Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família, decide STJ

Em decisão recente, de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele receba a proteção da impenhorabilidade de bem de família, conforme previsto pela Lei 8.009/1990. A decisão foi tomada em um recurso especial (REsp 2.142.338) interposto por um credor que alegava fraude à execução após a devedora ter doado um imóvel para seus pais.

A controvérsia começou quando a devedora, antes de ser citada no processo de execução, mas já ciente de sua inclusão no polo passivo, transferiu a propriedade de um imóvel para seus pais. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse reconhecido fraude à execução, a penhora foi afastada, pois o imóvel em questão já havia sido ocupado pelos pais da devedora desde 2014, antes mesmo da execução da dívida, e continuaram a residir ali.

No âmbito do STJ, o credor alegou que a doação se tratava de fraude à execução, defendendo que o imóvel não deveria ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família, já que havia sido doado. No entanto, a ministra Nancy, relatora do caso, destacou que a análise para verificar a fraude à execução deve se basear na mudança da destinação original do imóvel. Nesse caso, como o imóvel já era utilizado como residência da família e continuou sendo utilizado para o mesmo fim após a doação, não há razão para a perda da proteção conferida pela lei.

A ministra ressaltou que, de acordo com o art. 5º da Lei 8.009/1990, para que o imóvel seja protegido, basta que seja o único bem da família e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente, independentemente de ser o devedor quem resida no local. No caso em questão, o fato de os pais da devedora possuírem usufruto vitalício do imóvel, usufruindo do direito de morar ali, foi considerado suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família.

Portanto, o STJ entendeu que a proteção de bem de família é válida mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que o bem seja o único da família e seja utilizado para moradia permanente, como estabelece a legislação. A decisão reafirma a importância da Lei 8.009/1990 no resguardo da moradia familiar, evitando que a residência seja alvo de penhoras em caso de dívidas, desde que atendidos os critérios legais. O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois reforça a proteção do patrimônio familiar e a segurança jurídica das famílias que utilizam seus bens para moradia, assegurando que imóveis destinados ao abrigo familiar não sejam usados de forma indevida para o pagamento de dívidas, mesmo quando transferidos para outros membros da família.

Criptografia de ponta a ponta não afasta responsabilidade solidária do whatsapp em caso de vazamento de conteúdo íntimo, decide STJ

A Ministra Nancy Andrighi consolidou a responsabilidade solidária do aplicativo de mensagens whatsapp aplicando as normas do Marco Civil da Internet diante da ausência de remoção imediata de conteúdo íntimo compartilhado após término de relacionamento amoroso.

O Marco Civil da Internet, legislação em vigor desde 2014, estabelece, em regra, a ausência de responsabilidade do provedor de aplicações de internet por conteúdos gerados e divulgados por terceiros.

Porém, como exceção, firma o dever de remoção do conteúdo mediante ordem judicial. Caso o provedor não tome as providências necessárias para tornar indisponível o material ilícito, será, então, responsabilizado civilmente pelos danos gerados.

A legislação também excepciona de forma mais específica, tratando da violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de imagens ou vídeos contendo cenas de nudez ou atos sexuais, assinando que basta que o provedor seja notificado para que possua o dever de remoção imediata do conteúdo, sob pena de responsabilização solidária.

O cuidado do legislador se alinha com a necessidade de proteção da vida privada em meios céleres de compartilhamento de informações, onde o alcance e consequente lesividade possuem impactos significativos.

Foi exatamente nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 2.172.296-RJ em 04/02/2025, decidiu que “O provedor do aplicativo de mensageria privada (WhatsApp) responde solidariamente quando, instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo relacionado a imagens íntimas compartilhadas sem autorização (pornografia de vingança), não toma providências para mitigar o dano.

Ao entender pela responsabilização, o STJ considerou que a empresa Meta, responsável pelo whatsapp, violou a legislação brasileira ao não remover conteúdo sexual compartilhado após ordem judicial, alegando impossibilidade técnica diante da criptografia de ponta a ponta que lhe impossibilitaria de ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas.

O entendimento do STJ tem sido construído no sentido de ser avaliado se realmente há uma impossibilidade tecnológica ou uma resistência dos provedores para evitar acusações de censura ou violação da liberdade de expressão. Além da necessidade de perícia para comprovação da alegação, um dos parâmetros utilizados é se há medidas técnicas alternativas a serem aplicadas pelos provedores de aplicações na internet para mitigar ou estancar o dano sofrido pela vítima e se tais providências foram tomadas.

No caso concreto submetido ao exame do Tribunal Superior, os Julgadores destacaram que o aplicativo deixou de adotar medidas equivalentes para eliminar ou mitigar o dano, como por exemplo a suspensão ou banimento das contas infratoras, considerando que os violadores eram plenamente identificáveis.

Dessa forma, ainda que a regra seja a responsabilidade exclusiva do usuário que divulgou o conteúdo ilícito, tem-se consolidada a possibilidade de responsabilização solidária do provedor de internet que tente se isentar dos seus deveres de segurança digital ao alegar impossibilidades técnicas não comprovadas, ausente a diligência esperada para mitigação das graves violações denunciadas.


Por: Mayara Morais

Reconhecimento da filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a possibilidade de constituição da filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade. Tal entendimento representa um avanço notório na interpretação dos laços familiares, ao superar a relação meramente biológica e reconhecer a importância dos vínculos afetivos e de convivência que se consolidam ao longo da vida.

Observa-se, atualmente, que as configurações familiares são cada vez mais diversas. Frequentemente, os laços que de fato moldam a vida dos indivíduos não se restringem à genética, mas fundamentam-se na convivência, no afeto e no apoio mútuo. Nesse contexto, o reconhecimento da filiação socioafetiva reflete a realidade social contemporânea, em que o amor e a dedicação têm o mesmo valor de uma relação biológica. Para o colegiado, a declaração de filiação nessas hipóteses – com efeitos diretos no registro civil do filho socioafetivo – não encontra qualquer óbice legal.

A análise do caso evidenciou que a relação construída por meio do convívio diário, marcada pelo cuidado, suporte emocional e participação ativa na formação do neto, pode se consolidar como um verdadeiro vínculo familiar. Esse posicionamento permite que relações que transcendem o laço sanguíneo sejam valorizadas e protegidas, reafirmando que o Direito de Família deve acompanhar a evolução das relações interpessoais.

Do ponto de vista prático, a decisão pode gerar importantes impactos na vida de diversas famílias. Em muitos casos, os avós desempenham papel crucial no desenvolvimento e na educação dos netos, especialmente em situações em que a presença dos pais é limitada ou ausente. Dessa forma, o reconhecimento legal desses vínculos não apenas confere segurança jurídica às relações afetivas, mas também facilita a condução de processos relacionados à guarda, visitas e até mesmo questões sucessórias. Ademais, a discussão do tema contribui para a redução de conflitos familiares e a promoção de um ambiente mais justo e acolhedor para todos os envolvidos.

É importante destacar, entretanto, que o reconhecimento da filiação socioafetiva não se efetiva de forma automática. É imprescindível comprovar, de maneira robusta, a existência dos laços afetivos e a efetiva convivência que caracterizem essa relação. Tal exigência reforça a necessidade de uma análise criteriosa por parte do Judiciário, que deverá avaliar cada caso de acordo com suas particularidades, evitando a banalização do instituto.

Durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, enfatizou a distinção entre os termos “adoção” e “filiação”. Segundo a relatora, o artigo 42, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a adoção de netos pelos avós, enquanto a filiação socioafetiva – na qual não ocorre a destituição do poder familiar decorrente de vínculo biológico anterior – possibilita o reconhecimento, inclusive, de filiação de maiores de 18 anos. Ainda, ressaltou a possibilidade de reconhecimento mesmo quando o filho já tiver a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, considerando a viabilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.

Dessa forma, a decisão evidencia o aprimoramento do sistema judiciário ao acompanhar as transformações sociais contemporâneas, acolhendo os diversos modelos de família presentes em nossa sociedade por meio dos instrumentos jurídicos adequados.

Geolocalizador de celular comprova má-fé de trabalhador em reclamação trabalhista

A aplicação de ferramentas tecnológicas na seara jurídica vem auxiliando os Juízos a perseguirem a obediência ao Princípio da Primazia da Realidade, o qual objetiva fazer valer a realidade em detrimento de qualquer documento.

Em diversos casos levados à Justiça do Trabalho, diante de alegações conflitantes das partes envolvidas no litígio foi possível dirimir as questões controvertidas com o auxílio de ferramentas tecnológicas.

No caso em comento, um ex-funcionário, alegando que continuava a trabalhar após registrar a saída no cartão de ponto, pleiteou o recebimento de horas extras e a invalidade dos controles de jornada enquanto a empresa se defendeu sob o argumento de que as horas registradas nos cartões de ponto correspondiam à realidade.

O douto juízo da Vara do Trabalho de Embu das Artes/SP recorreu ao uso de tecnologia para resolver a divergência nas alegações das partes, solicitando informações à empresa responsável pelo transporte dos trabalhadores, às operadoras de telefonia Vivo, Claro e TIM, e ao Google, constatando que em que pese as alegações do trabalhador, o geolocalizador do celular indicou que ele não estava na empresa após os horários registrados como término da jornada.

Dessa forma, o juiz Régis Franco e Silva de Carvalho, impôs ao reclamante uma condenação ao pagamento de multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça, uma vez que, com as informações recebidas foi feita a comparação entre os horários registrados nos cartões de ponto e os dados de geolocalização obtidos pelas operadoras de telefonia, com base no número do celular do reclamante, constatando que as alegações do trabalhador eram falsas.

Para o magistrado, “o reclamante agiu de maneira manifesta e dolosa, com o intuito de induzir o juízo a erro e obter vantagem indevida, configurando, portanto, o ato atentatório à jurisdição”. Diante disso, ele determinou o pagamento de multa à União de 20% do valor da causa, destacando que a penalidade é necessária para desfazer a ideia equivocada de que é possível mentir em juízo sem consequências.

Além disso, o juiz condenou o trabalhador a pagar uma multa de 9,99% do valor da causa à empresa, por alterar a verdade dos fatos, apresentar pretensão contra fato incontroverso, utilizar o processo para fins ilícitos e agir de maneira temerária. Também determinou o envio de ofício às Polícias Civil e Federal, assim como aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, para investigar possíveis crimes de calúnia, denunciação caluniosa, falsidade ideológica e estelionato.

Por fim, o juiz mencionou a existência de processos similares com potencial para caracterizar litigância predatória. Em conformidade com a recomendação do Conselho Nacional de Justiça para adotar medidas preventivas contra a judicialização predatória e possíveis cerceamentos de defesa, determinou ainda o envio de ofício à Comissão de Inteligência do TRT-2.

Justiça Federal suspende janela de abertura e determina ajustes na Resolução ANTT nº 6.033/2023

Em 17 de janeiro, a 6ª Vara Federal Cível da SJDF concedeu tutela antecipada para suspender, por 60 dias, a janela de abertura extraordinária do mercado de transporte rodoviário interestadual prevista na Resolução ANTT nº 6.033/2023. Determinou que, neste prazo, a Agência promova ajustes na norma, que deverão passar por análise do Juízo e do Ministério Público Federal antes de sua implementação.

A decisão foi proferida em Ação Civil Pública movida pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (AMOBITEC) contra a ANTT. A entidade argumenta, em suma, que a Resolução fere dispositivos da Lei nº 10.233/2001, da Constituição Federal e do Decreto nº 10.157/2019, por, segundo afirma, restringir o ingresso de novos operadores ao limitar a outorga de autorizações.

A ANTT, por sua vez, aduz que a Resolução busca ordenar a entrada das empresas no mercado, sem prejudicar a competitividade ou a estabilidade dos serviços. Registra, ainda, que as janelas de autorização e a classificação dos mercados em níveis consistem em medidas técnicas para assegurar eficiência e viabilidade econômica. A Agência apresentou pedido de reconsideração e, também, interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória.

Vale ressaltar que a Lei nº 10.233/2001 dispõe que a garantia de viabilidade (técnica, operacional e/ou econômica) deverá servir como limite ao número de autorizações concedidas. Esta regra possui o objetivo de preservar a continuidade, a qualidade e a segurança dos serviços, além de compatibilizá-los com a realidade do mercado nos aspectos de infraestrutura e mobilidade – razão pela qual deve ser observada mesmo na hipótese de ajuste da normativa vigente.


Por: Hérvila Batista e Jamille Santos

Tribunal de Justiça de São Paulo recusa pedido de mulher para voltar a utilizar sobrenome do ex-marido após divórcio.

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de alteração de uma mulher que desejava retomar a utilização do sobrenome de seu ex-marido após o divórcio. A decisão foi prolatada pela 3ª Vara de Itapecerica da Serra e confirmada pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado.

Em seu pleito, a requerente alegou que o sobrenome do ex-marido era parte de sua identidade na esfera profissional e social, afirmou também que seus filhos não possuíam seu sobrenome de solteira, causando-lhe dificuldades no tocante ao acesso de benefícios assistenciais.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo destacou que, no Brasil, a identidade familiar, simbolizada pelo compartilhamento de sobrenomes, é uma tradição cultural. O Tribunal ressaltou que a legislação atual permite que ambos os cônjuges alterem seus sobrenomes ao se casar ou formar união estável de forma extrajudicial. Contudo, em caso de dissolução do vínculo, é permitido manter o sobrenome adquirido, mas não é possível adicioná-lo novamente após o retorno ao nome de solteiro, uma vez que a relação familiar que motivava a alteração deixou de existir.

Levando em consideração a Lei de Registros Públicos, o Desembargador relator concluiu que o pedido não se enquadra nas situações permitidas pela legislação para alteração de nome. Isso porque o que deu origem a esse direito – o direito à identidade familiar – não existe mais. Esse é, de fato, o ponto central do debate. Sem casamento ou união estável e com a pessoa já utilizando seu nome anterior, não há mais justificativa para o uso do sobrenome do ex-cônjuge.

Além disso, o vínculo de parentesco não depende do compartilhamento de sobrenomes. A filiação, por exemplo, é comprovada pela certidão de nascimento, como prevê o artigo 1.603 do Código Civil, e não pela uniformidade dos sobrenomes. Embora possa causar algum desconforto social ver sobrenomes diferentes dentro de uma mesma família, essa é uma questão cultural, sem embasamento jurídico.

É importante equilibrar a autonomia da vontade e a segurança jurídica. Com os avanços tecnológicos, é possível identificar pessoas de forma eficiente, independentemente do nome. Garantir que as decisões sejam juridicamente seguras e alinhadas à legislação vigente é essencial para proteger as relações jurídicas.

Diante do exposto, conclui-se que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo reflete a necessidade de se respeitar os limites legais impostos pela legislação vigente, especialmente no que tange à alteração de sobrenomes após o divórcio. Embora a requerente tenha alegado razões de ordem social e profissional, a lei brasileira é clara ao condicionar o uso do sobrenome adquirido ao vínculo familiar que lhe deu origem, o qual, no caso em questão, não mais subsiste. Ademais, a ausência de uniformidade nos sobrenomes de membros de uma mesma família não compromete juridicamente os vínculos de parentesco, que são devidamente reconhecidos por outros instrumentos legais, como a certidão de nascimento. Assim, a decisão ressalta a importância de equilibrar a autonomia individual com a segurança jurídica, garantindo que os princípios e diretrizes legais sejam aplicados de forma consistente e justa.

Conselho Federal de Medicina lança o Atesta CFM: plataforma digital obrigatória para emissão de atestados médicos

O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 2.382/2024, instituiu novas regras para emissão e validação de atestados médicos, inclusive de saúde ocupacional, em todo o território nacional. A resolução foi publicada em 06 de setembro de 2024, passando a vigorar em 05 de novembro do mesmo ano, passando a ser obrigatória a partir de 05 de março de 2025.

A medida visa unificar a gestão dos atestados, com maior ênfase em impedir fraudes decorrentes de falsificações de atestados, sobretudo, nas relações trabalhistas. A plataforma deve funcionar como prontuário médico digital, permitindo o acesso a todos os documentos emitidos em nome do paciente e será utilizada para emissão de: atestado médico de afastamento, atestado de acompanhamento, declaração de comparecimento, atestado de saúde e atestado de saúde ocupacional (ASO).

A ferramenta permite que as empresas tenham acesso aos atestados de seus colaboradores de forma online, podendo ser utilizada para: gerenciar suas assinaturas, administrar dados de empresa, consultar atestados, cadastrar colaboradores, controlar acessos da equipe de RH e acompanhar estatísticas. O sítio eletrônico tem o acesso fragmentado para os interessados, quais sejam, os médicos, os pacientes e as empresas.

Quanto a emissão de atestados, na prática, o profissional de saúde precisará acessar a plataforma, preencher seus dados e autenticar o documento a ser emitido de forma digital ou física, este último, em casos com acesso limitado à internet. Nas situações de atestados físicos, os dados do paciente e do atestado serão cadastrados na plataforma quando o profissional tiver acesso à internet.

As empresas devem assinar o Termo de Adesão e criar uma conta na plataforma do Atesta CFM para ter acesso aos serviços disponíveis. Os serviços básicos de gestão de cadastro e validação de atestados são gratuitos, todavia, a organização que desejar ter acesso a recursos mais avançados como dados estatísticos sobre a saúde dos colaboradores, poderão contratar um plano empresarial.

Cabe registrar que em 04 de novembro de 2024, em decisão liminar nos autos da ação 1087770-91.2024.4.01.3400, que tramita na 3ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, o Juízo Federal determinou a suspensão dos efeitos da resolução que instituiu a plataforma, sob fundamentação de que o órgão de classe médica atravessou a competência legislativa da União Federal ao determinar a obrigatoriedade da plataforma.

O Conselho Federal de Medicina publicou nota registrando a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que suspende a plataforma, a fim de retomar os efeitos da resolução suspensa. O deslinde da ação deve ser aguardado.

Por Ana Letícia Franco

Falta de provas sobre nexo causal impede caracterização da Covid-19 como doença ocupacional

Em recente decisão a 17ª Turma do TRT da 2ª Região manteve a sentença que negou o pedido de danos morais e materiais à família de operador portuário falecido em decorrência da infecção em razão da ausência de nexo causal comprovado, não havendo que se falar em doença ocupacional.

A ausência de comprovação do nexo causal entre a contaminação por Covid-19 e as atividades laborais do trabalhador impede que a doença seja caracterizada como ocupacional. Essa decisão tem grande relevância para empresas, uma vez que estabelece parâmetros claros para a responsabilidade trabalhista em relação à pandemia.

O artigo 20 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a doença ocupacional é equiparada ao acidente do trabalho quando adquirida em razão das condições do trabalho. Contudo, para tal reconhecimento, é imprescindível comprovar o nexo causal entre a enfermidade e as atividades realizadas no ambiente laboral.

No presente caso, a esposa e os filhos do trabalhador pleiteavam indenização em razão da morte do trabalhador, sob o argumento de que ele pertencia ao grupo de risco e que contraiu a Covid-19 no ambiente de trabalho, porém não anexaram provas suficientes aos autos. 

Em sede de defesa, a empresa empregadora produziu provas robustas, a exemplo do depoimento da médica do trabalho que revelou que o autor havia jantado com a mãe, infectada pela Covid-19, dias antes do obreiro apresentar sintomas. Ainda, nos dias seguintes, o obreiro esteve de folga, o que aumentou as chances de contaminação fora da empresa. E, apenas quando retornou ao trabalho, percebeu os primeiros sintomas e foi afastado no mesmo dia, ainda sem ter realizado o teste que comprovaria a infecção.

A produção de provas é uma etapa fundamental no curso de uma reclamação trabalhista, principalmente em casos com a alegação de acidente de trabalho. Sendo o ônus da prova de comprovar o nexo causal da parte autora, que não comprovou de forma robusta o vínculo direto entre a exposição no ambiente de trabalho e a contaminação pelo vírus.

O nexo causal é elemento indispensável para a caracterização do acidente de trabalho, incluindo lesão corporal, perda ou redução da capacidade para o trabalho ou morte, desde que a causa tenha sido decorrente do ambiente de trabalho. Ou seja, não comprovada a ocorrência de nexo causal ou concausa entre quadro clínico do trabalhador e a atividade exercida por força do contrato de emprego, resta indevida a pretensão de indenização por dano moral e pensão vitalícia por doença ocupacional.

A decisão é favorável para as empresas, especialmente aquelas que adotaram medidas preventivas para garantir a segurança de seus colaboradores e de seus clientes durante a pandemia, não podendo as empresas serem responsabilizadas pelos comportamentos de seus funcionários fora do estabelecimento de trabalho.  

Este julgamento reafirma a necessidade do equilíbrio entre os direitos do trabalhador e a segurança jurídica para as empresas, sendo de suma importância que as empresas continuem firmando o compromisso com a saúde e segurança no ambiente laboral, implementando políticas eficazes e mantendo registradas todas as ações tomadas em prol da segurança de seus funcionários.


Por: Danívia Souza

Venda de imóvel em inventário pode ser realizada por escritura pública, sem autorização judicial, de acordo com a Resolução nº 571/2024 do CNJ

A Resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trouxe uma mudança relevante ao permitir a venda de imóveis em inventário sem a necessidade de autorização judicial. Antes dessa alteração, qualquer alienação de imóvel exigia a obtenção do alvará judicial, após análise do juiz responsável, o que tornava o processo mais burocrático.  Agora, com a nova regra, a venda pode ser feita diretamente por escritura pública, desde que sejam cumpridas algumas condições previstas no Art. 11-A da Resolução, que visam garantir a conformidade do procedimento e a proteção dos direitos dos herdeiros. São elas:

  • Discriminação das despesas do inventário: é necessário listar todas as despesas do processo, incluindo impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos de cartório e outros custos necessários à conclusão do inventário;
  • Vinculação do preço ao pagamento das despesas: parte ou todo o valor obtido com a venda do imóvel deve ser destinado ao pagamento das despesas mencionadas no item anterior;
  • Ausência de indisponibilidade dos bens dos herdeiros ou cônjuge: não pode haver restrições judiciais que impeçam a alienação dos bens, sejam dos herdeiros ou do cônjuge sobrevivente;
  • Apresentação das guias de impostos de transmissão: o inventariante deve apresentar todas as guias de impostos de transmissão devidas, com seus valores específicos, demonstrando que os tributos foram devidamente pagos;
  • Estimativa dos emolumentos notariais e registrais: a escritura deve incluir uma estimativa dos custos relacionados aos emolumentos notariais e registrais, indicando quais cartórios forneceram os orçamentos para esses serviços; e
  • Prestação de garantia pelo inventariante: o inventariante deve oferecer uma garantia, seja real ou fidejussória, para assegurar que o valor obtido com a venda será utilizado no pagamento das despesas do inventário.

De acordo com os parágrafos adicionais do Art. 11-A da Resolução, ainda, o pagamento das despesas do inventário, como impostos, honorários e emolumentos, deve ser feito em até um ano após a venda do imóvel do espólio, embora esse prazo possa ser reduzido por acordo entre as partes. Após a quitação dessas despesas, a garantia prestada pelo inventariante, seja real ou fidejussória, é extinta. Em que pese o imóvel vendido antes da partilha não faça mais parte da divisão de bens, ele deve ser registrado no inventário para fins de cálculo das cotas dos herdeiros e impostos devidos, sendo a venda formalmente reconhecida no processo, garantindo a transparência e a regularidade do espólio.

Destaca-se, também, que embora a venda sem alvará seja possível, a autorização judicial continua sendo uma alternativa importante, especialmente em casos de disputas entre os herdeiros. A alienação sem o alvará só pode ocorrer com a concordância unânime de todos os herdeiros. Considerando os pontos acima, portanto, fica claro que a Resolução moderniza o processo sucessório, tornando a venda de bens em inventário mais ágil, segura e com menos custos, ao mesmo tempo em que mantém a intervenção judicial quando necessário para garantir a transparência e a segurança do processo.

Julgamento do Artigo 19 do Marco Civil da Internet é Retomado pelo STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no dia 4 de dezembro de 2024, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.037.396, em que discute a constitucionalidade do artigo 19 da Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet. O caso está sendo analisado conjuntamente com o Recurso Extraordinário nº 1.057.258, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, que deverá apresentar seu voto na próxima quarta-feira, 11 de dezembro de 2024.

No Recurso Extraordinário 1.037.396 (Tema 987 da repercussão geral, com relatoria de Toffoli), é discutida a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ele exige o descumprimento de ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização do provedor pelos danos decorrentes de atos praticados por terceiros — ou seja, as publicações feitas por usuários. O caso concreto é o de um perfil falso criado no Facebook.

Já no Recurso Extraordinário 1.057.258 (Tema 533 da repercussão geral, com relatoria do ministro Luiz Fux), é discutida a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários, assim como a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos a partir de notificações extrajudiciais. O caso trata de decisão que obrigou o Google a apagar uma comunidade do Orkut.

O artigo 19, no intuito de preservar a liberdade de expressão e impedir a censura, estabelece que as plataformas digitais somente devem ser responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros se, após ordem judicial específica, não forem adotadas as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em sentido contrário.

De acordo com o Ministro Dias Toffoli, o presente artigo corrobora para imunização das redes sociais e plataformas digitais ao estabelecer que a responsabilização só pode ocorrer após o descumprimento de decisão judicial. Afirmou que essa regra permite que conteúdos prejudiciais permaneçam na internet, causando danos irreparáveis, e defendeu que as mesmas leis aplicadas no mundo físico também sejam válidas no ambiente digital.

Por um lado, há o argumento de que o artigo visa proteger a liberdade de expressão ao evitar que plataformas se tornem mecanismos de censura, prevenindo remoções arbitrárias de conteúdos e garantindo o debate público e, em sentido contrário, há quem defenda que a manutenção da regra dificultaria a responsabilização de provedores em razão de danos causados por conteúdos ilícitos, tais como discursos de ódio, “fake news” e até mesmo crimes contra a honra.

A lógica do artigo 19 consiste no equilíbrio entre a liberdade de expressão e responsabilidade. Em vez de dar às plataformas poder irrestrito de decidir o que permanece online ou não, exige uma ordem judicial para que a remoção seja feita. A ideia é que um juiz, como figura imparcial, decida se determinado conteúdo realmente viola a lei.

Caso o artigo 19 seja declarado inconstitucional, a principal consequência consiste no aumento da responsabilidade das plataformas digitais sobre os conteúdos publicados por terceiros. Isso poderia levar a um comportamento de “censura preventiva”, em que as empresas, para evitar litígios e responsabilidades, removam conteúdos de forma indiscriminada, mesmo sem uma análise criteriosa sobre sua legalidade. Essa prática teria um efeito direto na liberdade de expressão, resultando na limitação do debate público e na retirada de conteúdos legítimos por simples precaução.

Outro efeito preocupante é a criação de um ambiente de incerteza jurídica para as empresas que operam no Brasil. Sem o respaldo de uma norma que estabelece critérios claros para a responsabilização, as plataformas poderiam enfrentar uma avalanche de ações judiciais, muitas vezes contraditórias. Isso não apenas dificultaria o cumprimento de suas funções, mas também poderia desestimular investimentos em inovação e tecnologia no país, prejudicando o ecossistema digital como um todo.

Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade beneficia vítimas de abusos, como difamações e violações de privacidade, ao permitir uma resposta mais ágil e efetiva contra conteúdos lesivos. Atualmente, a exigência de uma ordem judicial muitas vezes retarda a solução do problema, prolongando os danos sofridos pelas vítimas. Sem essa limitação, as plataformas seriam compelidas a agir de maneira mais célere e proativa.

O desafio, no entanto, consiste em encontrar um equilíbrio entre esses interesses conflitantes. A inexistência de critérios claros para a remoção de conteúdos pode gerar arbitrariedades e violações de direitos fundamentais, tanto por parte das plataformas quanto pelo risco de judicialização excessiva.

Durante a sessão, o Ministro Dias Toffoli, continuou a leitura de seu voto, iniciado em 28 de novembro, afirmando que o modelo de responsabilidade previsto no artigo 19 é inconstitucional, pois não oferece proteção efetiva aos direitos fundamentais no ambiente virtual e não está apto a enfrentar os riscos sistêmicos surgidos com as novas tecnologias e modelos de negócios.

O ministro destacou que a norma confere uma espécie de imunidade às plataformas digitais, que só podem ser responsabilizadas se descumprirem uma ordem judicial para retirada de conteúdo. Ele argumentou que essa configuração acoberta a violência digital e que a responsabilização é um mecanismo importante para desestimular condutas ilícitas.

Toffoli também mencionou que diversos ataques a escolas e à democracia foram previamente anunciados em redes sociais ou em grupos públicos de mensagens, sem que os serviços tomassem medidas para bloqueá-los. Ele sugeriu que, caso seu entendimento prevaleça, a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros seja baseada no artigo 21 do Marco Civil, que prevê a retirada de conteúdo após simples notificação, especialmente em casos de divulgação não autorizada de imagens íntimas.

O julgamento foi suspenso e retomado em 5 de dezembro de 2024, com a continuação do voto do ministro Dias Toffoli, oportunidade em que votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Em razão do julgamento conjunto com o RE 1057258, de relatoria do Ministro Luiz Fux, atualmente aguarda-se a apresentação do voto que tratará de questões complementares relacionadas à aplicação do dispositivo. O julgamento conjunto foi decidido para garantir uniformidade no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade das plataformas digitais e os limites da moderação de conteúdo.

Os próximos passos incluem a manifestação dos demais ministros do colegiado, que deverão votar para formar a maioria quanto à constitucionalidade ou não do dispositivo. O resultado terá impactos diretos na regulação das plataformas digitais, na proteção de direitos fundamentais como liberdade de expressão e privacidade, e no combate à disseminação de conteúdos ilícitos na internet.

A decisão do STF poderá também servir como parâmetro para o futuro desenvolvimento legislativo sobre o tema, influenciando debates nacionais e internacionais sobre regulação de plataformas e responsabilidade de provedores de internet.


Por: Beatriz Vinesof