Acidentes de navegação e a cobertura conferida por seguros marítimos e Clubes P&I (Protection and Indemnity)

O recente acidente envolvendo o navio cargueiro DALI, que em 26 de março de 2024 perdeu a direção e veio a colidir com uma ponte que desabou em Baltimore, nos Estados Unidos, causou grande impacto no setor da navegação marítima.

Diante do acidente de tamanha proporção, o qual já é citado como uma das maiores perdas “seguradas” de todos os tempos, apesar das investigações ainda não terem findado, o sinistro certamente alcançará a casa dos bilhões de dólares, o que nos leva a refletir sobre a importância da contratação de seguro e das suas cláusulas de cobertura, sobretudo considerando que um acidente marítimo traz consequências de diversas naturezas (comercial, civil, penal, trabalhista, ambiental, et cetera).

O transporte marítimo é operação comercial que envolve valores vultuosos relacionados à carga e investimentos e perante um acontecimento inesperado os prejuízos são de grande monta para os envolvidos, de modo que o seguro marítimo é providência indispensável para o desempenho desta atividade.

Como requisito para emissão da apólice de seguro marítimo as embarcações devem ser inspecionadas por entidades classificadoras, as quais fornecem os certificados de classe, com determinada validade, levando em consideração as condições de navegabilidade (seaworthiness). A depender do acidente a embarcação pode sair de classe (pendência de classe).

As entidades classificadoras não são governamentais, mas são creditadas pelas seguradoras e autoridades marítimas mundiais. Elas mantêm banco de dados relacionados às condições das embarcações e nenhuma seguradora fornece o seguro se a embarcação estiver com certificado vencido.

Neste cenário, os clubes P&I, associações sem fins lucrativos criadas por armadores e afretadores para atender seus próprios interesses, surgem como seguro mútuo dos danos não acobertados pelas apólices securitárias convencionais. Neste sistema, todos os membros dos clubes P&I contribuem para suportar os prejuízos de um dos seus membros.

Note-se que as regras dos clubes P&I não se confundem com um contrato de seguro. Estes clubes são verdadeiros fundos de reserva, com correspondentes em praticamente todos os portos do mundo tendo como finalidade a prestação de assistência aos seus membros de forma complementar ao seguro convencional.

Para tanto, os clubes P&I exigem dos seus membros, além dos certificados emitidos por entidades classificadoras, vistoria por peritos nomeados para identificar eventuais pontos de riscos relacionados ao transporte de cargas e de pessoas. A partir desta avaliação, o membro deve pagar um prêmio cuja base de cálculo é a avaliação do risco de sinistro da embarcação.

Sobe o acidente com o navio DALI, que a princípio teria sido causado por uma pane elétrica, tanto o afretador quanto os armadores são membros de Clubes P&I, os quais estão atuando nas providências relacionadas aos danos a terceiros. No tocante aos danos do navio se acionou o seguro de Casco e Máquinas.

Em outras palavras, o custeio dos prejuízos está sendo dividido entre seguradoras e clubes P&I, não havendo indícios de ausência de solidez, apesar da dimensão do sinistro.

Contrato de trabalho marítimo e a importância da repatriação à luz da Convenção do Trabalho Marítimo (MLC-2006)

As regras essenciais que norteiam o direito laboral estão inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que em seus artigos 442 e 443 prevê que o contrato de trabalho pode ser tácito ou expresso.

Sendo que, para a gente do mar, que exerce seu labor de forma confinada a bordo de navio, é conveniente o estabelecimento de regramento específico, por se tratar de categoria diferenciada dadas as peculiaridades desta atividade.

No entanto, sobre o trabalho marítimo a CLT, em seus artigos 248 a 252, se limita, em linhas gerais, a trazer disposições sobre a jornada de trabalho destes profissionais, fazendo com que este tipo de contrato de trabalho se socorra de outras fontes para sua regulamentação, mormente diante do alcance internacional que podem ter diante de navegação de longo curso, aquela realizada entre portos brasileiros e estrangeiros.

Entre as várias fontes que balizam o contrato de trabalho marítimo há as normas coletivas, normas regulamentadoras (NRs) expedidas pelo Ministério do Trabalho e as convenções internacionais, com destaque à MLC-2006, criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a finalidade, sobretudo, de resguardar a segurança da gente do mar.

Apesar da sua criação em 2006, o Brasil apenas ratificou esta convenção em 2020, com sua entrada em vigor no país em 07/05/2021. Posteriormente, a Portaria MTP nº 3.802/2022 passou a regulamentar as disposições da MLC-2006.

Ao revés do que consta na CLT em relação aos contratos de trabalho comuns, o contrato de trabalho marítimo, seguindo as diretrizes da MLC-2006, deve ser celebrado de forma escrita e constar uma cópia deste documento em inglês que deve ser disponibilizada a bordo do navio onde o trabalhador preste serviço.

Neste cenário, o contrato de trabalho marítimo deve conter (i) cláusula que qualifique o armador (pessoa física ou jurídica que apresta a embarcação para fins comerciais), e descrição da (ii) função, (iii) valor do salário, (iv) indicação do prazo do contrato (prazo determinado ou indeterminado), (v) montante de férias anuais, (vi) benefícios de saúde e previdência, (vii) norma coletiva aplicável e (viii) direito de repatriação.

Dando ênfase ao direito de repatriação, o que se busca é garantir o retorno do trabalhador marítimo ao seu local de origem sem cobrança de custos adicionais em caso de rescisão do contrato de trabalho em território estrangeiro ou de falta de condições de trabalho.

Esta garantia financeira é de responsabilidade do armador advertindo a MLC-2006 que “se um armador não adoptar as medidas necessárias para o repatriamento de um marítimo que a ele [repatriamento] tenha direito, ou se não assumir os respectivos custos a autoridade competente do Estado da bandeira [do navio]deve organizar o repatriamento e se este não o fizer, o Estado a partir de cujo território o marítimo deve ser repatriado ou o Estado de que é nacional podem organizar o repatriamento e recuperar os custos junto do Estado da bandeira”.

Seguindo estas premissas, o contrato de trabalho marítimo se reveste de maior segurança para as partes convenentes.

Nova lei traz estabilidade regulatória ao serviço de praticagem nos portos brasileiros

Na segunda-feira passada (15/01/2024) foi sancionada a Lei nº 14.813/2024, destinada a regulamentar tecnicamente e conferir estabilidade regulatória aos preços do serviço de praticagem nos portos brasileiros.

O serviço de praticagem, que consiste em guiar o navio no porto até a ancoragem para garantia da segurança da navegação, e que até então era executado exclusivamente pelos práticos devidamente habilitadas perante a Marinha do Brasil, poderá ser feito por Comandantes brasileiros de navios de bandeira brasileira que tenha até 100 (cem) metros de cumprimento e cuja tripulação seja composta de, no mínimo, 2/3 (dois terços) de brasileiros, desde que adquiram Certificado de Isenção de Praticagem.

Para obter este certificado de isenção, o Comandante deve preencher requisitos relacionados ao tempo de descanso monitorado pela autoridade marítima e à atuação prévia como Comandante do navio dentro da zona de praticagem.

O certificado de isenção não exime o tomador do pagamento da remuneração devida à praticagem local em razão da sua permanente disponibilidade do serviço. E sobre isso a nova lei estabelece que o preço do serviço será livremente negociado entre os tomadores e prestadores do serviço, reprimidas quaisquer práticas de abuso do poder econômico.

Na prática, cabe à cada empresa de praticagem estabelecer sua tabela de preço. O que deve ser obedecida é a Escala de Rodízio Único (ERU) que é fiscalizada pela Marinha do Brasil (regulação técnica). Por isso, o tomador não tem como definir qual empresa lhe prestará o serviço de praticagem, o qual deve seguir a ERU.

Em Pernambuco, por exemplo, há três empresas de praticagem, e uma delas optou por não mais seguir os valores convencionados na tabela de preços constante do acordo firmado entre o Sindicato dos Práticos e o Sindicato das Agências de Navegação, criando sua própria tabela de preços, o que é permitido diante da forma como a regulação econômica da atividade está disposta na nova lei.

Isso porque, apenas em casos excepcionais e mediante provocação fundamentada de uma das partes contratantes, a autoridade marítima, poderá fixar o preço do serviço de praticagem, por período não superior a um ano, prorrogável por igual período, se comprovado abuso do poder econômico ou defasagem do preço do serviço. O parecer respectivo deverá ser emitido em até 45 (quarenta e cinco) dias.

Implementação de Participação nos Lucros e Resultados. Requisitos e vantagens

Uma boa maneira de reconhecer o desempenho dos empregados é por meio do pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), agindo esta verba como ferramenta de “integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade”, conforme disciplina o artigo 1º da Lei nº 10.101/2000 (Lei da PLR), que dispõe sobre o tema.

O artigo 2º desta lei define que a maneira correta para formalizar o pagamento da PLR é por meio de comissão paritária escolhida pelas partes (empregado e empregador), com a participação necessária de um representante indicado pelo sindicato dos trabalhadores da categoria ou de acordo coletivo, a ser firmado com o Sindicato que representa a categoria dos trabalhadores, sendo esta última opção a mais comum.

Além disso, para formalizar o pagamento da PLR, os instrumentos decorrentes da negociação devem cumprir alguns requisitos, para fazer constar (i) regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas; (ii) indicação dos mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado; (iii) periodicidade da distribuição; (iv) período de vigência; e (v) prazos para revisão do acordo.

As regras elencadas supra devem ser estabelecidas com, no mínimo, 90 (noventa) dias de antecedência do pagamento da verba, sendo vedado o pagamento de PLR em mais de 2 (duas) vezes no mesmo ano civil e em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil.

Entre as vantagens no pagamento da PLR, de forma espontânea pela empresa, está a possiblidade de compensação das obrigações oriundas de normas coletivas que versem sobre a mesma verba, a tributação pelo imposto sobre a renda exclusivamente na fonte e a não integração da base de cálculo do imposto devido pelo beneficiário na Declaração de Ajuste Anual, tudo nos moldes do artigo 3º, §5º da Lei referida.

Louvável, ainda, o incentivo que a própria Lei da PLR traz ao recurso da mediação ou arbitragem (meios alternativos de solução de litígios) para solução de qualquer entrave durante o processo de negociação.

Quanto ao pagamento deste benefício ser feito apenas em relação à parte dos empregados, esta conduta não vem sendo acatada pela Justiça do Trabalho, por se afigurar como discriminatória. O Desembargador Dr. José Marlon de Freitas, da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, Relator do Recurso Ordinário oriundo da Reclamação Trabalhista nº 0000456-68.2015.5.03.0016, ponderou que “considera-se que todos os empregados de uma empresa contribuem para o resultado positivo por ela alcançado, razão pela qual configura-se ato discriminatório a exclusão injustificada do direito de determinados trabalhadores de receberem a verba participação nos lucros e resultados”.

Entender de forma diversa seria ir de encontro ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CR), razão pela qual se orienta que, uma vez implementada a PLR, a verba deve, preferencialmente, ser distribuída para todos os empregados da companhia.

Indenização por dano moral trabalhista: tabelamento ou discricionariedade?

O pedido de indenização por danos morais é, sem dúvidas, um dos mais frequentes perante o Poder Judiciário brasileiro, inclusive na Justiça do Trabalho, conforme se infere dos dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do relatório Justiça em números 2021.

Os pleitos encontram amparo no artigo 5º, caput e incisos V e X da Constituição Federal que assegura a indenização por danos morais pelo dano decorrente da violação dos direitos de intimidade, honra e imagem.

No âmbito trabalhista, para se obter êxito em um pedido de indenização por danos morais é necessário que a parte pleiteante seja capaz de comprovar a existência da conduta, do liame e do dano, bem como que tal conduta tenha ligação com o trabalho desempenhado.

A conduta capaz de ocasionar um dano moral trabalhista decorre de uma ação ou omissão que ofenda a esfera existencial ou moral, seja da pessoa física ou da pessoa jurídica. Diante disso, podemos extrair os sujeitos de direito, sejam passivos ou ativos: pessoa física (empregado), pessoa jurídica (empregador) ou ainda quaisquer outros que tenham colaborado para o respectivo dano.

A possibilidade de indenização por dano moral é tão vasta que quem o alega, muitas vezes, o faz de forma genérica, elencando razões rasas para a configuração da ofensa.

Nesse trilhar, em muitos casos, o poder judiciário acabou por se distanciar do seu objetivo com condenações desarrazoadas e desproporcionais a título de dano moral, já que nosso ordenamento jurídico adota um sistema aberto de fixação do valor da indenização, baseada no entendimento próprio de cada juiz sobre a razoabilidade, proporcionalidade, extensão do dano e o não favorecimento do enriquecimento sem causa.

Apesar de haver artigos que visam um certo tabelamento em face destes pedidos, como o artigo 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os dispositivos funcionam como um rol mais exemplificativo do que taxativo.

É diante desse cenário que o Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a julgar, em outubro de 2021, a constitucionalidade de dispositivos presentes na CLT que versam sobre a reparação por danos extrapatrimoniais decorrentes das relações trabalhistas.

A matéria é objeto de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs nº 6050, 6069 e 6082), sendo questionados os artigos 223-A e 223-G da CLT, os quais foram alterados pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) e pela Medida Provisória (MP) nº 808/2017, e utilizam como parâmetro para a fixação da indenização o último salário contratual do empregado e classificando as ofensas com base na gravidade do dano causado em leve, média, grave ou gravíssima.

As diversas entidades que propuseram as ADIs argumentam que os dispositivos contestados violam o princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da não discriminação e da proteção ao trabalhador.

O voto do Relator das ADIs, Ministro Gilmar Mendes, foi no sentido de estabelecer que “os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial”. E completou aduzindo que o dispositivo “é constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade”. O julgamento das ações se encontra suspenso, mas o cenário indicia que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade continuarão sendo o principal parâmetro para arbitramento da indenização por dano moral na Justiça do Trabalho.