Legislação passa a reduzir burocracias e riscos à compra de imóveis

A Lei nº 14.382, editada em junho de 2022, dentre outros aspectos, ocupa-se de desburocratizar o excessivo risco ao comprador em responder por dívidas imobiliárias do antigo proprietário, diante de pendência não registrada na matrícula, conforme inclusão do parágrafo 2º ao art. 54 da Lei nº 13.097/2015.

Em linhas breves, ao passar a exigir somente as documentações referentes ao pagamento dos impostos (IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos) e a certidão de matrícula atualizada do imóvel, eliminando a obrigatoriedade de apresentação das certidões negativas das esferas federal, estadual, criminal, fiscal, trabalhista e de família do vendedor, a norma diminui a burocracia e os gastos nas transações imobiliárias, fornecendo mais segurança àquele comprador de boa-fé, uma vez que este somente obriga-se a compensar as dívidas do antigo proprietário, ora vendedor, se estas já se encontrarem registradas na matrícula do imóvel.

Assim sendo, o adquirente apenas precisa observar se existe algum registro, em referência às pendências jurídicas do vendedor, a partir da matrícula do bem imóvel. Ressalta-se que o responsável pelo referido registro é o terceiro que move a ação contra o vendedor do imóvel, antigo proprietário.

Concomitantemente, ainda em referência ao assunto abordado, a nova lei acaba por não só reforçar a proteção à boa-fé, mas também por contemplar decisão a assunto que tinha constante abordagem no âmbito judiciário, evitando, de certa forma, a judicialização de questões entre credores dos proprietários anteriores e os novos donos.

Contudo, importa ponderar que ainda permanece a relevância da emissão das referidas certidões negativas no processo de aquisição de um imóvel, a fim de sanar quaisquer questionamentos que possam aparecer no decorrer do processo, como também no futuro, uma vez que, apesar de não serem mais exigidas, permanece ao judiciário o critério de aplicação – ou não – da nova lei nos atuais trâmites de aquisição. Afora que a auditoria, a partir das certidões negativas do vendedor, de um modo geral, é um mecanismo essencial à negociação.

Portanto, entende-se a nova legislação como de considerável importância à renovação dos negócios imobiliários, assumindo um papel preponderante em proteger os compradores de imóveis de boa-fé. Todavia, ainda que a nova lei venha a ser bem recebida pelo judiciário, as diligências que visem avaliar a situação jurídica das negociações para aquisição de imóveis devem ser mantidas.

Confira a legislação na íntegra: Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022.

-Equipe do Direito Imobiliário

A possibilidade de cumulação da penhora de bens e prisão civil do devedor de alimentos

A pensão alimentícia deve ser fixada de acordo com o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade/razoabilidade. Nesse sentido, o cálculo da pensão alimentícia deve ocorrer com base na necessidade da criança (alimentada), possibilidade do alimentante e proporcionalidade na fixação do valor.

A regulamentação da pensão alimentícia pode ser feita através de uma ação judicial, na qual o juiz determinará, através de uma decisão, a fixação dos alimentos provisórios e, posteriormente, dos definitivos.

Após a determinação do pagamento da pensão alimentícia pelo Judiciário, caso o alimentante não efetue o pagamento na data estabelecida, é possível a parte que representa a criança requerer a execução da pensão alimentícia, com fundamento no artigo 515, I e 528 do Código de Processo Civil, visto que a decisão que fixa alimentos é um título executivo judicial.

Dessa forma, o juiz irá determinar a citação do alimentante para efetuar o pagamento do valor das parcelas vencidas e vincendas, no prazo de 3 (três) dias, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão civil pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses, conforme dispõe o artigo 528, caput e §3º do Código de Processo Civil. Em seguida, caso o Alimentante não efetue o pagamento, o juiz irá determinar a realização do protesto do pronunciamento judicial, nos termos do artigo 528, §1º do Código de Processo Civil.

Ressalta-se que, no caso de execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o prazo para pagamento deve ser o mesmo, com base no artigo 911 do Código de Processo Civil.

Há também outra forma de cobrança do pagamento da pensão alimentícia pelo devedor, a qual poderá ocorrer através do rito da penhora de bens, com base no §8º do referido mencionado artigo 528.

Seguindo a linha tradicional, o exequente deveria escolher se iria optar pelo rito da penhora ou pelo rito da prisão civil do devedor para buscar o pagamento do débito dos alimentos.

Entretanto, recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do acórdão do REsp 1930593/MG, entendeu que é possível a cumulação do pedido de prisão civil do devedor de alimentos com o pedido de realização de penhora de bens, desde que não haja prejuízo ao devedor, a ser comprovado por este, não podendo haver também tumulto processual, a ser avaliado pelo magistrado.

O caso discutido pelo Colendo Tribunal se tratava de um cumprimento de sentença sobre valores em aberto acerca dos alimentos, requerendo a exequente duas vias de execução, quais sejam, o pedido de prisão em razão do não pagamento das três últimas parcelas vencidas e o pedido de desconto em folha de pagamento, para o débito mais antigo.

Contudo, no 1º grau de jurisdição, o pedido da exequente foi julgado improcedente, entendendo o Magistrado que a cumulação dos dois pedidos não era possível, com base no artigo 780 do Código de Processo Civil.

A exequente recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, tendo o ministro Luis Felipe Salomão proferido decisão, entendendo que em razão da natureza especial dos créditos alimentares, levando em consideração que se trata de verba alimentar em favor da criança e do adolescente, é possível atribuir ao credor a faculdade de optar pelo instrumento executivo mais adequado para alcançar o objetivo da execução, qual seja, o pagamento do débito pelo executado.

Nesse sentido, cumpre destacar também o enunciado 32 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM):

Enunciado 32 – É possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma.

Dessa forma, o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trouxe uma inovação jurisprudencial, abrindo um precedente para casos de execução de alimentos, sendo possível requerer a cumulação dos pedidos de prisão civil e de penhora de bens do devedor da pensão alimentícia, viabilizando ao credor dos alimentos meios para buscar, efetivamente, o recebimento do valor devido, através da tutela jurisdicional.

Comentários Gerais à Lei nº 14.454/2022 – Limites ao Rol da ANS

A Lei º 14.454/2022, foi publicada recentemente, visando diminuir a judicialização de temas recorrentes no âmbito do Direito da Saúde, entre eles, a taxatividade do Rol da Agência Nacional de Saúde e os limites e atribuições das operadoras de saúde na cobertura de tratamentos médicos.

Em uma breve introdução ao tema de direito da saúde na Constituição Federal, temos que o mesmo é garantido por meio do art. 196, quando, em sua literalidade, afirma que: “A Saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Sendo assim, por ser um dever amplo do Estado, a Constituição Federal também estabelece por meio do art. 199, a possibilidade de participação da iniciativa privada na assistência à saúde, corroborando, assim, com a amplitude de prestação da saúde por meio de políticas econômicas para garantir o acesso universal a toda população.

Diante da participação da iniciativa privada, o setor fica submetido à fiscalização e controle do Estado mediante a Agência Nacional de Saúde – ANS, a qual tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Assim sendo, como parte de suas responsabilidades, foi criado o Rol da ANS, que consiste em uma lista previamente estipulada de Procedimentos e Eventos em Saúde, que garante e torna público o direito assistencial dos beneficiários dos planos de saúde, validando para os contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde, em cumprimento ao disposto da
Lei nº 9.656, de 1998.

O primeiro Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar – CONSU 10/1998. No entanto, grande discussão norteava o meio jurídico com relação a taxatividade ou relatividade desse.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça havia definido, por meio de recurso em repercussão geral, tese na qual estabeleceu que o rol de procedimentos e tratamentos médicos da ANS seria taxativo.

A taxatividade, prevista na decisão, permitia os planos de saúde negarem a cobertura de tratamentos médicos ainda não previstos no rol e criava critérios a serem observados em processos e determinações judiciais de custeio compulsório nos casos excepcionais.

Diante do impacto dessa decisão, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2033/22, que foi aprovado em ambas casas legislativas, se tornando a Lei nº 14.454/22, que altera diversos dispositivos da Lei nº 9.656/1998.

O texto legal estabelece no art. 1º, §12º, que o rol da ANS servirá apenas como referência básica para os planos privados de saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. Com isso, a nova normativa impôs à ANS editar norma com a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de procedimentos de alta complexidade.

Como resultado, o §13º também foi alterado para estabelecer que em caso de tratamentos médicos ou odontólogos não previstos no Rol de procedimentos, a cobertura deve ser autorizada desde que os procedimentos cumpram com as seguintes condições: “I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” (NR) Feitas essas considerações, tem-se que a nova lei não elimina a possibilidade de judicialização de ações, mas, em verdade, fixa critérios mais objetivos e torna mais fácil a compreensão das situações em que determinados tratamentos devem ser concedidos, quando obedecidos os critérios do §13º, ou negados.

Net Zero, Neutralidade de Carbono e impactos no ESG

Em resumo, “Net Zero” ou “net zero carbon emissions” (zero emissões líquidas de carbono, em tradução livre) é o compromisso que as organizações assumem de reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.

Já a neutralidade de carbono é alcançada quando nenhum equivalente de dióxido de carbono é adicionado à atmosfera por uma organização, empresa, edifício ou país. Isso pode envolver a eliminação de emissões, a compensação delas (mercado de carbono) ou uma combinação de ambas.

Por outro lado, alcançar o status de “Net Zero” é mais complexo, uma vez que ele envolve também a eliminação das emissões indiretas geradas por toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores e clientes.

Essas emissões de carbono, conhecidas como Escopo 3 no meio do ESG (Governança ambiental, social e corporativa), segundo o GHG Protocol, incluem o que é gerado por bens e serviços adquiridos, distribuidores terceirizados e produtos vendidos, e para se tornar net zero, uma empresa deve eliminar essas emissões (Escopo 3); .

Com relação à neutralidade de carbono, este tema cobre apenas as emissões do Escopo 1 e 2, sendo a primeira referente às emissões pelas quais ela é diretamente responsável e a segunda, a gerada pela compra de eletricidade, calor e vapor. Assim, permite que as emissões residuais sejam tratadas com a compra de compensações que levam a reduções ou eficiências de carbono. Portanto, a neutralidade compromete-se com a compensação do CO2 produzido, não necessariamente com sua erradicação.

Quando falamos de “Net Zero”, quaisquer emissões residuais (aquelas que se provam impossíveis de serem eliminadas) devem ser compensadas por meio da compra de remoção de gases de efeito estufa (GEE) que removem permanentemente uma quantidade equivalente de carbono da atmosfera. Isso pode incluir desde o reflorestamento à captura e ao armazenamento direto de carbono no ar, onde as emissões são fisicamente removidas da atmosfera.

Ou seja, para alcançar o “Net Zero”, imprescindível alcançar a compensação total do CO2 produzido por sua atividade ou alcançar uma compensação de 100% do impacto produzido na atmosfera com a produção de carbono.

O mais importante nisso tudo é lembrar que estamos em uma corrida global pela melhora dos efeitos climáticos e, pensando em finanças sustentáveis e governança das empresas com relação ao ESG, não adotar medidas como a de redução de carbono e outras iniciativas é ficar para trás com investidores e stakeholders (sociedade, governo, investidores, outras empresas, mercado etc.).

Ainda que se pense que hoje é possível negociar com investidores sem ter programas de ESG consolidados internamente nas empresas, como é o caso da adoção de medida de redução da emissão de carbono (e outras medidas relevantes para conquistar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil – link: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs), em um futuro muito próximo as práticas sustentáveis serão exigências básicas para concessão de financiamento, negociação com investidores e estabelecimento/manutenção no mercado. Sem ESG (ou Sustentabilidade, se assim preferir chamar), certamente as empresas estarão fadadas a prejuízos imensuráveis. Prova do que aqui se debate é que ano passado, aa JBS, uma das maiores produtoras mundiais de alimentos assumiu o compromisso global de “Net Zero” até o ano de 2040. É preciso e urgente pensar e alinhar os propósitos de sua empresa para ter finanças sustentáveis, possibilitando lucro e práticas coerentes com o que pretendem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil (ODS).

Copa do Mundo X Jornada de Trabalho

A grande questão é: As empresas são obrigadas a liberarem os empregados para assistirem os jogos do Brasil da Copa do Mundo?

À princípio, ressalta-se que não há uma lei específica, nem municipal, nem estadual e nem federal, que estabeleça que os dias de jogo do Brasil são feriados. Não sendo feriado, o trabalhador pode desempenhar normalmente as atividades nos horários dos jogos, caso não haja liberação pela empresa.

No entanto, tendo em vista o impacto cultural e social da Copa do Mundo, a empresa pode optar por liberar os seus empregados nos dias de jogos do Brasil, estabelecendo um período de horas ou o dia todo.

Inicialmente, é preciso verificar se as atividades empresariais são essenciais ou não. Sendo essencial, como atividade hospitalar, transporte coletivo, alguns tipos de indústrias, entre outros, a empresa poderá sugerir uma escala de trabalho entre os empregados. Não sendo possível fazer a escala de trabalho, o empregado que faltar injustificadamente poderá sofrer com descontos na folha de pagamento e sofrer aplicação de sanção disciplinar.

Uma alternativa para liberação do funcionário é a compensação de jornada. O artigo 59, §6º da CLT estabelece que “É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.”. Ainda que seja possível o acordo verbal, orienta-se que haja um acordo individual entre empresa e empregado de forma escrita detalhando as regras e como a compensação ocorrerá.

Além disso, caso a empresa já tenha banco de horas, é possível fazer a compensação das horas não trabalhadas nos dias dos jogos, abatendo eventual saldo positivo que o empregado tenha ou incluindo saldo negativo para compensação posterior. Se a implementação do banco de horas foi por acordo individual, a compensação deve se dar dentro do período de seis meses. Caso a implementação tenha sido por Acordo ou Convenção Coletiva, a compensação poderá ocorrer até o período máximo de um ano.

Ou, ainda, algumas empresas têm a possibilidade de permitir a prestação dos serviços no regime de teletrabalho, trabalho remoto ou até possibilitar  um espaço para que se possa assistir aos jogos  dentro dos postos de trabalho.

Também é possível que a empresa, por mera liberalidade, libere os funcionários nos dias dos jogos do Brasil sem realizar qualquer desconto em folha.

Em qualquer das hipóteses, a liberação do funcionário pode ser parcial, ou seja, apenas durante o período do jogo, ou o dia todo. É importante que a empresa decida a melhor estratégia e estabeleça um canal de informação claro para todos os trabalhadores com a opção pretendida, sem qualquer tipo de prática discriminatória para empregados do mesmo departamento, nem privilégios para determinados cargos.

Conflito de competência arbitral e a jurisprudência do STJ

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento acerca de sua competência para processar e julgar conflitos de competência existentes entre Tribunais Arbitrais vinculados à mesma Câmara de Arbitragem.

O caso em análise corresponde ao Conflito de Competência nº 185.702/DF (2022/0023291-6), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, membro da Segunda Seção do STJ.

O entendimento confirmado pela Segunda Seção do STJ já vinha sendo construído desde a prolação de decisão monocrática pelo próprio Ministro Relator, em março desse ano.

Na ocasião, o Ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu ser o Superior Tribunal de Justiça competente para dirimir conflitos de competência existentes entre Tribunais Arbitrais.

À época, ao proferir decisão monocrática sobre o tema, o Ministro Relator destacou o ineditismo da questão, uma vez que ao STJ era comum, até então, o julgamento de conflitos de competência que envolvessem o Poder Judiciário e o Árbitro/Tribunal Arbitral, mas não aqueles que envolvessem dois Tribunais Arbitrais, destaque esse que foi reiterado por ocasião do julgamento colegiado do aludido conflito de competência.

De início, importa destacar que o art. 105, I, da Constituição Federal estabelece os limites da competência do Superior Tribunal de Justiça com relação às causas que lhe competem o julgamento.

Dentre elas, destaca-se a alínea “d”, que trata sobre a competência do STJ para processar e julgar, originariamente, os conflitos de competência entre quaisquer tribunais.

Nos fundamentos de seu Voto, o Ministro Marco Aurélio Bellizze ressaltou o caráter jurisdicional da arbitragem, especialmente a partir do julgamento do leading case – Conflito de Competência nº 111.230/DF, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi –, quando restou reconhecida a possibilidade de existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral, a ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Isso porque, a Segunda Seção do STJ passou a entender que a expressão “quaisquer tribunais” contida na alínea “d”, do art. 105, inciso I, da Constituição Federal, compreende, também, o Tribunal Arbitral, o qual é responsável pela resolução definitiva de conflitos existentes entre as partes, tal qual o Poder Judiciário.

Apesar de o leading case ter versado especialmente sobre a possibilidade de configuração de conflito de competência entre Tribunal Arbitral e o Poder Judiciário, o Ministro relator, acompanhado dos demais, julgadores, entendeu possível a configuração de conflito de competência entre Tribunais Arbitrais, cuja solução competirá ao Superior Tribunal de Justiça.

Ao reconhecer a competência do STJ, o Ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que não haveria qualquer possibilidade de o conflito de competência estabelecido entre Tribunais Arbitrais ser dirimido por magistrado de primeira instância, em razão da ausência de atribuição legal ou constitucional com essa finalidade, ou ainda pelo fato de inexistir qualquer hierarquia entre a jurisdição estatal e arbitral.

De igual modo, registrou também não serem competentes os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e os Tribunais Regionais Federais, uma vez que sua competência está restrita tão somente aos conflitos existentes entre juízos a eles vinculados diretamente, o que, por óbvio, não abarca o juízo arbitral.

No caso sob análise foi destacada, ainda, mais uma particularidade: os Tribunais Arbitrais suscitados eram vinculados à mesma Câmara Arbitral.

Na hipótese, o regulamento da Câmara era omisso quanto à resolução do conflito de competência instaurado em decorrência da prolação de decisões incompatíveis, apesar de os procedimentos arbitrais possuírem causa de pedir e pedidos parcialmente idênticos.

O Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, pontuou que, idealmente, conflitos de competência que envolvessem Tribunais Arbitrais vinculados a uma mesma Câmara de Arbitragem deveriam ser solucionados pelo Regulamento da Câmara, atendendo à autonomia da vontade das partes, o que não era o caso dos autos, já que o Regulamento da Câmara eleita era silente quanto a essa questão.

Note-se que, ao aderir ao Regulamento de uma Câmara Arbitral, as partes se submetem, automaticamente, às regras nele estabelecidas e, se ele dispuser de regras destinadas a dirimir eventual conflito de competência entre os tribunais arbitrais vinculados àquela Câmara, não há dúvidas de que a autonomia da vontade das partes estará sendo prestigiada.

O Ministro Relator foi acompanhado por todos os demais Ministros, sendo certo que a decisão prestigiou, mais uma vez, a arbitragem.

Além de acompanhar o Voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a Ministra Nancy Andrighi, apresentou Declaração de Voto registrando sua reflexão quanto à necessidade de adaptação dos regulamentos das Câmaras de Arbitragem, a partir do julgamento do Conflito de Competência nº 185.702/DF (2022/0023291-6).

Nesse sentido, ela destacou ser conveniente que, no próprio Regulamento das Câmaras de Arbitragem, estejam previstas regras aptas a solucionar o conflito de competência instaurado entre tribunais arbitrais vinculados a uma mesma Câmara Arbitral.

Assim, da análise do aludido Conflito de Competência, é inegável que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça permanece prestigiando a arbitragem e seus princípios basilares, fortalecendo-a cada dia mais, o que, consequentemente, estimula ainda mais o seu uso.

Qual é a via adequada para que o comprador tome posse de um imóvel que se encontra locado?

Sendo uma dúvida muito recorrente no âmbito do Direito Civil, a questão foi novamente ratificada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme recente decisão nos autos do julgamento do Recurso Especial 1.864.878/AM. Afinal, qual é a via adequada para que o comprador de um imóvel locado tome posse do bem?

Inicialmente, é importante destacar que a divergência doutrinária e jurisprudencial se estabeleceu considerando que a alienação do imóvel pelo locador durante a vigência da relação locatícia não extingue, de imediato, o contrato de locação firmado originalmente, que continuará existindo e possuindo validade.

Levando esse contexto em consideração, ressalta-se que o ordenamento jurídico brasileiro prevê duas alternativas para o comprador, quais sejam: manter-se inerte e sub-rogar-se no contrato de locação, dando continuidade à relação locatícia, ou a denunciação do contrato de locação, extinguindo-o.

Nesse sentido, é importante esclarecer que, caso não possua interesse na manutenção da relação locatícia, o adquirente do imóvel poderá, no prazo de 90 (noventa) dias, promover a denunciação do contrato de locação, excetuando-se os casos em que a locação for por tempo determinado e o instrumento contratual possuir cláusula de vigência em caso de alienação, consoante estabelecido pela inteligência do artigo 8° da Lei 8.245/91, conhecida como Lei de Locação.

Dessa forma, cumpre elucidar que a denunciação do contrato é uma das espécies de extinção unilateral do instrumento contratual por iniciativa extrajudicial de um dos contratantes, a qual se dá mediante simples declaração de vontade, configurando um direito potestativo do proprietário do imóvel. Assim, da interpretação conjunta do artigo 8° da Lei de Locação com o artigo 473 do Código Civil, compreende-se que basta a notificação extrajudicial do locatário, para que seja dado início ao prazo de 90 (noventa) dias para desocupação do imóvel por parte do inquilino.

Por outro lado, nas hipóteses em que o comprador deixar transcorrer o prazo para denunciação do contrato previsto no artigo 8° da Lei de Locação, presume-se que houve a concordância tácita do comprador na manutenção da relação locatícia, ao passo que o comprador assume a posição do locador, resultando na sub-rogação de todos os seus direitos e deveres. Cabe, ainda, frisar que a sub-rogação é um instituto do Direito Civil que está expressamente disposto Código Civil de 2022, e que consiste, em poucas palavras, na substituição de um dos sujeitos da relação jurídica obrigacional, o que, no caso em comento, consiste na substituição do locador original pelo comprador.

Portanto, levando em consideração todo o exposto, é mister enfatizar que, nas hipóteses em que tenha transcorrido o prazo legal de 90 (noventa) dias sem que ocorra a desocupação do imóvel por parte do locatário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a via processual adequada para que o comprador tome posse do imóvel é a ação de despejo, em detrimento da ação de imissão na posse. Isto ocorre pois, conforme já mencionando neste artigo, a regra geral é de que a relação locatícia continuará existindo entre o comprador e o locatário original, salvo expressa manifestação contrária por parte do adquirente, e, de acordo com o artigo 5° da Lei de Locação, independente do fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel locado é sempre a de despejo.

A Execução no Direito Processual brasileiro: a desjudicialização e o SNIPER – perspectiva

Se há um consenso entre a comunidade jurídica brasileira, é de que o sistema judiciário está congestionado e deve ser desafogado. Boa parte do gargalo consiste na morosidade da fase executória processual, seja de título judicial ou extrajudicial. Segundo dados do CNJ, mais de 40 milhões de processos em andamento no Brasil são execuções ou cumprimentos de sentença, excedendo a marca de 50% da totalidade das demandas judiciais em curso.

No atual cenário, os processos executórios duram, em média, o triplo de tempo em relação aos de conhecimento, o que escancara a ineficiência dos meios satisfativos comumente explorados pelos credores, bem como o considerável êxito de devedores que optam por evadir-se de seus compromissos já discutidos perante juízo.

Diante da realidade posta, algumas alternativas vêm sendo propostas com a finalidade de dirimir o contingente processual e fazer valer o princípio da duração razoável para a solução integral de mérito, incluída a atividade satisfativa, disciplinado no artigo 4º do Código de Processo Civil. Duas delas serão tratadas no presente texto: a proposta de desjudicialização da execução civil e o SNIPER (Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos).

A discussão ao redor da desjudicialização ganhou força com o projeto de lei nº 6.204/2019, de iniciativa da senadora Soraya Thronicke, e foi pauta de sessão de debate entre os demais senadores recentemente, em maio de 2022. A proposta baseia-se na ideia de que o tabelião de protesto passaria a exercer a função pública de execução de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, outorgando um profissional de direito também concursado. A fiscalização ainda ficaria ao encargo do Poder Judiciário.

Legitimada por figuras proeminentes do Direito nacional, como os professores Flávia Pereira Ribeiro e Joel Dias Figueira Júnior, além do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Martins, a desjudicialização é ferramenta ativa em muitos ordenamentos jurídicos estrangeiros e atende à Meta 16 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas na Agenda 2030. Segundo o ministro do STJ: “O direito brasileiro já conta com uma experiência exitosa na execução extrajudicial em certas matérias, como na arbitragem e na execução fiscal administrativa. Em contrapartida, temos o gargalo da execução civil brasileira, tradicionalmente submetida apenas à atividade jurisdicional estrita e expressa por elevados números de processos.”

Em Portugal e na França, por exemplo, existe a figura do agente de execução, ator principal da desjudicialização e promovedor dos atos executórios, podendo ser exercida por profissionais liberais e agentes privados que atuam sob a fiscalização de associações de classe e do Poder Judiciário.

No referido projeto brasileiro, há a intenção de incorporar função análoga à figura do tabelião. Daí, inclusive, insurge o questionamento quanto à inutilidade de transferir os atos executórios e, ao desafogar o sistema judiciário, congestionar os cartórios no Brasil. A atribuição da função de agente de execução a players privados, solução adotada por França e Portugal, seria uma saída viável ao ordenamento nacional, já que o contingente cartorário também seria ineficiente sem auxílio externo e, obviamente, mantendo a fiscalização pelo judiciário.

Quanto ao Sniper , lançado em agosto de 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos é parte do Programa Justiça 4.0, encabeçado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, e que busca incorporar cada vez mais a inovação e tecnologia ao judiciário brasileiro e promover mais eficiência, acessibilidade e transparência, sendo certo que o SNIPER chegou para transformar o trâmite atual dos processos executórios que conhecemos.

Lançado com o apoio do TSE, STJ, Conselho da Justiça Federal (CJF), Receita Federal (RF) etc., trata-se de uma ferramenta unificada de busca de bens, que centraliza e informa detalhadamente ao magistrado solicitante informações societárias, patrimoniais e financeiras que poderiam passar desapercebidas em mera análise documental, tornando possível a identificação dos grupos econômicos e relações entre as partes devedoras.

O SNIPER engloba todas as ferramentas anteriormente utilizadas pela parte credora (BacenJud, SisbaJud, RenaJud, etc.) a fim de obter a satisfação de seu direito por meio da busca de bens e ativos financeiros do devedor. É uma tentativa do próprio judiciário de facilitar o cumprimento de sentenças e títulos extrajudiciais, fornecendo ao detentor do direito líquido e exigível a perspectiva concreta de êxito material, assegurando-lhe o acesso a ativos que garantem isso, consequentemente tornando mais difícil a vida de devedores que buscam prolongar ou sequer cumprir com suas obrigações.

A pesquisa unificada deve ser requerida pela parte interessada no impulsionamento do processo, e depende do deferimento do juízo em questão, com uma decisão de quebra de sigilo bancário. Após o lançamento da ferramenta, o CNJ disponibilizou um curso on-line aos servidores, para que se capacitem e se habilitem ao uso do SNIPER. Até o presente momento, em outubro de 2022, ainda não há jurisprudência de deferimento de uso do SNIPER. A perspectiva, portanto, é de busca cada vez maior pelo aumento da efetividade na satisfação do direito, num menor espaço de tempo.

O que falta para a ANPD aplicar as multas previstas na LGPD?

A Lei n° 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), foi publicada há mais de 04 (quatro) anos, sem que nenhuma das 09 (nove) penas, previstas no seu artigo 52, tenha sido aplicada.

Mas, qual o real motivo da ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ainda não ter aplicado nenhuma multa? O que falta para tanto?

A resposta é simples: a ANPD depende da publicação de uma portaria com a metodologia de cálculo das multas para começar a aplicá-las. É o que consta do seu artigo 53 (“A ANPD definirá, por meio de regulamento próprio sobre sanções administrativas a infrações a esta Lei, que deverá ser objeto de consulta pública, as metodologias que orientarão o cálculo do valor-base das sanções de multa”).

A Consulta Pública já foi realizada pela Autoridade Nacional, no período havido entre os dias 16 de agosto e 15 de setembro de 2022. Foram mais de 2.000 (duas mil) contribuições de diferentes segmentos da sociedade civil, trazendo pluralidade e diversidade ao projeto de regulamentação.

Os próximos passos incluem a análise de admissibilidade das contribuições pela Coordenação-Geral de Normatização e avaliação das sugestões pela equipe de projeto da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Haverá, ainda, uma análise jurídica; definição de novo relator no Conselho Diretor da Autoridade para proposição de um texto final; votação; e, aprovação. 

A expectativa é que, até o final do ano de 2022, ou, no começo de 2023, a Portaria necessária à aplicação das multas pela ANPD seja publicada no Diário Oficial, viabilizando a finalização dos processos administrativos que investigam infrações – que já estão sendo conduzidos internamente – com a aplicação da reprimenda cabível.

Uma coisa é certa, apesar de ainda não terem sido publicadas objetivamente as formas e dosimetrias para o cálculo do valor-base das sanções de multa (que podem chegar até 2% do faturamento da empresa, limitada a R$ 50 milhões por infração), as penalidades terão efeito retroativo e as empresas poderão ser multadas por situações ocorridas desde 01 de agosto de 2021, data do início da vigência das sanções.

Logo, possivelmente, as primeiras sanções em pecúnia da ANPD serão referentes a eventos já ocorridos e que estão sob investigação. O importante é que as empresas se adequem, o quanto antes, ao que dita a LGPD, com a implantação de projetos de conformidade, bem assim, a adoção de uma governança de dados, demonstrando, enfim, que estão preocupadas com os dados das pessoas naturais e que possuem medidas para reverter ou mitigar os efeitos de um incidente de vazamento de dados.

Recuperação Judicial e Revisão dos Contratos

Em recentíssimo julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a habilitação do crédito e a posterior homologação do plano de recuperação judicial não impedem a rediscussão do seu valor em sede de ação revisional de contrato (Resp n° 1700606 – PR).

A decisão teve origem em ação proposta por uma empresa em recuperação judicial contra uma instituição bancária, visando à revisão de contratos de empréstimo, em virtude de suposto excesso na cobrança de juros e outras irregularidades.

Em sua defesa, o banco alegou que, ao apresentar o pedido de recuperação, a empresa concordou tacitamente com todas as cláusulas inseridas nos contratos, o que impediria o ajuizamento da ação revisional.

Asseverou, ainda, que seu crédito, de mais de R$ 4 milhões, já devidamente habilitado, não foi impugnado no prazo legalmente previsto, de modo que, sobrevindo a homologação do plano de recuperação, não mais seria possível a rediscussão do valor em ação revisional de contrato bancário.

O Relator do processo no STJ, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ressaltou que, conforme o artigo 59 da Lei n° 11.101/2005, o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sendo certo que o reconhecimento judicial da concursalidade do crédito, habilitado ou não, torna obrigatória a sua submissão aos efeitos da recuperação.

O Ministro observou também que a mesma lei, em seu artigo 50, inciso I, quando utiliza um conceito aberto ao tratar das “condições especiais para pagamento”, deixa transparecer que tal norma deve ser interpretada da forma mais ampla possível, admitindo a adoção de qualquer condição que seja aceitável para os credores e que possam contribuir para o soerguimento da empresa recuperanda, ante o princípio da preservação da empresa que norteia o processo recuperacional.

Em relação ao crédito já habilitado, o relator ponderou que, ainda que já tenha sido homologado pelo juízo da recuperação, nada impede que sobrevenham acréscimos ou decréscimos por força de provimento jurisdicional definido em demandas judiciais em curso, a ensejar a aplicação da condição especial definida no plano de recuperação ao novo valor do débito judicialmente reconhecido.

De fato, ante a importância da temática para as empresas que se encontram em recuperação judicial, a consolidação deste entendimento configura uma chance a mais para o efetivo soerguimento empresarial.