios constitucionais da liberdade de locomoção, dignidade da pessoa humana e efetividade da jurisdição.

O fundamento legal utilizado para tais medidas encontra respaldo no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que o juiz poderá determinar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária“.

Esse dispositivo confere ao magistrado certa margem de discricionariedade na condução do processo executivo, permitindo a adoção de medidas atípicas desde que sejam adequadas, necessárias e proporcionais, com o objetivo de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.

A constitucionalidade dessas medidas, em especial a apreensão de passaporte e CNH, foi objeto de recente decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5941/DF, que ressalvou a sua inaplicabilidade, apenas, para (a) dívidas irrisórias, ante a gravidade da reprimenda aplicada; e, (b) dívidas trabalhistas e tributárias, pois possuem regramento próprio de cobrança dos valores.

O Supremo recomendou que a aplicação das medidas atípicas visando o recebimento de crédito não podem prejudicar a atividade profissional do devedor, que trabalhe, por exemplo, dirigindo veículo ou viajando internacionalmente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tem um entendimento uniforma, ora tendo decisões que admitem, ora rejeitam essas medidas, sempre com base na análise do caso concreto. Em alguns precedentes, a Corte entendeu ser cabível a apreensão da CNH e do passaporte de devedores que apresentem indícios de comportamento fraudulento ou que ostentem alto padrão de vida, ao mesmo tempo em que se esquivam do cumprimento de obrigações.

Os Tribunais brasileiros vêm adotando as medidas atípicas nos processos executivos, a depender do caso concreto, alegando a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional prestada.

Portanto, embora haja respaldo legal no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil para adoção de medidas atípicas na execução civil, sua aplicação deve ser feita com cautela, caso a caso, e com observância aos princípios constitucionais, especialmente o da proporcionalidade. A apreensão de passaporte e CNH, por si só, não pode ser generalizada como medida coercitiva válida para forçar o pagamento de dívida civil, devendo o Poder Judiciário avaliar sua real necessidade e adequação à luz das garantias fundamentais.