Home care: O custeio dos insumos indispensáveis ao tratamento se limita ao valor diário da internação hospitalar (STJ)

A expressão home care significa “atendimento domiciliar”. Trata-se na verdade de uma internação realizada na casa do paciente, onde o objetivo é dar continuidade ao tratamento realizado em ambiente hospitalar. Normalmente, é indicado para pessoas que passaram por longos períodos de internamento hospitalar, funcionando como um meio de aproximação do tratamento com a família e reduzindo o risco de infecção hospitalar.

A prestação deste serviço é regulada pela Resolução Normativa nº 465/2021 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece que caso a operadora de saúde ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, deverá obedecer às exigências da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitário e ao previsto no artigo 12, inciso II da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Importante destacar que o fornecimento do referido serviço deve cumprir o disposto na Resolução 1.668/03 do Conselho Federal de Medicina que faz a previsão expressa de quais são os profissionais de saúde que devem compor a equipe de atendimento multidisciplinar.

Dessa forma, no dia 14/02/2023, a 3ª Turma do STJ, ao julgar qual seria a extensão dos insumos do home care que deveriam ser custeados pelas operadoras de saúde, decidiu que os referidos insumos devem ser norteados pela prescrição médica e limitados ao custo diário de uma internação hospitalar.

A partir desse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o Recurso Especial nº 2.017.759/MS, que fora interposto por uma idosa que sofre de tetraplegia, para reformar a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) que embora exigisse a prestação do tratamento domiciliar, dispensava a operadora de fornecer diversos insumos, uma vez que tais itens seriam particulares e não encontravam respaldo contratual.

Em primeiro grau, a Sentença obrigou a operadora, no âmbito da internação domiciliar, a fornecer nutrição enteral, bomba de infusão, consultas ou sessões de fisioterapia e de fonoterapia, conforme a indicação médica. A decisão, entretanto, não impôs ao plano de saúde a obrigação de arcar com fraldas geriátricas, mobílias específicas, luvas e outros itens que o julgador considerou de “esfera unicamente particular”.

Em sede de Apelação, o TJMS negou o pedido de inclusão dos insumos. Além de reforçar o caráter particular desses materiais, o Tribunal salientou que a falta de especificação contratual não dava amparo legal para responsabilizar a operadora pelo fornecimento de tais itens.

Contudo, ao analisar o referido Recurso Especial, a relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a jurisprudência do STJ considera abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar. Para ela, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário, inclusive aqueles que receberia se estivesse no hospital.

Segundo a ministra, a adoção de procedimento diferente representaria o “desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio” e comprometeria seus benefícios.

Ainda de acordo com a ministra, as exigências mínimas para internações previstas na referida lei se aplicam ao caso e incluem a cobertura de despesas de honorários médicos, serviços gerais de enfermagem, alimentação, fornecimento de medicamentos, transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia e de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, conforme previsto na prescrição médica. E limitado o custo do atendimento domiciliar por dia ao custo diário de uma internação hospitalar. Por todo o exposto, percebe-se que todos os atores envolvidos na internação domiciliar de um paciente devem estar atentos ao que foi decidido pelo STJ, pois apesar de garantir aos pacientes a inclusão de insumos indispensáveis ao tratamento domiciliar, expôs a necessidade de: 1) ser a referida internação domiciliar uma alternativa à internação hospitalar, e não uma escolha do paciente; 2) a necessidade de tais insumos estarem correlatos ao tratamento do paciente e constarem na prescrição do médico assistente; e, 3) o custeio diário da internação domiciliar pelas operadoras de plano de saúde ficar limitado ao valor diário da internação hospitalar.

– Caio Santana

ANPD – DOSIMETRIA E APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Desde a entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709), em setembro de 2020, e, embora, desde então, já existam diversas demandas judiciais com base na nova legislação, a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) vem se estruturando e preparando o terreno para, de fato, garantir seu cumprimento no Brasil. Por ser fruto de uma discussão muito recente no cenário nacional, bem como diante da ausência da cultura de proteção de dados no país, surge o questionamento: como irá a ANPD auxiliar neste estágio inicial de adaptação através de suas diretrizes e sanções?

A LGPD visa nortear o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, moeda da economia digital e, cuja proteção foi incluída no rol de garantias fundamentais pela Emenda Constitucional nº 115. Nos últimos meses, a ANPD publicou o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, bem como divulgou a primeira lista de processos sancionatórios em curso, últimos passos preparatórios à fiscalização e implementação prática da lei.

 A agência reguladora vem manifestando-se de acordo com a transparência e o diálogo necessários para o aculturamento, a regulamentação e a fiscalização a serem implementadas, por meio da participação em diversos Workshops, seminários online, abertura de consultas públicas e publicações de resoluções, notas técnicas e guias regulatórios em seu site. A aplicação das sanções administrativas, portanto, é apenas uma das ferramentas à disposição da ANPD, que, em alinhamento ao artigo 52 da LGPD, bem como ao Regulamento de Dosimetria publicado, configura o estágio final de correção de conduta indesejada.

Restam previstas a aplicação das penalidades de Advertência, multa proporcional, publicização da infração apurada, bloqueio/eliminação dos dados pessoais objeto da infração, suspensão parcial do funcionamento do banco de dados/do serviço ou da atividade empresarial e até a suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais.

Para a aplicação efetiva dessas sanções, a dosimetria leva em consideração a gravidade e a natureza da infração, os danos causados aos titulares dos dados, a vantagem auferida/pretendida, a reincidência e, também, o porte econômico do infrator, visando garantir a proporcionalidade da penalidade de acordo com o caso concreto e suas particularidades.

Cediço que a ANPD levará em conta as medidas adotadas pela empresa com fim de corrigir as irregularidades e mitigar os danos causados aos titulares dos dados, sob a lógica de incentivos ao regulado, observando-se as condutas atenuantes para embasar os percentuais de multa, por exemplo, tendo em mente o caráter educativo e punitivo da sanção.

Quanto aos agentes já investigados, a lista de processos publicada, que consta apenas com procedimentos em estágio posterior ao despacho sancionador, revela o parâmetro inicial que servirá de base para futuros entendimentos jurisprudenciais, inicialmente conflitantes. Dos 8 agentes regulados, 7 são entes/órgãos públicos, restando evidente a intenção da ANPD em dar o exemplo com base no Estado, maior colecionador de dados pessoais de massa e patente modelo e garantidor no tocante às condutas de tratamento de dados.

 Importante visualizar que, 5 das ocorrências tratam sobre o não atendimento à requisição ou determinação da ANPD, outras 4, em respeito à ausência de comunicação do incidente ao dono dos dados, e, as demais 4, à ausência de medidas de segurança durante o tratamento dos dados.

Enquanto ainda não há, de fato, nenhuma condenação e aplicação de sanções administrativas, cabe aos agentes rumar à adequação e observar o cumprimento do previamente acordado e publicizado pela agência, a fim de que seja instituído um ambiente saudável e promotor da proteção de dados. A perspectiva, portanto, é de que a ANPD, por meio de suas diretrizes, notas técnicas, guias e, quando necessário, sanções, promova o aculturamento do ambiente de proteção de dados nacional, reforce a segurança jurídica quanto ao tema e estabeleça a estrutura viável aos entes brasileiros, públicos ou privados, no sentido favorável à economia global e padrões internacionais, nesta fase de estruturação e adaptação à nova lei.

– André Garcia

Provimento 141/2023 do CNJ. Simplificação do Processo de Reconhecimento de União Estável

No último dia 21, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou o Provimento 141/2023, que regulamenta a união estável perante o Registro Civil, alterando o Provimento 37/2014 para adequá-lo à Lei 14.382/2022.

O ato trata do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável perante o Registro Civil, bem como dispõe sobre a alteração do regime de bens na união estável e a sua conversão extrajudicial em casamento.

Entre seus considerandos, elenca a “necessidade de facilitar aos companheiros a declaração da existência de união estável, a sua conversão em casamento e de se esclarecer os efeitos pessoais e patrimoniais dela decorrentes, bem como a sua dissolução, e, acima de tudo, tornar fácil a localização dessas declarações para fins da respectiva comprovação”.

Neste propósito de desjudicialização e desburocratização, traz algumas novidades, merecendo destaque a inclusão de capítulos específicos que versam sobre o procedimento para o registro da união estável, a alteração do regime de bens em união estável e a conversão da união estável em casamento perante o Registro Civil.

Quanto ao registro, trouxe a possibilidade da elaboração de uma nova espécie de instrumento público, o chamado termo declaratório, passível de registro junto ao cartório de Registro Civil e que passa a coexistir com as figuras já existentes, a exemplo das escrituras públicas declaratórias de reconhecimento, que são lavradas no tabelionato de notas.

Possibilita, ainda, que sejam realizados perante o registrador civil a alteração do regime de bens da união estável e o procedimento de certificação eletrônica, que tem por escopo a comprovação do tempo de duração da união, indicando-se a data do início da convivência e da sua efetiva dissolução.

No que tange à conversão extrajudicial da união estável em casamento, pontua que esta modalidade não é obrigatória, sendo possível a conversão na seara judicial.

Ainda sobre a conversão, segundo o Provimento 141/2023, a mudança implica na manutenção do regime de bens que vigorava anteriormente à conversão.

Acaso se pretenda adotar novo regime, necessário apresentar pacto antenupcial, salvo na hipótese em que o novo regime for o de comunhão parcial de bens, situação que demandará apenas declaração expressa dos companheiros formalizando esta opção.

Por fim, ressalta-se que, no caso de dissolução da união estável, o ato exige a assistência dos companheiros por advogado ou defensor público, o que também ocorre quando houver requerimento de alteração de regime de bens com proposta de partilha, dada a complexidade que estas disposições podem alcançar.

– Amanda Figueirôa

Prazo de Vigência da Nova Lei de Licitações será prorrogado

No dia 30 de março de 2023, a Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, anunciou a decisão do governo em adiar, por mais um ano, a implementação da Lei 14.133/2021, que estabelece as novas regras para as licitações e contratos administrativos. Como é de conhecimento, a data até então estabelecida para entrar em vigor a nova lei de licitações, seria amanhã, 01 de abril de 2023. Com a decisão tomada, uma Medida Provisória será editada pelo governo federal para disciplinar o novo prazo, que ainda será definido.

A medida tomada pelo governo gerou intensos debates e discussões sobre os possíveis impactos dessa decisão. Embora alguns argumentem que a prorrogação é necessária para garantir a implementação completa da nova Lei e adequação, sobretudo, pelos municípios de pequeno porte, há pontos críticos a serem considerados na tomada da decisão.

Um dos principais pontos de crítica em relação à prorrogação do prazo é a possibilidade de perpetuação de práticas pouco transparentes com aumento de incertezas e inseguranças para os agentes econômicos que atuam no setor de licitações e contratos administrativos. Igualmente, empresas e fornecedores que investiram tempo e recursos na adaptação à nova Lei, podem se sentir prejudicados pela prorrogação, uma vez que isso pode representar um atraso na execução de contratos e um prolongamento da instabilidade no setor.

Por outro lado, é possível argumentar que a prorrogação é uma medida necessária para garantir a implementação completa da Lei 14.133/2021, uma vez que ainda há desafios e obstáculos a serem superados nesse processo de transição. A criação de um Portal Nacional de Contratações Públicas, por exemplo, é uma tarefa complexa que demanda recursos e investimentos significativos, e que ainda precisa ser finalizado. Além disso, a capacitação dos agentes públicos para lidar com as novas regras, é um ponto nevrálgico para a dilação do prazo, dado que a nova lei traz mudanças significativas em relação aos procedimentos de licitação e contratação. Isto posto, é fundamental que os servidores públicos estejam preparados para implementá-las de forma adequada. Todavia, demanda investimentos em treinamentos e capacitações, bem como a necessidade de mudança de uma cultura que, bem ou mal, está construída há décadas.

Em resumo, a prorrogação do prazo de vigência da Lei 14.133/2021 é uma medida controversa, que gera diferentes reações e perspectivas entre os atores envolvidos. Embora seja importante garantir a implementação completa da nova Lei, é fundamental também considerar os possíveis impactos negativos da prorrogação, especialmente em relação à insegurança jurídica e perda de credibilidade quanto à virada de chave para o novo modelo das contratações públicas.

– João Leite

Governo estuda mudança na tributação de compras de produtos asiáticos por plataformas digitais

Desde o início da pandemia de COVID-19, as compras relacionadas ao e-commerce cresceram exorbitantemente devido ao distanciamento social, principalmente relacionadas aos sites asiáticos, em razão do baixo preço.

A importação desses produtos por pessoas físicas vem sendo analisada pelo Governo com atenção, em decorrência da falta de tratamento isonômico quando comparado com a carga tributária suportada por empresas brasileiras que vendem mercadorias similares, estando estas em evidente desvantagem.

Nos últimos dias, várias pessoas estão relatando uma maior fiscalização dessas operações, de forma que muitas compras adquiridas internacionalmente estão sendo tributadas com mais frequência quando entram no país. Além disso, sabe-se que o Governo Federal está verificando alternativas fiscais para aumentar a tributação dessas operações, tendo o Ministério da Fazenda mencionado, na última sexta-feira (24/03), que algumas propostas já estão sendo analisadas internamente. O tema possivelmente será contemplado na Reforma Tributária em discussão no Congresso, porém, como as propostas de reforma preveem uma transição duradoura e gradativa, há uma pressão por parte das empresas brasileiras para a solução ser implementada o mais breve possível.

– Felipe Barros

Vazamento de Dados: Dano Moral não é presumido

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão recente, deu provimento do Recurso Especial interposto pela empresa Eletropaulo, reformando, por unanimidade, o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia condenado a concessionária de energia ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais em virtude do vazamento de dados pessoais de uma cliente.

Ao ajuizar a ação, a consumidora alegou que foram vazados seus dados pessoais como nome, data de nascimento, endereço, telefone e número do documento de identificação e que estas informações teriam sido acessadas por terceiros e, posteriormente, compartilhadas mediante pagamento.

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Contudo, o TJSP, quando da análise do recurso interposto pela parte Autora, reformou a decisão para condenar a Eletropaulo ao pagamento da indenização, sob justificativa de que teria havido falha na prestação de serviços.

Na sequência, a Eletropaulo interpôs recurso ao STJ, fundado na impossibilidade de análise da demanda apenas sob a ótica consumerista e na omissão quanto aos termos da  Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Quando do julgamento do Recurso, o Relator Ministro Francisco Falcão entendeu pelo provimento do recurso da concessionária, asseverando, apesar da falha no tratamento de informações pessoais, o vazamento de dados, por si só, não é suficiente para gerar dano moral indenizável, sendo necessário, portanto, a comprovação do efetivo prejuízo causado pela exposição das informações.

– Ana Beatriz Vinesof

É cabível pensão alimentícia em favor do animal de estimação?

Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº:  1944228 / SP, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acalorou o debate quanto ao cabimento de pensão alimentícia em favor de pets, tendo adotado entendimento que, em análise inicial, parece destoar da atual realidade social, que se afigura com a existência de formações familiares distintas, entre elas, a entidade familiar que se reconhece como formada por humanos e animais de estimação.

Na hipótese, a parte demandante ajuizou a demanda, sem fazer, ressalte-se, qualquer menção ao termo ou ideia de “pensão alimentícia”, e requerendo, passados cerca de cinco anos da dissolução da união estável, fosse o ex companheiro compelido a participar igualmente no custeio dos gastos com os animais adquiridos na constância da união, bem assim a reembolsá-la da metade dos gastos que incorreu desde a separação.

A obrigação foi reconhecida na origem, instância na qual, após o entendimento de aplicação da prescrição decenal, determinou-se ao ex companheiro, o reembolso das despesas havidas pela ex companheira e a obrigação de custeio de metade das despesas com os animais, até morte ou alienação destes.

Devolvida a questão ao STJ, houve reforma do julgado, tendo prevalecido o voto da lavra do ministro Marco Aurélio Belizze, que defendeu serem as despesas com o custeio da subsistência dos animais obrigações inerentes à condição de dono, bem como que o fato da aquisição do pet ter ocorrido na constância da união, não necessariamente configuraria vínculo entre os companheiros ou entre estes e o animal, sendo possível definir-se a titularidade do animal como melhor lhes aprouver.

Ocorre que, ao analisar a referida decisão, alguns defendem que o STJ teria sinalizado o entendimento de que a fixação de alimentos em favor de pets é descabida, todavia, salvo melhor juízo, não é este o direcionamento que se obtém da adequada análise dos autos.

Conforme pontuado, a demanda submetida ao STJ foi ajuizada longo tempo após a dissolução da união estável, sem que tenha sido precedida de acordo de alimentos em favor dos animais ou de qualquer requerimento da ex companheira neste sentido. Em verdade, sequer houve menção ao termo “alimentos” quando do ajuizamento da ação.

Inclusive, inicialmente a demandante aparenta ter dotado sua ação de conteúdo exclusivamente patrimonial. Trata-se, pois, de um caso isolado e que não necessariamente serve de parâmetro ou norte para demandas que envolvem o tema sob análise.

Fato é que a existência da “família multiespécie” é uma realidade socialmente reconhecida, que já ensejou até mesmo a propositura de Projeto de Lei (PL 179/23), ainda em tramitação e que visa regulamentar o conceito de família multiespécie como aquela formada pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com seus animais.

Por sua vez, tal realidade vem sendo correta e fortemente reconhecida pela jurisprudência pátria e, neste cenário, o número de demandas desta natureza levadas ao judiciário é cada vez maior. Na falta (que aparentemente será suprida em breve)  de uma lei específica, os magistrados têm aplicado aos animais, em interpretação por analogia, as normas jurídicas atinentes a alimentos, visitas e guarda compartilhada.

Não há, pois, como se concluir que esta é uma questão que será decidida pelos operadores do direito em dissonância da realidade social que os cerca. A sociedade anseia por uma resolução que se adeque ao contexto atual, que não só reconheça a existência da família multiespécie, mas estabeleça os parâmetros que devem ser considerados para a justa solução dos litígios dessa natureza.

É um tema que certamente ainda renderá boas discussões, a exemplo da que já se firmou em demanda distribuída perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) no último dia 09 de fevereiro, na qual juízes de varas cíveis e de família discutem sobre a competência para processar e julgar a execução de acordo descumprido que fixou pensão em favor dos animais de estimação do ex casal. As teses contrárias defendem, de um lado, que o animal é um membro da família e que, portanto, sob o conceito da família multiespécie, atrai a competência da vara de família. De outro lado, há a defesa de que discussão se funda em relação civil e de natureza patrimonial, que avocaria o processo para uma das varas cíveis, frente a qual, inclusive, a ação foi originariamente distribuída. A questão será dirimida em breve, quando do julgamento, pelo TJSC, do conflito de competência suscitado pelos magistrados envolvidos.

Adjudicação Compulsória Extrajudicial: Conceito e Funcionamento

No âmbito da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, aparecera a chamada Adjudicação Extrajudicial, instituto encartado no Art. 216-B.

Nesse sentido, passou-se a entender esse procedimento como a ação pessoal com premissa base de recusa do vendedor em transmitir o domínio ao comprador. Assim, mediante resistência injustificada, seria cabível ao compromissário comprador ou ao cessionário de seus direitos, ajuizar ação contra o titular do domínio do imóvel, desde que não haja, entre esses, consenso.

Para tanto, adentrando na questão procedimental, entende-se que tal trâmite necessita, conforme §1º do artigo supracitado, da apresentação de algumas documentações. Dentre essas: 

Instrumento de Promessa de Compra e Venda ou de Cessão ou de Sucessão;

Prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel;

Ata notarial, lavrada por tabelião de notas, da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;

Certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente, que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

Comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

Procuração com poderes específicos, se for o caso.

Desse modo, à apresentação da ata notarial, novidade promulgada e acrescida à Lei em janeiro de 2023, entende-se que o procedimento, apesar de tramitar perante o cartório de imóveis, deverá seguir a prévia instrumentalização dessa, verificando-se documentos, depoimentos e fatos. Para tanto, sua necessidade dar-se-á pelo fato dessa ser instrumento imparcial e com certificação das impressões colhidas no caso concreto, por parte do titular do cartório ou de seus prepostos; garante, para tanto, maior segurança jurídica e celeridade ao instituto.

Por fim, tratando-se dos requisitos à adjudicação extrajudicial, entende-se que à sua interposição, prevista nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil, basta a existência de uma promessa de compra e venda, somada à inexistência de previsão do direito de arrependimento.

Em suma, diante do exposto, entende-se o instituto da adjudicação extrajudicial compulsória como de extrema importância à facilitação ao acesso dos direitos legalmente previstos ao cidadão. A inovação, aparecendo como meio alternativo de solução de conflitos, feita em prol da sociedade visa, ainda, desjudicializar a tramitação dessas ações, concretizando instrumentos com mais celeridade e praticidade, sem a necessidade de adentrar em um processo judicial em si.

– Equipe do Imobiliário

Da admissibilidade da previsão de correção monetária pela taxa SELIC em contratos de compra e venda de imóvel

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela legalidade da previsão contratual de correção monetária pela taxa Selic em contratos de compra e venda de imóvel, ainda que o contrato preveja, também, a incidência de juros moratórios.

A discussão foi firmada em sede de ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel na qual a parte Demandante arguiu a abusividade da cláusula contratual que previa a Selic como índice de correção monetária das parcelas, bem como a incidência de juros moratórios.

Na origem, em sentença que posteriormente foi confirmada pelo Tribunal Estadual, o magistrado acolheu os argumentos autorais, considerando abusiva a estipulação da Selic e determinando sua substituição pelo IGP-M.

Todavia, após devolução da matéria ao STJ em sede do recurso especial nº: 2.011.360 – MS, a Terceira Turma, após discussão conduzida pela relatoria da Ministra Nancy Andrighi, reformou o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) firmando o entendimento de que, se a Selic estiver prevista contratualmente para a correção das parcelas, nada impede sua aplicação, ainda que seja convencionada a incidência de juros de mora.

No entender da relatora, seguido por unanimidade pelos demais ministros, a taxa Selic, que abrange em sua composição juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros de caráter remuneratório, mas tal impedimento não se aplica à cobrança de juros de mora, incidentes em caso de atraso.

Isto porque, enquanto a correção monetária destina-se a recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros remuneratórios têm por escopo recompensar o credor e, por sua vez, os moratórios prestam-se a indenizá-lo pelo eventual atraso no pagamento.

Nesse sentido, a alegada abusividade fundada em “bis in idem” só estaria configurada em caso de incidência simultânea de correção pela Selic (dada a sua composição) e de juros remuneratórios, situação distinta do caso dos autos.

Oportuno salientar que, ao adentrar na discussão em comento, o STJ evidencia também outro entendimento, o de que é, sim, possível e lícito prever a incidência de juros remuneratórios sobre as prestações a serem pagas pelo comprador do imóvel.

Ou seja, na hipótese, foi estabelecido ser plenamente possível, desde que expressamente previsto em contrato, a incidência de correção monetária, juros remuneratórios e juros moratórios sobre as parcelas do preço.

Necessário apenas, para a não caracterização da abusividade das estipulações contratuais, que, ao optar pelo índice de correção monetária, o Promitente Vendedor tenha em mente que a taxa Selic já abrange tanto a correção monetária como os juros remuneratórios, razão pela qual, em sendo este o índice contratual escolhido pelas partes, apenas será possível a estipulação contratual de juros incidentes em caso de configuração de mora.

A importância do registro de marca na repressão à concorrência desleal no comércio online

Em um mundo globalizado, deve-se vislumbrar a crescente importância dos elementos imateriais, e a proteção dada a estes, dentre os quais, por exemplo, as marcas, cujo elemento possui papel econômico fundamental dentro de uma sociedade de consumo, possibilitando a distinção entre concorrentes do mesmo ramo, bem como o reconhecimento da empresa para com o público consumerista.

Nesse sentido, também dispõe a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96 (“LPI”), que a finalidade da marca é particularizar um produto ou serviço, de modo que seu público alvo possa garantidamente identificá-lo apenas por esse sinal.

A Constituição Federal de 1988, convergindo ao que vem sendo aqui discutido, prevê expressamente a proteção a propriedade industrial, em seu artigo 5º, inciso XXIX, que define que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Os direitos e as obrigações relativos à proteção conferida à propriedade industrial encontram-se dispostos na LPI, que logo em seu artigo 2º, dispõe que o registro de marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é o meio pelo qual será concedida a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, e que através dele, será possível reprimir a concorrência desleal. Nesse sentido, interessante esclarecer que considera-se concorrência desleal toda e qualquer conduta repreensível, praticada com a finalidade de captar a clientela de empresas concorrentes para adquirir vantagem no mercado.

Dessa forma, o registro de marca pode ser tido como a ferramenta mais importante para a proteção de um negócio e a mais estratégica no contexto da competitividade, considerando que garante ao seu titular o direito ao uso exclusivo por prazo indeterminado, desde que seja prorrogado conforme os prazos legais, o que assegura a empresa o reconhecimento da sua marca perante os consumidores, bem como a protege de práticas concernentes a concorrência desleal.

Nesse diapasão, quando se trata do comércio online, o registro de marca se faz ainda mais essencial, isso porque ferramentas de anúncios pagos, tal qual Google Ads, dominam o principal canal de buscas online: o Google.

Assim, ao realizar uma pesquisa no Google, o usuário recebe páginas que contenham o termo pesquisado, que são ordenadas conforme parâmetros de métricas de ranqueamento, os quais têm como critérios, por exemplo, o número de acessos orgânicos e a qualidade da página de hospedagem. No entanto, plataformas como o Google Ads possibilitam que essa ordem de exibição seja quebrada através da veiculação de anúncios pagos, onde o anunciante seleciona palavras chaves de busca e tem sua página exibida nos primeiros lugares do navegador.

Ocorre que, muitos anunciantes, ao veicularem seus anúncios, selecionavam entre seus termos chaves marcas de segmentos semelhantes, redirecionando os possíveis clientes do seu concorrente a sua página.

Recentemente, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.937.989, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, entendeu que a utilização de marca registrada de propriedade alheia como palavra-chave na veiculação de anúncios, configura crime de concorrência desleal.

No caso em tela, o Relator entendeu que ao se utilizar da marca registrada do seu concorrente como palavra-chave, objetivando melhorar os acessos do seu site através das pesquisas dos usuários do Google, redirecionando a clientela, a empresa estaria praticando crime de concorrência desleal previsto no art. 195, inciso III, da LPI.

Não obstante a tipificação enquanto crime de concorrência desleal, a conduta em questão poder-se-ia configurar como crime contra o registro de marca, já que a empresa também teria violado o direito a exclusividade do uso de marca ao reproduzir, sem autorização do titular, marca registrada, imitando-a ao ponto de induzir confusão ao consumidor, conforme ensina o art. 189, inciso I, da LPI. Ante ao exposto, resta claro o precedente do STJ no sentido de definir enquanto concorrência desleal as práticas de reprodução de marca alheia em links patrocinados em plataformas, como o Google Ads, bem como fica, mais uma vez, configurada a importância do registro de marca, principalmente no sentido de proteção ao seu titular, e como ato para viabilizar a repressão a concorrência desleal, principalmente no comércio online.

– Thayssa Cavalcanti e Maria Eduarda Araújo