Notificação por e-mail, em ação de busca e apreensão, não comprova mora do devedor

“Em julgamento do REsp 2022423, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, estabeleceu que, em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei 911/1969, é inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail. 

Sabe-se que é crescente uso de ferramentas digitais para o exercício da comunicação, inclusive, o judiciário vem adotando medidas para o acesso rápido e econômico, tais como Juízo 100% Digital, o Balcão Virtual, a Plataforma Digital do Poder Judiciário, a Base de Dados Processuais do Poder Judiciário (DataJud) e a implantação do sistema Codex, que consolida bases de dados processuais para prover conteúdo textual de documentos.

Neste ponto  afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi “Se é verdade que, na sociedade contemporânea, tem crescido o uso de ferramentas digitais para a prática de atos de comunicação de variadas naturezas, não é menos verdade que o crescente uso da tecnologia para essa finalidade tem de vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde àquilo que se afirma estar contido na mensagem e que houve o efetivo recebimento da comunicação”

Seguindo este entendimento que se firmou a tese de que em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei nº 911/1969, seria inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail, negando provimento ao recurso especial de um banco contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

Em análise ao caso concreto, cumpre salientar que o Banco Recorrente, arguiu a tese de que a comunicação dirigida ao endereço eletrônico seria válida para constituir em mora o devedor fiduciante, oportunidade na qual tais fatos seriam comprovados ao desenvolver da instrução processual.

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia, comumente utilizada nos empréstimos bancários. Nesta modalidade o devedor dá como garantia propriedade, ao passo que mantém a posse direta do bem, ficando a instituição financeira credora e proprietária até que seja realizado o adimplemento de todas as parcelas do financiamento/empréstimo pelo Devedor.

Em caso de inadimplemento do Devedor, o Decreto-Lei nº 911/1969 faculta ao credor o ajuizamento de ação de busca e apreensão, conforme prevê o artigo 3º da referida lei, para que possa vender o bem a terceiro, e aplicar o valor obtido em seu crédito e nas despesas decorrentes, devolvendo o percentual restante ao Devedor.

Ocorre que, a fim de viabilizar a concessão de liminar na ação de busca e apreensão, seria necessária a comprovação da mora, nos termos do § 2º do art 2.º do Decreto-Lei nº 911/1969.

Anteriormente, exigia-se a comprovação da constituição em mora por carta registrada em cartório ou por meio de protesto do título, entretanto, após a alteração do Decreto-Lei nº 911/1969 pela Lei nº 13.043/2014, passou-se a permitir o envio de “carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.”

Neste ponto, embora a alteração da lei possibilitasse a flexibilidade quanto ao meio de comprovação de mora, destaca a ministra Nancy Andrighi que a alteração do decreto “não pode ser interpretada como se a partir de então houvessem múltiplas possibilidades à disposição exclusiva do credor, como, por exemplo, o envio da notificação por correio eletrônico, por aplicativos de mensagens ou redes sociais”

Desta feita, em que pese seja comprovado o recebimento e leitura pelo Devedor, este meio de constituição de mora não seria possível nesta hipótese, uma vez que não seria possível considerar que, com o envio por e-mail, a notificação extrajudicial atingiu a sua finalidade, pois a ciência inequívoca quanto ao recebimento demandaria o exame de vários aspectos, tais como: existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, o efetivo uso da ferramenta por parte dele, estabilidade e segurança da ferramenta de e-mail, entre outros. Desse modo, por unanimidade, fora conhecido em parte do recurso especial interposto pelo Banco para negar-lhe provimento, sendo firmada a tese de que “Notificação por e-mail, em ação de busca e apreensão, não comprova mora do devedor”.

STJ fixa prazo para emissora guardar registros televisivos em arquivo

No julgamento do REsp 1.602.692, ocorrido em 03/10/2023, a 3ª turma do STJ fixou que emissora de televisão deve guardar registros televisivos em arquivo, com vistas a fomentar eventual ação de responsabilidade civil, até prescrição ou decadência do direito correspondente aos atos nele consignados.

O colegiado ressaltou, ainda, que nos casos que a lei não tenha fixado um prazo específico deve incidir, por analogia, a disposição contida no art. 1.194, do CC.

No caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça guiando-se pelo entendimento supracitado, negou seguimento ao recurso especial da emissora, mantendo incólume as decisões proferidas em instâncias inferiores, que determinaram a entrega de mídia referente  a reportagem exibida em novembro de 2010.

Em seus argumentos meritórios, a emissora alegou que, no momento da solicitação da entrega, o arquivo que continha a reportagem havia sido destruído e que inexistira obrigação legal  de apresentar o arquivo requerido, nos termos do artigo 71, parágrafo 3º do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), que prevê que o material deve ser guardado por apenas 20 dias.

No entanto, em que pese os argumentos trazidos em sede recursal, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva observou que essa regra teria a finalidade única de assegurar a aplicação das penalidades cabíveis às emissoras nos âmbitos administrativo e criminal, não tendo nenhuma relação com eventual transgressão ao direito de terceiros.

Neste sentido, em razão da inexistência de norma acerca do prazo para manutenção e guarda dos materiais, entende o Superior Tribunal de Justiça que se deve, por analogia, aplicar o 1.194 do Código Civil, segundo o qual o empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Assim, de acordo com a recente decisão, ainda transitada em julgado, devem os canais brasileiros de televisão manter em arquivo todo seu conteúdo exibido pelo prazo mínimo de três anos, considerando ser este o prazo prescricional indicado pelo Código Civil no que tange à reparação por responsabilidade civil (Art. 206, § 3º, V), sendo recomendável, acaso a decisão se torne definitiva, e conforme o caso, uma revisão dos procedimentos internos das emissoras para manutenção das mídias em seus arquivos pelo prazo mínimo de três anos.

O julgamento pode ser assistido através do link: https://www.youtube.com/watch?v=7CcMHduR_P4 , no minuto 52:00 ao 54:38min.