Bastante conhecida e comentada, a usucapião é o modo de aquisição originária de direitos reais pela posse continuada em um certo período de tempo determinado por lei. Diversos são os tipos da usucapião, contudo, pode-se apontar como comuns a todos eles os seguintes requisitos: a) posse própria (o indivíduo deve possuir a coisa como se sua fosse), mansa e pacífica (isto é, exercida sem a oposição do proprietário do bem), além de contínua (que não sofre interrupções); b) decurso do tempo, que varia de 2 a 15 anos, a depender da espécie de usucapião de que se tratar; c) bem apto a ser usucapido.
A modalidade neste texto analisada foi a da usucapião especial urbana, para a qual o legislador estabeleceu o lapso temporal de 5 anos de posse, e que, em adição aos requisitos gerais acima citados, demanda que o bem imóvel seja utilizado para moradia e limita a área do bem a 250 m², além de proibir que aquele que invocar esse instituto seja proprietário de qualquer outro imóvel.
Acerca do assunto, chegou ao Judiciário brasileiro o caso de dois irmãos do estado de Tocantins que se mudaram para Palmas em 1993 em busca de melhores perspectivas de vida na capital. Afirmaram que acabaram por tomar posse de um imóvel vago, de 159,95 m². Desde o início do ano da mudança, além de morarem no local, um dos irmãos iniciou um pequeno negócio de conserto de bicicletas dentro desta propriedade. Em 2003, entraram com uma ação para declaração da usucapião do imóvel. Contudo, foi de entendimento tanto em primeiro grau quando pelo Tribunal de Justiça de Tocantins que somente era devido o direito à área utilizada exclusivamente para moradia. Interpuseram, então, recurso ao Superior Tribunal de Justiça, alegando violação ao art. 1.240 do Código Civil, que trata da usucapião especial urbana, com o argumento de que a lei apenas exige que haja moradia no imóvel, não excluindo a prática simultânea de atividade comercial.
A Terceira Turma do STJ, nesse sentido, deu provimento ao Recurso Especial, o REsp 1.777.404, decidindo pela declaração da usucapião sobre a área integral do imóvel, através do posicionamento de que não há vedação legal de que o uso do imóvel abranja também fins outros para além do residencial, sendo possível, assim, a utilização de parte do imóvel para comércio.
– Maria Gabriela Magalhães e Ana Carolina Barbosa